Um Wolverine dividido em Dois Lados*

A famosa San Diego ComicCon tinha terminado e todos, fãs e criadores, retornavam aos seus locais de origem. Chris Claremont e Frank Miller encaravam aquela viagem longa na estrada e, quando o tédio começou a tomar conta, lançaram mão da conversa. Nisso, falaram sobre Wolverine e Claremont abordou uma idéia que tinha sobre uma minissérie do personagem, mas Miller não tinha interesse em desenhar um assassino raivoso e psicótico. Chris não poderia concordar mais, porém, lançou mão de um conceito que tinha, do personagem ser um "samurai defeituoso". Nesse momento, um clássico nascia. E, indo no hype do filme, esse clássico volta para as bancas, em um belo encadernado de capa dura.

É exatamente isso de que se trata essa história, o conflito entre o lado humano e animal em Logan é mostrado constantemente. Isso é, inclusive, mostrado simbolicamente logo no começo, quando o baixinho enfrenta um urso que, enlouquecido, tinha matado várias pessoas. A causa dessa loucura foi uma flecha serrilhada e com veneno. Logan, claro, entregou o caçador às autoridades. Quem seria o verdadeiro animal aqui?

A verdadeira história começa quando Logan recebe de volta todas as cartas enviadas por Mariko Yashida. Nesse momento, o herói embarca ao Japão, onde descobre que sua amada, obrigada por antigos compromissos de seu pai, tinha realizado um casamento por conveniência. Para piorar, o marido de Mariko era um homem cruel, que a espancava.

Logan tenta livrar sua amada, mas essa não aceita, pedindo que ele vá embora. O herói aceita, mas antes de ir é atingido por shurikens envenenadas. Nesse momento, fica diante de Shingen Harada, pai de Mariko e líder do Clã Yashida. Os dois lutam com espadas de madeira, pois Harada não considera Logan digno de espadas verdadeiras.

A derrota que Wolverine sofre é uma das mais humilhantes, digna de um TOP 10. Shingen trapaceia, obrigando Logan a desembainhar suas garras, parecendo aos olhos de todos, principalmente de Mariko, que ele não teve honra em uma luta amigável. Depois da surra e de ser jogado na rua, acaba conhecendo Yukio, uma guerreira selvagem, com quem forma uma parceria/relação amorosa, enfrentando os ninjas do Tentáculo, que pretendiam matá-la.

Segundo a moça, os ninjas serviam a um chefão do crime japonês que pretendia expandir seu controle. Porém, ela não revela que esse chefão é Shingen e que a luta, embora real, era apenas uma armação para Yukio ganhar a confiança de Wolverine. Agora ela usaria o baixinho para assassinar o rival de Harada na liderança do submundo.

No conflito que resultou na morte desse rival, Wolverine mostra todo seu lado animal, tendo Mariko como testemunha. Logan acredita ter perdido definitivamente sua amada, para alegria de Yukio. A guerreira, apaixonada, se recusa a obedecer a ordem de Shingen de matar Logan, causando um ataque do Tentáculo. Ela defende Logan que, dormindo, sussurra o nome de Mariko. Yukio parte e, por acidente, acaba matando Asano, um velho amigo de Wolverine.

Ao encontrar o corpo do amigo, Wolverine reconhece o cheiro da lâmina de Yukio como sendo igual ao das shurikens, percebendo que foi usado o tempo todo. Caçando Yukio, acaba sendo emboscado pelo Tentáculo e, ao vencê-los, percebe que a saída não é vencer ou perder, mas tentar sempre.

Destrói as operações de Harada, invadindo a mansão em seguida. Yukio tenta matar o vilão, mas é derrotada e só não é morta pela intervenção de Mariko e da própria chegada do herói mutante. Yukio mata o marido de Mariko e, por isso, Wolverine a deixa ir.

Chega o conflito final. Garras vs. Espada. Shingen cai morto e Logan acredita ter perdido Mariko para sempre, mas a moça entrega para ele a espada de honra do Clã Yashida, já que ele se mostrou um guerreiro com muito mais honra, pois lutou pelo que é certo, mesmo acreditando que poderia perder tudo.

