quinta-feira, 14 de março de 2013

Nêmesis: Uma Pequena Parte do Millarworld

Um bilionário cheio de carros, dinheiro e equipamentos resolve vestir uma fantasia e sair por ai tocando o terror. Não, no presente caso, estamos falando de alguém mais louco que o Batman. Com vocês, Nêmesis, o matador de chefes de Polícia.


Antes de falarmos um pouco da história, cabe tecer alguns breves comentários sobre o selo ICON. ICON é o selo autoral da Marvel, na qual os medalhões da Casa das Ideias, como Matt Fraction, Eddie Brubaker, dentre outros, escrevem histórias autorais, aplicando ideias que não poderiam ser utilizadas no universo de super-heróis. Aqui no Brasil já tivemos a oportunidade de vermos algumas dessas obras, como Casanova (Matt Fraction e Gabriel Bá) e Criminal (Eddie Brubaker e Sean Phillips).

Quem acompanha os lançamentos na terra do Tio Sam sabe que a principal estrela do selo é ninguém menos que Mark Millar. É o autor que mais despeja lançamentos no mercado por meio do selo ICON. Millar, para quem acompanha razoavelmente as notícias relacionadas a quadrinhos, está afastado, há um bom tempo, dos quadrinhos dos super-heróis. Atualmente, o escocês se dedica a duas atividades: Consultor dos filmes Marvel da Fox e arquiteto de seu próprio mundo fantasioso, o Millarworld.

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Desde que Millar permitiu a adaptação de seu O Procurado (com Angelina Jolie e Morgan Freeman) para os cinemas, o autor tem apostado na criação do que podemos chamar de obras multimídias. Millar cria histórias facilmente adaptáveis para outras mídias, como cinema, podendo faturar alguns trocados a mais. O grande exemplo dessa leva é o divertidíssimo Kick-Ass, cuja continuação está para estrear em breve nos cinemas. Millar tem sido muito bem sucedido nessa área, já que, atualmente, é um dos poucos artistas autorais com grande visibilidade, sem estar escrevendo algum personagem medalhão (tanto Marvel quanto DC) há um bom tempo.

A opção do autor não é injustificada. Quem viu o filme dos Vingadores (a terceira maior bilheteria da história) sabe que muitos dos elementos apresentados no filme saíram da cabeça do escocês. No entanto, se Millar ganhou algo mais que uns agradecimentos nos créditos do filme, foi muito. Recentemente, Warren Ellis declarou que não ia ganhar nada por Homem de Ferro 3, a despeito do filme se basear em um arco escrito por ele, o Extremis. Não é sacanagem da Marvel. Os autores conhecem as regras. Os personagens não lhes pertencem, pertencem à editora. Assim, os lucros advindos de adaptações ou mesmo de licenciamento de produtos dificilmente chega nas mãos dos criadores das histórias. Em razão dessas regras, muitos autores de peso estão cada vez mais distantes do universo dos super-heróis. Millar tem sido, como já dito, um dos mais bem sucedido nessa empreitada. E, levando em consideração que, além da criação de seu Millarworld, hoje ele tem um cargo de consultor com a Fox, dificilmente voltaremos a ver o escocês escrevendo personagens como Wolverine ou Homem-Aranha tão cedo.

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Após esses breves comentários, vamos falar um pouco de Nêmesis. Apesar de Millar estar longe do universo dos super-heróis da Marvel/DC, todas as suas obras autorais contêm elementos ou referências a esses universos. Que lê as obras de Millar percebe que ele é um autor apaixonado pelo gênero. E mesmo em histórias como Nêmesis ou O Procurado, cujos personagens principais são vilões, o autor adora referenciar personagens como Batman, Superman, Homem-Aranha, dentre outros. Claro, referenciados, na maior parte das vezes, de forma cínica e irônica.

