domingo, 30 de agosto de 2020

Tributo para um Rei: ABC lança hoje especial sobre Chadwick Boseman


Este é um final de semana de luto para os fãs da Marvel. Na última sexta-feira, fomos informados de que Chadwick Boseman, o ator que deu vida ao Pantera Negra nos cinemas desde 2016, faleceu aos 43 anos vítima de cancer de cólon. Na nota divulgado pela família na conta oficial do ator, foi dito que ele lutou por quatro anos, submetendo-se a quimioterapia e cirurgias, mas trabalhando incansavelmente durante todo esse tempo. Neste Domingo, a rede de televisão da ABC, subdisiária a Disney, fará um programa especial em "Chadwick Boseman: Tributo para um Rei". 





O programa passará hoje a noite após uma exibição especial do filme do Pantera Negra por volta das 7 horas da noite. É certo que durante a madrugada devemos ver trechos desse especial, certamente com muitos detalhes dos bastidores das filmagens do blockbuster de 2018. Por sinal, Ryan Coogler, diretor de Pantera Negra, deixou mais cedo neste domingo uma carta aberta lamentando a perda do amigo, a quem ele chama seu ancestral agora. Leia o texto traduzido na integra:


Antes de compartilhar meus pensamentos sobre o falecimento do grande Chadwick Boseman, primeiro apresento minhas condolências à sua família, que significou muito para ele. Para sua esposa, Simone, especialmente.

 "Eu herdei a escolha de elenco da Marvel e dos Irmãos Russo para T’Challa. É algo pelo qual serei eternamente grato. A primeira vez que vi a performance de Chad como T’Challa, foi em uma edição inacabada de Capitão America: Guerra Civil. Eu estava decidindo se dirigir o Pantera Negra era ou não a escolha certa para mim. Nunca esquecerei, sentado em uma suíte editorial no Disney Lot e assistindo suas cenas. Seu primeiro momento com Scarlett Johansson como Viúva Negra, depois, com o titã do cinema sul-africano, John Kani, como o pai de T’Challa, o Rei T’Chaka. Foi nesse momento que soube que queria fazer este filme. Depois que o personagem de Scarlett os deixou, Chad e John começaram a conversar em um idioma que eu nunca tinha ouvido antes. Parecia familiar, cheio dos mesmos cliques e estalos que crianças negras fazem nos Estados Unidos. Os mesmos cliques que frequentemente seríamos repreendidos por serem desrespeitosos ou impróprios. Mas tinha uma musicalidade que parecia antiga, poderosa e africana.

 No meu encontro após assistir ao filme, perguntei a Nate Moore, um dos produtores do filme, sobre a linguagem. "Vocês inventaram?" Nate respondeu: "Essa é xhosa, a língua nativa de John Kani. Ele e Chad decidiram fazer a cena assim no set, e nós rodamos com ela”. Eu refleti comigo mesmo. “Ele acabou de aprender falas em outro idioma naquele dia?” Eu não conseguia conceber o quão difícil deve ter sido, e embora eu não tivesse conhecido Chad, eu já estava pasmo com sua capacidade como ator.

 Eu soube depois que houve muita conversa sobre como T’Challa soaria no filme. A decisão de ter o xhosa como língua oficial de Wakanda foi solidificada por Chad, natural da Carolina do Sul, que pôde aprender suas falas em xhosa, ali mesmo. Ele também defendeu que seu personagem falasse com sotaque africano, para que pudesse apresentar T’Challa ao público como um rei africano, cujo dialeto não havia sido conquistado pelo Ocidente.

Eu finalmente conheci Chad pessoalmente no início de 2016, assim que assinei pro filme. Ele escapou de jornalistas que estavam reunidos para uma entrevista coletiva que eu estava fazendo para o CREED e se encontrou comigo numa sala verde. Conversamos sobre nossas vidas, meu tempo jogando futebol na faculdade, e seu tempo em Howard estudando para ser um diretor, sobre nossa visão coletiva para T’Challa e Wakanda. Falamos sobre a ironia de como seu ex-colega de classe de Howard, Ta-Nehisi Coates, estava escrevendo o arco atual de T’Challa com a Marvel Comics. E como Chad conheceu o estudante de Howard, Prince Jones, que foi assassinado por um policial e que inspirou as memórias de Coates em "Between The World and Me".

 Percebi então que Chad era uma anomalia. Ele estava calmo. Seguro. Estudando constantemente. Mas também gentil, reconfortante, tinha a risada mais calorosa do mundo e olhos que enxergavam muito além de sua idade, mas ainda podiam brilhar como uma criança vendo algo pela primeira vez.

