quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Resenha 616 - Thor: Ragnarok



Em 2014, a Marvel debutou o lado cósmico do seu universo cinematográfico e optou por seguir uma linha muito mais escrachada e de narrativa solta. O sucesso foi imediato, catapultando do anonimato para o reconhecimento popular os Guardiões da Galáxia. Passados praticamente três anos, e logo na esteira do volume 2 dos Guardiões, a terceiro filme do Thor chega aos cinemas. E para tentar salvar uma franquia considerada bem morna, eis que a Marvel Studios resolveu dar a Thor: Ragnarok uma fórmula similar ao tom cósmico ditado pelo diretor dos Guardiões. Será que deu certo?

Colocando em perspectiva os 18 filmes lançados até agora pela Marvel Studios, os dois filmes anteriores de Thor sempre foram o elo mais fraco do UCM. Eles no mínimo se passavam como uma boa distração, quando não serviam apenas como escada para plots criado pros filmes dos Vingadores. Ciente disto, provavelmente a Marvel sabia que assumir um risco maior com esse terceiro filme seria a chance não só de torná-lo o maior filme do Deus do Trovão como também renovar a franquia de tal maneira que poderia até mesmo abrir portas para uma possível extensão. A ideia de aproveitar o título do filme que remete ao apocalipse viking foi perfeita. Na mitologia nórdica, o fim leva a um novo começo e com isso muita coisa dos velhos filmes precisava encontrar seu desfecho ali. É, antes de mais nada, a despedida de alguns personagens do núcleo do Thor, alguns deixando o filme de um jeito até súbito e que nos deixa desnorteado.


A renovação acontece também com o tom que o filme segue durante suas mais de duas horas de extensão. Entra aí o talento do diretor neozelandês Taika Waititi que mescla o tom nada sério que já foi estabelecido com James Gunn nos seus Guardiões com umas piadas de situação bem ao estilo britânico. Provavelmente por influência de seu tempo na Terra, Thor perdeu aqueles tons shakeaspereanos dos primeiros filmes e toma um ar mais maroto, com leve humor ácido, ao lidar contra as grandes ameaças que estranham o novo estilo do filho de Odin com esses seus costumes midgardianos. Ele agora não é mais o peixe fora d'água, mas as piadas do tipo não foram deixadas de lado, principalmente quando recaem tão bem a um outro personagem hipercarismático do filme, o kroniano Korg.

O ar de mudança com Thor: Ragnarok não só se restringe ao Deus do Trovão, obviamente. Outro personagem que sempre o acompanhou em seus filmes e que muitos consideram tão importante quanto ele, o seu irmão Loki, tem uma pequena jornada de transformação. Apesar de constantemente insistir nos seus joguetes e trapaças quando pode, ele aprende com seu irmão que há oportunidade de ser muito mais e não apenas se prenderem a seus títulos divinos da mitologia. E assim, mais do que em qualquer outro filme, os dois filhos herdeiros de Asgard se tornam parceiros e tem que lidar com uma ameaça que compromete até mesmo a existência deles.


Inadvertidamente, acabou saindo cedo demais o spoiler da verdadeira natureza de Hela e como ela é ligada a Asgard. Isso é algo que deixa os dois irmãos sem chão, pegos de surpresa pelos segredos de família e sem saber lidar com uma mulher que parecia fazer frente ao próprio Odin. Cate Blanchett dá um show de interpretação, realmente fazendo jus a toda aquela vibração que tinha por viver a primeira grande vilã da Marvel Studios. Ela dá realmente vida a uma ameaça épica, que em nenhum momento os heróis ali presentes - e olha que estamos falando dos mais poderosos dos Vingadores - tem realmente chance de sobrepujá-la. E aí que entra o jeito criativo de Taika Waititi em buscar soluções diferentes mas não menos vibrantes de resolver o confronto final.