A descrição de Nêmesis é aquilo que eu escrevi no primeiro parágrafo. Um bilionário, que anda entediado, resolve sair pelos quatro cantos do mundo matando chefes de polícia. Seu alvo agora é um cara que representa tudo aquilo que ele não é: Blake Morrow, chefe de polícia de Washington, que consegue ser mais escoteiro que o Capitão América e Superman juntos. Então, inicia-se o jogo de gato e rato, onde um tenta pegar o outro, e cada um usando todos os recursos disponíveis.

Quem ler perceberá que temos aqui uma espécie de confronto entre um Batman (com a mente ensandecida do Coringa) e um Comissário Gordon (um pouco mais em forma, podemos assim dizer). As referências aos dois personagens brotam a cada minuto, sejam nas falas do personagem, sejam nos desenhos. Por exemplo, nos momentos finais da breve minissérie, Morrow acaba assumindo um visual que lembra muito um dos maiores aliados do Cavaleiro das Trevas no combate ao crime.

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Todos os elementos de uma história de Mark Millar estão presentes. Os personagens cínicos, as cenas de extrema violência, as reviravoltas, dentre outras características do autor. Mas, de alguma forma, Nêmesis não está à altura de uma obra de Millar. Aliás, o que temos aqui é um trabalho bem abaixo do padrão de qualidade do autor, em minha modesta opinião. As reviravoltas não impressionam (a não ser algumas, nos momentos finais), o clima de previsibilidade é alto, além de algumas cenas/ situações que são esxtremanente forçadas. A grande vantagem da história é o seu pequeno tamanho (só quatro edições), pois, um número mais, seria um convite ao desastre. Se comparado com os alguns trabalhos (de baixa qualidade) do mainstream de super-heróis, muitos vão achá-la superior. Mas analisando e comparando com outros trabalhos, como Guerra Civil, O Velho Logan, Wolverine: Inimigo do Estado e O Procurado, percebemos o quão inferior é esse. E vamos deixar Os Supremos fora da comparação, porque se o fizermos, estaremos cometendo um ato de covardia. Na minha opinião, o grande astro da história é Steve Mcniven.

Millar sempre teve a sorte (ou a habilidade) de ter grandes desenhistas a sua disposição. Só pessoas do primeiro escalão. John Romita Jr., Bryan Hitch, Frank Quitely, Steve Mcniven, dentre outros artistas. São artistas que conseguem captar a essência do roteiro de Millar, criando cenas que ficam marcadas na memória do leitor. Com Steve Mcniven, Millar escreveu duas grandes obras para a Casa das Ideias: Guerra Civil e O Velho Logan. Ou seja, escolhê-lo para desenhar a revista foi um dos grandes acertos do escocês.

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As cenas de ação elaboradas pelo artista (principalmente nos primeiros números) são espetaculares (a sequência inicial é muito boa), mas, infelizmente, vão caindo de qualidade. A batalha final entre Nêmesis e Morrow poderia ter sido mais épica e melhor desenhada. Mas mesmo com certa queda de qualidade, percebe-se que o desenhista permanece como um dos grandes nomes dos quadrinhos. Além da sequência inicial, cabe destacar as sequências da fuga da polícia, da fuga da prisão e o sequestro do Força Aérea Um, que são excelentes e memoráveis.

Novamente, a Panini acertou no tratamento da revista. Edição única, capa dura e com um papel de boa qualidade. Ainda que não seja uma grande obra de Millar e Mcniven, o tratamento dispensado pela editora foi muito bom. E como extras, um pequeno texto de Millar sobre a obra e algumas capas, inclusive variantes.

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Com gosto de história criada justamente para ser adaptada para outras mídias, Nêmesis não é um dos grandes momentos de Mark Millar. Talvez a expectativa em torno dos nomes envolvidos tenha me feito esperar algo mais da história. De qualquer forma, um trabalho bem abaixo da média dos grandes autores de Guerra Civil.

Rafael Felga

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