terça-feira, 16 de outubro de 2012

Geração Esperança: Quando uma Luz se apaga

No século XIX, nasceu o britânico Joseph Merrick, que ficou conhecido como "Homem Elefante" por conta de suas deformidades físicas. Merrick passou boa parte da vida como atração num circo de aberrações, sendo apresentado ao público de forma humilhante, como se não fosse um ser humano, mas uma criatura abominável e repulsiva. A história de sua vida foi adaptada, muitas décadas depois, para o cinema.

O que a história de vida de Merrick tem a ver com a história mais recente de Geração Esperança, publicada em X-Men Extra 129? Tudo.



A história em questão faz uma reflexão sobre como é ser um mutante no universo Marvel. E convenhamos, não é fácil. Pra começar, boa parte dos mutantes tem aparências consideradas hediondas pela sociedade, vistos como verdadeiros monstros. A maioria dos X-Men, claro, pode não se encaixar nesse caso, tendo a mesma aparência dos humanos ditos normais, mas isso só torna a vida deles um pouco mais fácil: eles continuam sendo vítimas de preconceitos, exclusão social e até de tentativas de genocídio.

A verdade é que, se ignorarmos as aparências e os poderes, os mutantes são exatamente como o restante da humanidade: só querem viver suas vidas em paz, trabalhar, estudar, formar família, ter amigos. Sim, existem mutantes maus - assim como existem muitos humanos maus, tanto na Terra-616 dos quadrinhos como na Terra em que nós vivemos. Mais uma prova da semelhança entre as "duas espécies".



Mas o preconceito é uma arma poderosa e perigosa, capaz não só de jogar a opinião pública contra um determinado grupo, mas até de destruir a autoestima da própria vítima. É o que aconteceu nesta história, quando o gene mutante desperta em um jovem universitário, fazendo seu rosto derreter como se fosse barro. É uma experiência horrível, sem dúvidas, mas talvez com a orientação correta ele fosse capaz de controlar seu dom - ou pelo menos aprender a se aceitar assim. Infelizmente, antes que a messias mutante Esperança Summers e suas Luzes chegassem a ele, o rapaz foi tratado como uma atração de circo (como um Homem Elefante; daí a história de Merrick no começo desta resenha) pelos seus próprios amigos, mais preocupados em humilhá-lo e expô-lo para o mundo todo ver do que em ajudá-lo.

Resultado? O novo mutante cometeu suicídio. Para tragédia de toda a população mutante, uma nova Luz se apagou antes mesmo que seu brilho pudesse iluminar um pouquinho o mundo e trazer esperança para o futuro de sua espécie. Esperança infelizmente chegou tarde demais para salvá-lo, mas não tarde demais para dar um belo esporro no amigo dele.



Sabem o que é curioso (e até irônico de certa forma) quando se fala em preconceito? Ele surge da ignorância, da falta de conhecimento e compreensão sobre o que se discrimina. Infelizmente muitas e muitas pessoas continuam preconceituosas mesmo depois de verem sua posição confrontada com a realidade, mas outras pessoas acabam mudando depois de sofrerem um "choque de realidade", ao perceberem a atrocidade que elas mesmas estavam cometendo. O amigo do mutante que se suicidou foi um verdadeiro babaca, mas será que ele tinha consciência de como estava ferindo seu colega até vê-lo se suicidar? Ou achava que era só uma brincadeira e o novo mutante também riria de tudo aquilo? Depois do que aconteceu, ele parecia arrependido pelo que fez, e talvez agora mude sua postura. Talvez não.

Mas para Zero, o arrependimento não basta; a única forma de fazer justiça ao mutante falecido seria tirar a vida do jovem que causou tudo isso. Desta forma, ele viajou às escondidas para o Reino Unido, onde um de seus construtos tecnorgânicos se preparava para perfurar a cabeça do rapaz.



Felizmente, Wolverine apareceu por lá a tempo para conversar com Kenji e mostrar que o que ele estava pra fazer não era realmente justiça, e sim vingança. E Logan pode não ser o Seu Madruga (sim Coveiro, estou falando de Chaves no texto!), mas ensina a Zero (com outras palavras, claro) que a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena. Sim, zombar de um amigo em desespero foi um ato terrível, mas é apenas vivendo que o rapaz continuará carregando o peso de suas ações, aprendendo a não repeti-las e, quem sabe, um dia fazendo algo que redima seus pecados.

Kieron Gillen é o roteirista desta história, desenhada por Jamie McKelvie. Como deu pra reparar no decorrer deste artigo (pelo menos eu espero que tenha dado pra reparar, senão eu falhei miseravelmente no meu texto), a dupla proporcionou uma belíssima história, que reflete sobre o que é ser um mutante e o que é ser uma vítima de preconceito de uma forma muito mais profunda do que pode parecer numa primeira leitura. A arte cartunesca infelizmente atrapalha um pouco na hora de transmitir o peso e o impacto dessa reflexão; mesmo assim, poucas vezes nos últimos anos pudemos ver a essência por trás dos X-Men capturada como nessa história. Vale a leitura e, para quem já leu, vale a releitura.


Fernando Saker

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