A história termina com os X-Men recebendo o divertido convite de casamento de Logan e Mariko.

O encadernado ainda possui, como complemento, a história da equipe mutante envolvendo o casamento do baixinho, que originalmente saiu em Uncanny X-Men 172 e 173, nos EUA, e em formato de minissérie aqui no Brasil. Também com Claremont nos roteiros, mas com Paul Smith nos desenhos.

Uma equipe de X-Men bem diferente da que temos hoje chega ao Japão, para celebrar o casamento do amigo. Porém, uma investida do Samurai de Prata e Víbora acaba atrapalhando as bodas, já que o objetivo do vilão, meio-irmão de Mariko, era assumir o controle do Clã no lugar de seu pai.

Com os X-Men sendo envenenados, Wolverine, a contragosto, faz parceria com Vampira, enquanto Tempestade se alia a Yukio. Aqui Ororo seria dominada pelo seu lado negro, algo bem comum na personagem, assumindo seu conhecido visual moicano. O jeito selvagem da japonesa influenciou bastante a já abalada mutante.

Para ajudar a contextualizar os leitores mais novos, a Vampira, bem diferente da atual, tinha acabado de sair da Irmandade de Mutantes, explicando a rejeição inicial de Logan. A equipe tinha enfrentado a Ninhada há pouco tempo, explicando a presença de Lockheed e de Lilandra na história. O pequeno dragão conheceu Kitty Pryde no mundo da Ninhada, aparecendo na Mansão Xavier depois e tornando-se sua mascote. Já Lilandra tinha perdido seu trono para sua irmã Rapina, ficando na Terra para ajudar Charles Xavier a se recuperar, pois o corpo do professor tinha sido clonado recentemente, visando livrá-lo do controle da Ninhada.

Além disso, a equipe tinha enfrentado os Morlocks, onde Ororo combateu Callisto com selvageria, ganhando a liderança do grupo renegado. Esse foi o começo de sua mudança, que atingiu o ápice ao lado de Yukio. Por fim, Scott não era membro da equipe e estava namorando Madelyne Pryor, clone de Jean Grey, que se tornaria sua esposa, mãe de Cable e a Rainha dos Duendes.

Samurai de Prata é derrotado e a vida de Mariko é salva graças a Vampira, que conquista a admiração de Logan. O mutante toca na jovem para salvá-la.

Infelizmente, quando o casamento está para acontecer, o Mestre Mental ataca Mariko, fazendo-a rejeitar seu amado diante de todos. Foi a primeira vez que vi Wolverine chorar.

Um encadernado que vale muito a pena. Aqui vemos um Wolverine bem mais vulnerável do que hoje em dia, demorando até para se recuperar em alguns casos. Fora vários elementos e personagens que tornaram-se presença constante para o herói, como o Japão (Wolverine & Kitty Pryde viria depois disso), Tentáculo e Yukio, ainda tem um que acho muito engraçado. Sempre aparece um velho amigo de Logan que nunca apareceu antes, mas o baixinho fala que é uma grande amizade, aí o sujeito morre na própria edição onde aparece. Asano é um pioneiro disso.

Mas o principal elemento é a parceria entre Claremont e Miller, que rendeu uma ótima arte e um roteiro impecável. A idéia de mostrar o personagem como um "samurai defeituoso" não poderia ser melhor explanada. O conflito do lado humano e animal do personagem é retratado de maneira perfeita, sendo repetida várias vezes, bem ou mal, por diversos autores. Fora os sentidos aguçados de Wolverine que também foram abordados de maneira perfeita.

Além de todos esses méritos, a minissérie fez tanto sucesso que deu origem ao título solo do personagem. Quem procura uma ótima história que não ficou datada, esse encadernado é a pedida, porém, não espere grandes extras, pois a edição só possui prefácio de Chris Claremont. O ponto negativo não vai para a Panini Comics, mas para a editora Abril Jovem, pois percebi várias páginas que foram cortadas nas edições anteriores que li.

Eddie

* Título do artigo tirado de dois episódios da reta final da 5ª temporada de House. Desculpem, mas ainda estou empolgado com o final da série.