sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Tira-Teima 616: Sobre Os Supremos, ISO-8 e o Espaço-Tempo

* Atenção! Informações inéditas no Brasil e EUA!
* Artigo escrito pelo nosso colaborador, Henrique Bracarense.



Com o fim das novas Guerras Secretas, o Multiverso Marvel sofreu uma profunda reformulação, não existindo mais da maneira que nós conhecemos e aprendemos a amar desde 1961. O Ultiverso se foi; o universo 616, por sua vez, sede das principais publicações da editora e terra natal dos personagens em suas versões tradicionais foi destruído – em seu lugar, há agora a ‘Earth-Prime’, ou ‘Terra-Primordial’, em uma tradução livre.

Neste período inicial do relançamento “All-New, All-Different Marvel”, um “reboot-que-não-é reboot”, visto que a cronologia em sua quase integralidade ainda é plenamente válida e os protagonistas e coadjuvantes das histórias são os mesmos, não se sabe muito bem como está estruturada a mecânica de funcionamento ou a cosmologia desta Nova Nova Nova Marvel. Há um longo caminho a ser percorrido até todas as respostas serem dadas, pois entre o final de Secret Wars e o as edições iniciais do relaunch ocorreu um salto temporal de oito meses, com muitos mistérios e questões levantadas.

Contudo, e de maneira bem sutil e surpreendente, há apenas uma certeza: o homem responsável por construir este background será o roteirista Al Ewing, que se converteu numa mistura um tanto quanto estranha de Mark Gruenwald e Grant Morrison para a editora. Porém, boa parte dos leitores devem estar se perguntando:

Quem diabos é Al Ewing?


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Al Ewing oferecendo abraços grátis

Al Ewing é um roteirista, escritor e DJ nascido em 1977, no Reino Unido. Ele começou sua carreira criando tiras curtas para a célebre antologia britânica 2000 AD, eventualmente roteirizando algumas histórias principais do famoso Juiz Dredd. Sua estreia na Marvel se deu em 2013, co-escrevendo, com Kieron Gillen, o Infinity Comic Iron Man: Fatal Frontier (inédito no Brasil), de lá para cá lançando títulos como Poderosos Vingadores, Loki: Agente de Asgard e Capitão América e os Poderosos Vingadores, atraindo atenção da crítica especializada, principalmente na revista solo do deus da trapaça.
Sua conversão em principal arquiteto da Marvel (já que Jonathan Hickman, o maestro da editora desde 2012, decidiu tirar um semestre sabático para focar em seus gibis autorais, depois de um 2015 exaustivo), entretanto, ocorreu com as revistas pós-Secret Wars dos Supremos (Ultimates) e Novos Vingadores (New Avengers).


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Ultimates e New Avengers de Al Ewing, Kenneth Rocafort e Gerardo Sandoval

Ao passo que o novo volume de Novos Vingadores lida com o seguimento de um dos melhores plots de Hickman – Mancha Solar comprando a IMA e a convertendo em uma força para o bem - simultaneamente mesclando com o conceito dos Jovens Vingadores e velhos favoritos dos fãs, como Soprano e Gavião Arqueiro, os “novos Supremos” podem acarretar os tradicionais ceticismo, desconfiança e reclamações generalizadas dos fãs, que sempre advém de mudanças de status quo e relançamentos de HQs que marcaram seu lugar história, como é o caso dos Supremos de Mark Millar e Bryan Hitch.

Mas aqueles que resolverem superar estes estágios iniciais de negação e raiva irão se deparar com uma grata surpresa: este gibi é uma bela sacada no conceito de Vingadores, tendo nada em comum com o conceito de uma equipe realista e militarizada que foi visto no Ultiverso, sendo basicamente a frente de resposta a ameaças “super”-científicas e exógenas, algo como um cruzamento entre The Authority, Planetary e Quarteto Fantástico. Não uma equipe de super-heróis, mas sim “solucionadores de problemas”.

E a chave para todos os novos segredos da Marvel está no... neutronium.


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Isto ERA o neutronium.

Esta molécula foi criada por Ewing na nona edição de Poderosos Vingadores (publicada no Brasil em Avante, Vingadores! #21, de junho de 2015), apresentada como um elemento instável da Zona Neutra que não poderia existir na então realidade 616, com potenciais energéticos ilimitados. O escritor revisitou este conceito no número cinco do volume seguinte da revista, Capitão América e os Poderosos Vingadores (ainda inédita no Brasil), fornecendo algumas novas informações.


