domingo, 10 de dezembro de 2023

Grandes HIstórias da Marvel no Brasil: Fase Atlas

A Marvel Comics é dividida em três períodos: a inicial com a fase Timely (1939-1951), a fase Atlas (1951-1957 - porém, podemos considerar até 1961) e a Marvel como conhecemos (1961 até o presente). Todas essas fases foram publicadas no Brasil. Se por um lado, sabemos quando a fase Atlas começou nos Estados Unidos, por aqui, as primeiras histórias dessa fase são inconclusivas. Como as histórias chegavam em lotes e eram distribuídas por muitas editoras e também com o pequeno delay entre os Estados Unidos e o Brasil, não podemos precisar qual foi a primeira dessa fase publicada por aqui como Atlas. O que podemos cravar são as editoras que trouxeram as primeiras dessa leva.

Após o término da 2° Guerra Mundial, os supers da Timely entraram em declínio. Mesmo com o alívio mundial do fim da guerra, os supers da Timely, já não tinham mais a quem enfrentar. E de todos os personagens, o Capitão América foi o que mais ficou deslocado. Captain America Comics, 75 de fevereiro de 1950, foi a última edição do personagem como Timely. Outra revista de sucesso que acabou sendo cancelada foi Marvel Mystery Comics. A edição 92 de junho de 1949, acabou sendo a última revista impressa. Namor com sua revista Sub-Mariner Comics, foi encerrada na edição 32 (a revista voltaria brevemente, anos depois na fase Atlas) e por fim, The Human Torch, com a edição 35, acabou decretando o fim da fase Timely. Assim como Namor, a revista do Tocha Humana, teria mais algumas edições nessa fase, até ser cancelada em definitivo. 

Na ausência dos super-heróis, a linha de quadrinhos da editora acabou se expandindo para uma ampla variedade de gêneros distintos. Entre eles: terror (muito em cima do que a EC Comics vinha fazendo), faroeste, guerra, romance, crimes e por aí vai. Tinha de tudo, menos os super-heróis. Em 1953, a editora tentou mais uma vez: Capitão América, Tocha Humana e Namor retornaram, mas desapareceram logo em seguida, o apelo já não existia mais. Para não perder espaço com suas revistas, Martin Goodman, dono da editora começou a usar o logotipo da Atlas News Company, a empresa de distribuição de bancas de jornal de sua propriedade, e assim, acabou adotando esse nome, substituindo a Timely Comics. Até 1957, os quadrinhos publicados pela editora vinham com o símbolo da Atlas. Essa diferença entre 1957 a 1961, com o surgimento do Quarteto Fantástico, mesmo com a ausência do símbolo nas capas das publicações, pode ser considerada como Atlas Comics.

No Brasil, os quadrinhos Atlas foram distribuídos por algumas editoras recém criadas, na década de 1950. Uma das primeiras foi no suplemento “Última Hora”, administrado pelo jornalista Samuel Wainer, que trouxe algumas histórias de “Kid Colt” e “Meco-Meco,” o Pato. Kid Colt, o pistoleiro dessa fase, foi publicado por diversas editoras no Brasil, além da Última Hora, Kid Colt saiu pelas editoras: La Selva, Gráfica Novo Mundo e RGE. Já Meco-Meco, era uma derivação do Pato de Walt Disney, criado por Ed Winiarski. Depois do Suplemento, Meco-Meco seria publicado também pela La Selva. Depois disso, desapareceria para todo o sempre. 

 


Meco-Meco, o Pato


Adolfo Aizen, antes de fundar a Ebal, trabalhava no “Grande Consórcio Suplementos Nacional”. E pela revista “O Lobinho” foram publicadas algumas histórias de “Apache Kid”. Criado por John Buscema, o personagem era um branco que se disfarçava de índio. O personagem é mais um na linha Western do período. Apache Kid, além de O Lobinho, foi publicado pela Ebal, RGE e pela La Selva. 


Apache Kid de John Buscema.