E já que abrimos a deixa pra falar dos Mais Fortes dos Vingadores, eis que temos a participação do Hulk. O personagem mais uma vez repete de forma brilhante seu papel de coadjuvante de luxo, com uma leve evolução em seu vocabulário e criando um timing muito divertido com Thor. De fato, lembra muito o que foi feito no recente desenho dos Vingadores (um dos acertos da animação, por sinal) e deixa o Hulk no ponto pra mais dele que certamente veremos em Vingadores: Guerra Infinita. Já quando o lado Banner aparece, em um parte menor do filme, novas deixas para mais piadas surgem com um Bruce totalmente confuso ao se descobrir em um planeta alienígena depois de dois anos após deixar a Terra. Ele não é o único herói Marvel a fazer uma ponta, por sinal. Há o Doutor Estranho e mais uma participação surpresa que vamos deixar pra você descobrir quando assistir.



As ligações com as outras partes do Universo Cinematográfico da Marvel são bem consistentes e mostram que mais do que qualquer outro, o diretor neozelandês se importa bastante com uma cronologia consistente entre os filmes. Ele resolveu de forma rápida e sagaz muitas pontas soltas abertas em outros filmes - Loki tomando o lugar de Odin no trono de Asgard, a busca infrutífera de Thor pelas Jóias do Infinito e tentando impedir sua visão d'A Era de Ultron, o sumiço do Hulk no quinjet dos Vingadores e até mesmo a questão de já termos visto uma manopla do infinito no cofre do palácio de Odin. Há uma piada insanamente hilária do Thor tentando pescar dicas antigas de como acalmar o Hulk que já vale todo o seu ingresso do filme.

E quem buscava um pouco de coerência com o que se conhecia do arco original do Ragnarok dos quadrinhos vai até ficar bem satisfeito. Até o fim do filme, o uso do subtítulo apocalíptico fará bastante sentido e todo e qualquer menor personagem pescado das HQs ou literatura terá sua função no filme. Vale obviamente uma nota aqui sobre a Valquíria, que entendemos definitivamente aqui que é um título apenas, e até mesmo há um instante em dada cena em que remetem a personagem original dos quadrinhos. Tessa Thompson é bem carismática, consegue definir bem rápido a personalidade da sua Valquíria e não faz feio tanto nas cenas de humor como de ação.


Ainda dentro das inspirações dos quadrinhos, temos então Saakar, o planeta que é o esgoto do universo como muitos definem, mas que ao mesmo tempo tem um glamour único que o diretor dá ao lugar graças a figura do Grão-Mestre. Jeff Goldblum nitidamente se divertiu muito fazendo isso. É ali que ocorre a parte mais vibrante e rica do filme, onde em cada cena um piscar de olhos pode acabar fazendo a gente perder uma referência. Tem um visual pra lá de quadrinhesco, sendo um deleite para os fãs clássicos que gostam dos seus gibis com todas aquelas cores marcantes e traços únicos. Já o tom da ambientação é certamente influenciada pelo que James Gunn já fez, deixando o espaço da Marvel com sua peculiar esquisitice para o público, mas tratado como algo natural pelos personagens, como qualquer nativo de uma cidade cosmopolita deve achar. Stan Lee está por lá e aprontando com uma hilária e importante participação especial (Outra ponta  é com Matt Dammon). E quando você conhecer o Korg e Miek, vai querer vê-los de volta em ação mais uma vez.


De uma forma geral, o filme é um grande acerto ao não ter medo de errar e não deixar se intimidar por qualquer abuso da fórmula de pura diversão da Marvel. Na verdade, Taika Waititi vai até mais longe. Esse certamente é o filme da Marvel mais fora da caixinha, do tipo que te deixa até meio desnorteado com algumas cenas pra lá de absurdas. Certamente, isso vai incomodar aquele montante de sempre, mas ainda é um filme que a grande maioria vai repertir a dose e assim digerir melhor tudo o que o tem a oferecer. A sequência de acontecimentos é intensa, o que deixa a trama como um todo até um tanto convoluta. Mas mesmo assim não me pareceu ter furos de roteiro, muito pelo contrário, deixou tudo bem redondo pro futuro. E isso já se vê pelas cenas pós-créditos.

E o melhor de tudo, é o primeiro filme em que você sente Thor sendo o Deus do Trovão que deveria sempre ter sido. E ao final dele, vai se encher de expectativas para saber o que o futuro reserva pra ele daqui pra frente.

Coveiro

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