domingo, 8 de março de 2015

Em Foco: Uma história sobre os quadrinhos de Mulheres na Marvel

Mulheres da Marvel

Quando você acaba de sair de uma maratona tão boa quanto a do seriado da Agente Carter, é bem fácil por  a mão na massa e fazer com que esse artigo saia espontaneamente.  Voltar décadas atrás e ver algumas dificuldades das mulheres meio século atrás em várias instâncias, e isso inclui ser uma leitora de quadrinhos do mundo dos super-heróis. Algum embasamento eu já tinha quando li o livro de Sean Howe sobre os bastidores da Marvel, então atiçado pelo dia 8 de março, resolvi correr atrás de alguns títulos que apesar do pouco sucesso, foram potenciais divisores de águas dentro da Marvel ao decorrer das décadas de sua existência.

Antes da Marvel, quando a editora apenas nascia no ramo dos quadrinhos de super-heróis e ainda se chamava Timely Comics, todo tipo de gibi que era direcionado ao público feminino se resumia aos título da super-modelo Millie, a datilografa Tessie e a enfermeira Nellie. As primeiras tentativas mais fortes de se criar uma super-heroína forte entre os campeões da época veio mais por pressão da rival DC Comics e sua mulher-maravilha do que qualquer outra razão mais justa para atrair um possível público feminino na época. Assim, surgiram os nomes da primeira Miss America, Golden Girl, Namora e Venus.

Madeline Joyce teria sua primeira aparição nas revistas em 1943, em Marvel Mystery Comics #49 (Novembro de 1943) já como Miss America. Criada por Otto Binder e Al Gabrielle, a moça ganhou seus poderes na fórmula de praxe, através de um acidente ao usar uma máquina de um laboratório durante uma tempestade de raios. Seus poderes tinham o padrão comum - super-força e vôo - e chegou a fazer parte do grupo All Winners Squad (uma clara afronta a Sociedade da Justiça em sua época). Chegou a ter um título próprio, mas que já na segunda edição não sobreviveu a uma prática comum da época de ser superlotado com outras histórias reeditas antigas. Apesar de não ter sobrevido a nova era dos heróis da Marvel, Madeline chegou a ser mencionada como a esposa do Tufão e mãe - por um tempo - dos gêmeos Maximoff, Pietro e Wanda.

Mulheres da Marvel

Seguindo a linha, a Timely resolveu aproveitar uma personagem coadjuvante que surgiu na primeira Captain America Comics e transformou-a na Golden Girl. Elizabeth Ross assumiu o papel de parceira do Capitão (que na época, seria supostamente o alterego de Jeff Mace) na edição 66, em 1947. Foram aventuras esparsadas, sem grande destaque. Mais tarde a Marvel aproveitaria o sobrenome de Elizabeth para transformá-la na tia do General Ross das histórias do Hulk. Já o alterego da Golden Girl voltaria a ser usado em um famoso retcon por Roy Thomas. Desta vez com o nome de Gwenny Lou Sabuki, Golden Girl surgiu na revista dos Invasores como uma das sidekicks de heróis da Era de Ouro e assim garantiu mais um personagem da antiga editora na nova casa. Essa sua versão era capaz de produzir luz e energia pelas mãos.

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Uma outra coadjuvante que foi aproveitada para alçar um papel de destaque foi a secretaria do Tocha Humana original, Jim Hammond, chamada Mary Mitchell. Em 1948, chegou a ter título próprio chamado Sun Girl desenhado por Ken Bald, mas não durou três edições. Acabou como sidekick do Tocha por um tempo, e também seu interesse amoroso. Uma nova versão da personagem viria a surgiu justamente agora, nas histórias do Homem-Aranha Superior e chegou até a fazer parte dos Novos Novos Guerreiros.

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Com menos destaque que as demais, a personagem Louise Grant Mason se tornou a Blonde Phantom. Apareceu pela primeira vez na edição 11 de All Selected Comics, que na edição seguinte virou Blonde Phantom Comics. Sem superpoderes, a moça era praticamente uma superespiã da época e chegou a ser membro tanto do All Winners Squad como do retcon dos Invasores. Uma descendente dela chegou a assumir o manto anos mais tarde numa história da Mulher Hulk.

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Tanto a Namora como a Venus se tornaram bem conhecidas do público mais pra frente, quando ambas participaram inclusive da atual superequipe liderada por Jimmy Woo, os Agentes da Atlas. Namora surgiu em Marvel Mystery Comics #82 como prima do Príncipe Submarino no ano de 1947, seguindo a mesma origem de hibrido de pais atlante e humana. Criada por Ken Bald e Syd Shores, a personagem chegou a ter três edições de uma revista própria em 1948. Já a Venus foi criada em sua própria revista, com a pretensão de ser de fato a própria deusa grega que desceu a Terra e assumiu a identidade de Victoria "Vicki" Nutley Starr. A revista durou 19 edições e a personagem voltou a Era Marvel em 1973 numa revista do Namor.