Nos começo dos anos 1950, o Capitão América estava nas últimas. Depois que a segunda guerra mundial terminou, o personagem estava mais perdido que bala em boca de banguela e com a criação do Universo Marvel nos anos 1960, Stan Lee e Jack Kirby trouxeram o personagem de volta. A desculpa criada foi que o Capitão América estava desaparecido desde o final da guerra e duas décadas depois, seria encontrado congelado pelos Vingadores. Mas como isso era possível, já que o personagem atuava nos anos 1950? Aí que entra a ideia, esse Capitão dos anos 1950 não era Steve Rogers, o verdadeiro Capitão e sim uma outra pessoa que assumiu o manto do verdadeiro, mas isso só seria revelado no Universo Marvel tradicional para explicar o retorno do primeiro Capitão. Essa edição é uma das últimas histórias desse falso Capitão publicado no Brasil. Essa edição foi extraída de Young Man 27 e publicada pela RGE em O Globo Juvenil Mensal 165 em 1954.


O Capitão América na fase pós-guerra

Se levarmos em conta, qual foi a principal editora no Brasil com a Atlas, esse título fica com a editora La Selva. Vito La Selva foi um dos milhares de imigrantes italianos que chegaram ao Brasil no início do século 20. Vito, teve como ofício a venda de jornais pelas ruas de São Paulo. Depois de algum tempo, por causa do serviço militar, retornou para a Itália – anos depois, estaria de volta ao Brasil. E à sua volta, Vito adquiriu uma pequena banca de jornal no centro da cidade. Em seguida, montaria uma distribuidora de revistas, junto com outros imigrantes italianos, iniciando o processo de distribuição de diversas revistas. Com os negócios prosperando, Vito decide publicar revistas em quadrinhos. Algum tempo depois, criaria a “Editora La Selva”. Além da La Selva, outro imigrante italiano chamado Victor Chiodi, também publicaria muitas histórias da fase Atlas. Victor fundou primeiro a “Chiodi, Oliveira e Cia Ltda” que pode ser considerada o início da Gráfica Novo Mundo. Pela Chiodi, foi publicada uma revista em 1956, chamada “Corações”. Com seis edições lançadas, Corações trouxe histórias extraídas de Loves Romances, My Own Romance e Secret Story Romances. Todos da fase Atlas. Após a Chiodi, Oliveira e Cia Ltda, nasceu a “Gráfica Novo Mundo”. Que ao lado da La Selva, foram as duas mais representativas dessa fase por aqui.


A Gráfica Novo Mundo com suas revistas ”Seleções em Quadrinhos”; “Mundo de Sombras” e “Gato Preto” ( com muitas histórias de  “Adventures Into Weird Worlds”, “Journey Into Mystery” e “Tales To Astonish”), apresentou ao leitores muitas publicações dos mais variados gêneros: romance, terror, aventura, tudo sem uma ordem específica e publicadas juntamente com outros licenciadores e com histórias nacionais. Pela Novo Mundo, podemos destacar a personagem “Lili, a Garota Atômica" (Millie the Model, no original). Lili, a Garôta Atômica foi uma das poucas personagens que foram criadas no período Timely e que manteve as suas publicações durante a fase Atlas, até chegar à Marvel. Direcionada mais para o público feminino, Lili é uma modelo que vive várias histórias na agência em que trabalha. Suas histórias com muito humor e romance fizeram muito sucesso no Brasil. A repercussão foi tanta que algumas dessas histórias foram produzidas exclusivamente no Brasil pela Novo Mundo e pela La Selva, assinadas pelos artistas Nico Rosso e Gedeone Malagola. A personagem foi publicada em algumas das edições de Seleções em Quadrinhos.

 


Lili, A Garota Atômica. Um dos sucessos dessa fase no Brasil.


A La Selva trouxe muitos quadrinhos da Atlas. Principalmente com os mais obscuros. Desses, podemos destacar “Rocky Steele”, um daqueles personagens de tiro curto, que apareceu e sumiu no mesmo momento. Rocky Steele, o Ídolo do Ringue, foi publicado na revista Seleções Juvenis em 1954. Outro com ligeiro sucesso foi com “Capitão Radar”. Com capa de Jayme Cortez, Speed Carter Spaceman, criado por Hank Chapman e Joe Maneely, foi publicado no Brasil como Capitão Radar. Com histórias de ficção científica da Atlas, Capitão Radar foi editado em alguns números de Cômico Colegial e Seleções Juvenis. O personagem era um viajante do espaço futurista e capitão da força Sentinelas Espaciais, um grupo dedicado à paz intergaláctica.



O primeiro Hulk. 