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Cristais de espaço-tempo congelados, girando em ângulos não-Euclidianos, suas energias positivas e negativas coexistindo em total harmonia... a “a matéria mágica”. O neutronium

Nele, o personagem Marvel Azul apresenta propriedades gerais do neutronium e revela que, caso este existisse no universo Marvel “normal”, poderia resolver centenas de problemas.  Sendo assim, a grande virada da primeira edição de Ultimates #1 não é o fato de quase ninguém se lembrar do que aconteceu oito meses atrás e mudou irreversivelmente a natureza das coisas, nem o Pantera Negra ser novamente o monarca de Wakanda, muito menos a existência de um Triskelion (edifício-sede da SHIELD e dos Supremos no recém-finado Ultiverso) na ‘Terra-Primordial’, que também é a materialização da aliança EUA/Wakanda e embaixada desta última ou o fim da ESPADA e o retorno da Tropa Alfa sob o comando de Carol Danvers, nem sequer o encontro entre Galactus, Azul e Capitã Marvel, que não vão lá para lutar, mas para resolver ‘seu problema’... e sim a existência do neutronium no Universo Marvel regular!


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Neutronium: um cristal agora perfeitamente estável no universo real, com oito grupos de átomos perfeitamente cúbicos. A mesma molécula, forma isométrica diferente. Sete para oito.

Esta descoberta leva à tal grande reformulação já mencionada...

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E se o que aconteceu oito meses atrás afetou todo o Omniverso? Uma renovação multiversal... com esta nova configuração do neutronium, esta forma Iso-8, funcionando como um contador universal? Nós já estivemos na sétima iteração? Agora estamos na oitava?

Em resumo: a ‘All-New, All-Different Marvel’ é a OITAVA iteração do Multiverso Marvel. O multiverso ao qual pertencia a antiga Terra-616, que apareceu pela primeira vez em Fantastic Four #1 e foi destruído em Secret Wars #1, foi a SÉTIMA. O neutronium age, em suma como uma espécie de ‘contador cósmico’: a cada nova iteração do universo, ele assume uma forma diferente, mantendo suas propriedades elementares.

Isto abre uma miríade de possibilidades, já exploradas imediatamente na segunda edição do título:


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Demais “ciengenheiros” da sexta infinitude – a hora chegou. Somos os últimos seres do nosso universo.  Os Supremos da lenda cósmica. Se tivermos que morrer agora, que seja da maneira como vivemos. Busquemos a resposta final.

Para quem não reconhece, este é Galan, o ser que se tornaria Galactus ao estar presente no fim de seu universo e no nascimento do universo seguinte. Ao mostrar sua história para T’Challa, Al Ewing confirma que ele é oriundo da SEXTA iteração do Multiverso Marvel – e, ainda mais, é confirmado que o Iso-8/Neutronium (guardem este nome) é uma fonte energética, que Marvel Azul emprega para energizar o dispositivo que transforma Galactus em um provedor de vida.

Ademais, um deus primevo que aparece na primeira edição é confirmado como proveniente da QUINTA iteração. Mas Al Ewing não para por aqui... Lembram-se do que dissemos sobre a importância da nomeclatutra Iso-8 para o neutronium? Pois bem... Em muitos dos games recentes da Marvel, de Avengers Alliance aos jogos tie-in dos filmes, Iso-8 é uma espécie de cristal a ser coletado pelo cenário, que age como boost energético e power-up. Isto também ocorre no mais recente multiplayer, Contest of Champions – que, por não mera coincidência, possui um gibi que, pensava-se inicialmente, seria um mero prelúdio para os eventos ali mostrados, à maneira da DC em relação a Injustice: Gods among Us. Contudo, este é escrito por ninguém menos que Al Ewing, que começa a plantar algumas sementes interessantes.


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Formado dos fogos do renascimento universal – cristais de pura força criativa. A placenta do Omniverso... Os humanos do seu mundo os nomearam Iso-8.

Nesta HQ, supostamente inócua, há a confirmação de que o neutronium e o Iso-8 são a mesma substância, e que são remanescentes de iterações anteriores do universo, capazes de praticamente qualquer coisa (na edição seguinte, por exemplo, um cristal de Iso-8 é empregado para ressuscitar Stick, o sensei do Demolidor e salvar Radical,dos Novos Guerreiros, da morte nos eventos que deflagraram a Guerra Civil). Esta aparente onipotência do neutronium lembra bastante outra estrutura famosa da Marvel com estas propriedades: o Cubo Cósmico. E é exatamente este gancho que o roteirista Nick Spencer aproveita em sua série do Capitão América.



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Mais estáveis. Mais poderosos. Potenciais matérias-primas para outros itens cósmicos capazes de alterar a realidade que nós conhecemos.
... Isto significa que a SHIELD está reunindo fragmentos de Cubos Cósmicos.

Ou seja, Cubos Cósmicos são subprodutos do neutronium, que a SHIELD está coletando. As potencialidades deste conceito são imensas: ao mesmo tempo que o neutronium permite a unificação de universos anteriores, vistos na Marvel ao longo de sua história, sua consubstanciação com o Iso-8 permite uma verdadeira unificação transmídia do Multiverso Marvel, de maneira nunca antes vista. Agora, após estas exposições iniciais, especula-se que um eventual crossover entre os títulos escritos por Ewing, especialmente Contest of Champions e Ultimates, terminará de fornecer as bases cosmológicas para o Universo Marvel.