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Todas essas personagens foram de fato importantes passos na tentativa de alçar o público feminino, principalmente numa época pós-guerra, que via os quadrinhos sofrendo uma leve baixa de mercado e precisava tentar expandir seu público. Ainda assim, falharam em muitos aspectos, principalmente por não conseguir emplacar nenhuma delas como uma grande representação da mulher no mundo super-heróico da Marvel através do tempo.

Muitos anos mais tarde, já com a Marvel estabelecida e seguindo a vibe da Era de Bronze, Stan Lee baixou uma ordem editorial para que novos títulos femininos fossem criados, mas dessa vez do jeito certo. A grande inovação seria que as revistas de mulheres fortes seria escrita por mulheres também. Foi assim que em 1972 foram lançados os títulos da Enfermeira Noturna, As Garras da Gata e Shanna, a Mulher-Demônio.

Linda Carter foi a única delas que já existia nos quadrinhos, criada na revista Linda Carter, Student Nurse por Al Hartley e Stan Lee. Em busca desesperadamente por uma escritora para o título, o editor da época, Roy Thomas, conversou com sua mulher Jean Thomas para esta função. O título durou quatro números na época e seguiu uma linha bem interessante e diferente de qualquer contato direto com os heróis da Marvel. Ao lado de outras duas personagens – Christina Palmer e Georgia Jenkins – Carter vivia o drama do dia a dia de um hospital que inclusive recebia pessoas acidentadas pelo combate entre superpoderosos. Há também um ar de detetive nas histórias ao colocar a enfermeira tomando a iniciativa de investigar coisas estranhas no local de trabalho. O título não chegou a decolar, e acompanhado dos problemas no casamento entre Roy e Jean, foi descontinuado. A personagem no entanto seguiu um caminho marginal nas histórias de muitos heróis que acabaram tendo suas feridas tratadas muitas vezes por Carter.

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As Garras da Gata (do original, Claws of Cat) foi a revista que trouxe ao mundo Greer Grant Nelson. Desta vez, Roy Thomas conseguiu fazer uma dobradinha na equipe criativa e tivemos Marie Severin como desenhista e a novata Linda Fite, que já tinha sido assistente de algumas histórias dos X-Men e tomou a frente poucas vezes como roteirista. Fite pegou realmente a ideia do projeto e tentou inserir bastante o discurso de direitos da Mulher no titulo. Viúva de um policial morto em serviço, Greer teve que rapidamente aprender a viver por conta própria. Conseguiu trabalho na clinica da Doutora Joanne Tumulo, que acidentalmente havia criado outrora uma vilã, também chamada a “Gata”, no passado. A Doutora Tumulo que vinha sendo ameaçada na época, foi convencida a usar o mesmo experimento em Greer, que acabou ganhando alguns poderes extra-humanos e tomou para si uma carreira de combate ao crime. O título também durou quatro edições e somente mais tarde Greer viria a sofrer novas mudanças na sua vida e se tornar a Tigresa. Já o seu antigo alterego heróico foi assumido por Patsy Walker, outra personagem feminina antiga da Marvel que começou a assinar como Felina.

Mulheres da Marvel

Por fim, temos Shanna, a Mulher-Demônio, que ficou nas mãos da amiga de Roy Thomas, Carole Seuling. Sendo ex-esposa do escritor Phil Seuling, Roy achava que podia ter um bom apelo ali e estava certo. O título durou cinco edições e foi o que conseguiu estabelecer melhor a personagem, que se tornou depois figura constante nas histórias do Ka-Zar e Demolidor. A premissa era realmente bem copiada das histórias da Sheena, mas tentava dar um apelo mais forte a personagem ao mundo civilizado. Shanna era filha de um minerador de diamantes do Zaire, mas formou-se zoóloga, tornou-se uma grande atleta e com um vínculo extraordinário com a natureza. Sempre acompanhada de um casal de leopardos, ela combateu diretamente o vilão Mandrill para salvar seu pai e seguiu uma carreira mais proeminente como heroína depois disso.