Em Noites de Terror, 3º série 31 de 1960, a Gráfica Novo Mundo, foi publicada uma história extraída do original “Strange Tales 75”. O nome Hulk surgiu bem antes do Incrível Hulk, personagem conhecido por todos nós. Essa primeira versão foi um robô criado por um cientista em uma história curta. Posteriormente a história foi republicada na Era Marvel e o Robô passou a se chamar Grutan. Essa história foi escrita por Stan Lee com Larry Lieber e desenhada por Don Heck. Logo depois, a Novo Mundo publicou um outro personagem como Hulk. Antes do surgimento dos super-heróis, Stan Lee e Jack Kirby haviam criado o primeiro Hulk. Publicado em 1960 esse Hulk é um ser alienígena peludo que possui poderes telepáticos através da hipnose. Na era Marvel, esse Hulk passaria a ser chamado de Xemnu, O Titã. Essa história foi publicada em Noites de Terror 3º série 44 em 1962




Antes do Incrível Hulk, a editora já havia usado o nome em outros personagens. 


Além da La Selva e a Novo Mundo, algumas outras editoras tiraram uma lasquinha. Editoras menores como: Edições Júpiter, Vida Doméstica, Estúdio Gráfico Garimar SA e a Regiart, publicaram algumas edições desse período pré-Marvel. A Júpiter era uma pequena editora que publicava material nacional, administrada por Auro Teixeira com Gedeone Malagola como editor. A editora, devido a diversos problemas, durou apenas alguns anos. A única revista da Júpiter com material da Atlas foi a Sepulcro, em apenas uma edição com histórias de Stan Lee, Joe Maneely e Dick Ayers

A editora “Vida Doméstica”, foi criada em 1920,como Sociedade Gráfica Vida Doméstica, onde passou a publicar quadrinhos somente em 1947. Sua principal publicação era com a revista de variedades Vida Doméstica, direcionada para donas de casa. A editora publicava uma revista chamada “Vida Infantil”, com personagens direcionados às crianças. Dos mais famosos publicados, podemos destacar o Super-Coelho (chamado também de Coelho Valente) e o fantasminha “Homer”, com roteiros de Stan Lee e arte de Dan Decarlo, chamado erroneamente no Brasil de Gasparzinho. O personagem foi uma das tentativas da Atlas de conquistar o público do verdadeiro Gasparzinho (Casper no original).


O fantasminha “Homer”, direcionado para as crianças.

A Garimar S/A, localizada no Rio de Janeiro, publicou quadrinhos entre 1957 a 1968. Na revista “Valor”, foram publicadas algumas histórias de “Jane das Selvas”. Personagens na linha garotas das florestas, criada por Don Rico e Jay Scott Pike. Já a Regiart, tinha o editor José Sidekerskis como o responsável pela editora. Uma das suas publicações com a Atlas na Regiart, foi com a revista “Fantásticas Aventuras”, de 1965.

Nos anos 1960, revistas com Sobrenatural, Terror Negro e Histórias de Terro, ambas da La Selva, trouxeram histórias que antecedem o Universo Marvel, com aquelas histórias de ficção com monstros aterrorizantes com desenhos de Jack Kirby e Steve Ditko. Uma delas com a aparição somente na capa de Groot, personagem que se tornou popular com os filmes dos Guardiões da Galáxia. 


Fin Fang Foom, na capa da revista "Maldição"


Por fim, uma das últimas editoras foi a Dado e a Signo.Waldomiro Barbosa da Silva foi um jornaleiro do Rio de Janeiro que comandava uma rede de publicações no Largo da Lapa. Waldomiro comprou alguns títulos de encalhes da APLA, como: As Grande Batalhas e Batalhas Sangrentas, com histórias de guerra da Atlas entre outros títulos. Pela editora Dado, publicou uma revista chamada Maldição. A publicação apresentava histórias de Journey, Into Mystery, Tales To Astonish e Amazing Adventures. Waldomiro ainda lançaria outra revista chamada Maldição, desta vez pela Editora Signo.

 


Primeira aparição de Groot no Brasil

Algumas últimas histórias saíram pela La Selva, no final dessa década, E com a chegada da era Marvel em 1967 pela Ebal, acabou sendo decretado o período Atlas no Brasil.


Alexandre Morgado

Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro Marvel Comics - A Trajetória da Casa das Ideias do Brasil, livro que narra a história da Marvel em nosso país, relançado em 2021. Em 2023, participou do livro “Olhares Sobre os X-Men”, ao lado de outros autores, sobre a mitologia dos mutantes. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics

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