 Essa foi a primeira de muitas conversas. Ele era uma pessoa especial. Costumamos falar sobre herança e o que significa ser africano. Ao se preparar para o filme, ele refletia sobre cada decisão, cada escolha, não apenas em como isso se refletiria em si mesmo, mas como essas escolhas poderiam repercutir. “Eles não estão prontos para isso, o que estamos fazendo ...” “Isso é Star Wars, é o Senhor dos Anéis, mas para nós ... e maior!” Ele disse isso para mim enquanto estávamos lutando para terminar uma cena dramática, aquecendo  para uma cena de ação. Ou enquanto ele estava coberto de pintura corporal, fazendo suas próprias acrobacias. Ou colidindo com água gelada e plataformas de pouso de espuma. Eu acenava com a cabeça e sorria, mas não acreditei nele. Eu não tinha ideia se o filme iria funcionar. Eu não tinha certeza se sabia o que estava fazendo. Mas eu olho para trás e percebo que Chad sabia algo que todos nós não sabíamos. Ele estava jogando um longo jogo. Tudo isso enquanto trabalhava. E ele fez seu trabalho.

 Ele fazia testes para papéis coadjuvantes, o que não é comum para atores principais em filmes de grande orçamento. Ele estava lá para várias audições do M'Baku. Com Winston Duke, ele transformou uma leitura para testar a química em uma luta livre. Winston quebrou sua pulseira. Na audição de Letitia Wright para Shuri, ela perfurou sua pose real com seu humor característico e trouxe um sorriso no rosto de T’Challa que era 100% Chad.

Durante as filmagens, nos encontrávamos no escritório ou em minha casa alugada em Atlanta, para discutir falas e diferentes maneiras de adicionar profundidade a cada cena. Conversamos sobre fantasias, práticas militares. Ele me disse “Wakandanos tem que dançar durante as coroações. Se eles apenas ficarem lá com lanças, o que os separa dos romanos?”. Isso logo nos primeiros rascunhos do roteiro. O personagem de Eric Killmonger pediria a T’Challa para ser enterrado em Wakanda. Chad criticou isso e perguntou, "e se Killmonger pedisse para ser enterrado em outro lugar"?

Chad valorizava profundamente sua privacidade e eu não sabia dos detalhes de sua doença. Depois que sua família divulgou seu depoimento, percebi que ele estava convivendo com a doença durante todo o tempo que o conheci. Por ser um zelador, um líder e um homem de fé, dignidade e orgulho, ele protegeu seus colaboradores do sofrimento. Ele viveu uma vida linda. E ele fez uma grande arte. Dia após dia, ano após ano. Ele era assim. Ele era um espetáculo de fogos de artifício épico. Contarei histórias sobre estar em sua presença com algumas  faíscas brilhantes até o fim dos meus dias. Que marco incrível ele deixou para nós.

 Eu nunca sofri uma perda tão aguda antes. Passei o ano passado me preparando, imaginando e escrevendo palavras para ele dizer que não estávamos destinados a ver. Isso me deixa quebrado sabendo que não poderei assistir a outro close-up dele no monitor de novo ou caminhar até ele e pedir outra tomada da cena.

 Dói mais saber que não podemos ter outra conversa, ou um facetime, ou troca de mensagem de texto. Ele enviaria receitas vegetarianas e regimes alimentares para minha família e eu fazermos durante a pandemia. Ele iria verificava como eu e meus entes queridos estávamos, mesmo enquanto lidava com o flagelo do câncer.

 Nas culturas africanas, muitas vezes nos referimos a entes queridos que já passaram como ancestrais. Às vezes você é geneticamente relacionado. Às vezes você não é. Tive o privilégio de dirigir cenas do personagem de Chad, T’Challa, comunicando-se com os ancestrais de Wakanda. Estávamos em Atlanta, em um armazém abandonado, com telas azuis e enormes luzes de cinema, mas o desempenho de Chad fez tudo parecer real. Acho que foi porque, desde o momento em que o conheci, os ancestrais falavam ali por meio dele. Não é segredo para mim agora como ele foi capaz de retratar habilmente alguns dos nossos personagens mais notáveis. Eu não tinha dúvidas de que ele viveria e continuaria a nos abençoar com mais. Mas é com o coração pesado e um sentimento de profunda gratidão por ter estado em sua presença, que tenho que reconhecer o fato de que Chad é um ancestral agora. E eu sei que ele vai cuidar de nós, até que nos encontremos novamente.


Ryan Coogler


Você também pode conferir o texto original do diretor clicando aqui. Kevin Feige e a Marvel também lançaram uma nota de pesar dias atrás. Pelo Instagram, Twitter e Facebook, vários colegas do ator que dividiram com ele esse tempo no UCM postaram mensagens e dividiram fotos de bons momentos com ele nos bastidores.


Coveiro

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