Mas a série de novidades que Ultimates traz não se resume a isso... Na terceira edição, Ewing não se limita a elaborar apenas a estrutura do multiverso, e resolve um dos plots recentes mais importantes da editora: o “tempo quebrado”!

O grande roteirista e editor Mark Gruenwald, que trabalhou praticamente durante toda sua vida profissional na Marvel, era virtualmente a encarnação viva da cronologia da editora, com conhecimento que rivalizaria com qualquer handbook. Foi um dos primeiros a estabelecer regras “físicas” claras para o funcionamento de um universo ficcional compartilhado, escrevendo até mesmo um artigo acadêmico sobre o tema. Uma de suas grandes preocupações era acerca das viagens no tempo, o que o levou a estabelecer uma regra que vigorou até 2010: qualquer viajante no tempo da Marvel, ao ir para o passado, jamais viaja em sua própria linha temporal, mas sim para um universo paralelo, de modo a não afetar os eventos transcorridos desde então.

Contudo, em seu primeiro arco no título relançado de Vingadores da Era Heróica, Brian Michael Bendis desenvolve uma guerra futura entre Kang e Ultron. As constantes idas e vindas cronais de Nathaniel Richards para abastecer seus exércitos acabam por ameaçar a estrutura do tempo,


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O tempo é uma coisa. E está quebrado.

A situação se agrava definitivamente em Era de Ultron, desfecho da longa passagem de Bendis pelos títulos Vingadores. Ao retornarem no tempo para impedir Hank Pym de criar Ultron antes que ele criasse o robô que dominaria o mundo, Wolverine e Sue Storm acabam por irrevogavelmente “quebrar o tempo”.


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O tempo quebrou de vez.

Esta situação foi abordada praticamente em todos os títulos principais do relaunch Marvel NOW! (no Brasil, Nova Marvel), trabalhando em algum momento a temática de viagens no tempo, do Quarteto Fantástico/FF de Matt Fraction aos Poderosos Vingadores de Rick Remender e o Indestrutível Hulk de Mark Waid. Foi Bendis, porém, que deu maior destaque a esta crise temporal. Em Guardiões da Galáxia, mostra-se que o Conselho de Impérios Galácticos não está satisfeito com as intervenções excessivas de heróis terráqueos no universo...


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Humanos super-poderosos constantemente empregando suas habilidades para abusar do contínuo espaço-tempo para seus próprios propósitos egoístas... Eles se preocupam com as ramificações?

O exemplo mais bem-acabado da situação vem no título dos Novíssimos X-Men, cuja premissa consiste no retorno do Fera ao início das atividades dos X-Men (em algum ponto em torno da edição oito do título de Stan Lee e Jack Kirby) para trazer os cinco alunos originais de Xavier para o presente e convencer Ciclope que suas ações são equivocadas. Entretanto, no crossover comemorativo Batalha do Átomo, quando o jovem Scott Summers se encontra em perigo mortal, sua versão adulta momentaneamente desaparece.


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O que acabou de acontecer?

Além disso, ao final do evento, as versões adolescentes dos mutantes não conseguiram retornar para casa. Ou seja, além de haver alguma coisa impedindo este retorno, foi provado que os cinco originais não eram provenientes de uma linha cronológica alternativa, mas sim do próprio universo 616. A regra de Gruenwald subitamente deixava de valer.

Não foram dadas maiores explicações até Ultimates #3, quando Al Ewing estabelece que a razão para esta mudança se deu no X-Factor de Peter David! Em um trabalho de reunificação cronológica, o escritor apresenta outros casos que violaram esta situação estabelecida no cânone da editora, passando dos All-New X-Men de Bendis por seu próprio gibi Loki, as viagens de Duas Armas-Kid, Era de Ultron e até mesmo o Quarteto Fantástico de Lee e Kirby:


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Abuso do tempo

A conclusão apresentada pelo Pantera Negra, alter-ego do autor, é que a responsabilidade do fato dos viajantes temporais conseguirem agora atuar em suas próprias linhas temporais, em vez de universos paralelos, reside nas “travas Destino” criadas por Victor von Doom no run de David em X-Factor, que permitem essa infringência.

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Toda culpa jaz em Destino

Portanto, vê-se que em apenas três edições do título, Al Ewing respondeu diversas questões em aberto na editora ao mesmo tempo em que estruturou, com regras claras, as mecânicas de funcionamento do Multiverso, de maneira semelhante, embora em escala menor, ao trabalho feito por Morrison em Multiversity, para a DC, com a atenção aos trabalhos próprios e respeito à cronologia prévia, tão cobrados por parcela significativa dos leitores, própria de Gruenwald. Além disso, ele possivelmente lançou as bases para a integração total entre todas as mídias da Marvel. Vale a pena esperar para ver aonde este roteirista nos levará.

Henrique Bracarense

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