Mulheres da Marvel

Apesar desse novo projeto se mostrar um fiasco, a Marvel não desistiu ainda de alcançar o publico feminino ali. Ela só bastava olhar mais atentamente para o outro lado. Em 1977, pegando uma premissa aberta nas histórias do Capitão Marvel, a personagem Carol Danvers ganhou título próprio e poderes equiparáveis ao do Mar-Vell. Carol já era bem conhecida do público na época, principalmente por não fazer um mero papel de par romântico do personagem, mas sim uma bela antagonista na função de chefe de segurança que punha a identidade secreta do Kree em risco na base militar. O escritor Gerry Cornway ficou nas duas primeiras edições, mas a Marvel foi bastante esperta em convocar o proeminente roteirista dos X-Men, Chris Claremont , para tomar seu lugar. O britânico mostrou ser alguém que compreendia bem a ideia de escrever uma protagonista feminina forte em seus primeiros anos nos X-Men e repetiu o mesmo nessa mensal. As histórias tinham a sensibilidade necessária ao mesmo tempo que batia forte na questão do feminismo. Uma das maiores lutas da identidade civil de Danvers na revista era quanto a questão de pagamentos por salários iguais entre homens e mulheres na mesma função. A revista acabou sendo cancelada antes mesmo de ter um final digno, mas a Marvel anos mais tarde lançou o que seria uma conclusão para as histórias nas edições 10 e 11 de Marvel Super-Heroes, que originalmente deveria sair como Ms Marvel 24 e 25.

Mulheres da Marvel

Apesar de passar um bom tempo sem título mensal nos anos 80, a personagem Ms Marvel conseguiu de fato um bom apelo ao se estabelecer rapidamente como uma Defensora e Vingadora. Infelizmente, alguns roteiristas a levaram para um caminho nada digno da personagem e o próprio Claremont tentou “salvá-la” disso ao colocar o já tão famoso ataque da personagem Vampira que a deixou gravemente ferida e sem memórias. Neste mesmo intento, Chris ainda a colocou longe da Terra juntamente com os piratas siderais e somente no final dos anos 90 a moça voltou para o devido lugar entre os Vingadores na fase escrita por Kurt Busiek e desenhada por George Perez. Em tentativas contínuas, a editora sempre voltava com a sua mensal até que finalmente nos últimos anos conseguiu que a personagem se estabelecesse sob o comando da roteirista Kelly Sue Deconnick com a nova alcunha de Capitã Marvel.

Mulheres da Marvel

Nesse vácuo deixado por Carol nos anos 80, foi a vez de uma outra personagem feminina de caráter forte se estabelecer. A Mulher-Hulk foi criada em Savage She-Hulk em 1980 mais para proteger os direitos de uso da personagem do que qualquer outra coisa (Na época, se pensava em produzir uma série de TV seguindo o sucesso do seriado do Hulk e da Mulher-Bionica). A primeira revista não durou mais que um ano, mas após o sucesso das Guerras Secretas, John Byrne resolveu tutelar a personagem em 1989 e criar a revista Sensational She-Hulk. Cuidando do roteiro e desenho, a fama de Byrne fez com que o título fosse um sucesso imediato, mas ela teve méritos além disso. Com personalidade forte e independente, Jennifer Walters era tudo o que a nova mulher podia ser. As histórias mostravam seu lado como uma advogada pro-ativa balanceado por um leve teor agradavelmente cômico às histórias. Outra coisa que fascinava bastante na época era como Byrne conseguia que a personagem quebrasse a quarta parede e interagisse com o leitor (isso, muito antes de se pensar em existir um Deadpool). É tão notório o sucesso do título que mesmo com a saída de Byrne no número 50, a revista continuou sendo publicada por mais 10 edições. Foi até hoje o “run” mais longo da personagem desde então.


Mulheres da Marvel

Apesar de um tempo morno com iniciativas como essa, podemos dizer que algo já havia sido impactado na Marvel. Tanto a franquia dos X-Men como os Vingadores passaram a ter líderes femininas em diversos momentos. Nas demais mídias fora dos quadrinhos, personagens como Tempestade e Vampira ganhavam um peso como nunca antes tido pelo público feminino. O mesmo vale mais recentemente para a Viúva Negra nos filmes dos Vingadores. E em 2018, já sabemos que a Capitã Marvel ganhará finalmente seu próprio filme pela Marvel Studios.

E em sua mais recente tentativa de emplacar uma volta das mulheres dominando os gibis, a Marvel lançou a aproximadamente um ano cerca de 10 solos mensais protagonizadas por mulheres. Entram aqui a Capitã Marvel, Mulher-Hulk, Elektra, Tempestade, Gamora, Viúva Negra , Mulher-Aranha, a nova Ms Marvel, além das novatas Silk e a Spider-Gwen. Nem todos esses títulos, é verdade, se mostraram fortes para alcançar mais de 12 edições, mas é ainda surpreendente ver como a nova força feminina chega com folga e de modo natural nos planos do editorial de hoje. E se nos basearmos em alguns anúncios, muito ainda esta por vir.

Coveiro

PS: Anos atrás, listei algumas das mais destacáveis heróinas que passaram pelas casas das ideias desde sua criação! Quem quiser conferir, ta na mão!

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