sábado, 10 de dezembro de 2016

Em foco: A substituição de personagens como forma de revitalizar franquias


Os principais heróis da Casa das Ideias estão passando ou dividindo seu manto com outras pessoas. Thor, Homem-Aranha, Wolverine, Capitão América, Ciclope... a lista cresce a cada dia que passa e as reclamações também. Continuando a discussão do que vale mais: o manto ou a identidade secreta, hoje iremos analisar o que o público e a editora ganham revigorando os alteregos e revitalizando marcas.

Há alguns anos atrás, na chamada Era Heroica, o Capitão América dividiu o manto com seu parceiro James "Bucky" Barnes por algum tempo. A aclamada e já citada fase de Ed Brubaker foi um sucesso e os leitores receberam Bucky de braços abertos visto que Rogers estava morto e o processo de sucessão foi natural. O mesmo aconteceu com o menino Miles Morales no universo Ultimate, com Flash Thompson assumindo o simbionte Venom, Daken se tornando uma versão sombria de seu pai por alguns meses, Clint Barton virando o novo Ronin, o Irmão Vodu se tornando o Mago Supremo e até com o Justiceiro sendo uma espécie de monstro de Frankenstein. A narrativa das histórias em quadrinhos mainstream tende a ser cíclica, respeitando a jornada do herói enquanto faz grandes mudanças para retornar, enfim, ao status quo padrão no final. Mas por quanto tempo os personagens podem percorrer esse ciclo sem desgastá-lo?


Por mais que o público reclame das mudanças de alter-ego (sempre ressaltando que as pessoas que mais costumam fazer barulho são as que menos leem), novos heróis costumam penar para cair nas graças do público, em parte por serem "cópias" de outros pré-existentes, mesmo que, no fundo, todos sejam inspirados por arquétipos anteriores até mesmo ao início das HQs. Apoiar novos personagens no manto de um já consagrado, garante uma importância mais rápida, mesmo que pouco duradoura.

Assim, novos alteregos significam novos núcleos a serem explorados, novos antagonistas a serem criados, novo elenco de apoio, novos poderes e novas possibilidades narrativas sem cair em repetições. É só analisarmos a vida de Matt Murdock que, nos últimos anos, já esteve depressivo e no fundo do poço na fase Bendis, feliz na fase Waid e recentemente voltou a uma abordagem sombria na fase Soule. Não seria mais honesto fazer com que o herói passasse o bastão para outra pessoa afim de deixar que uma nova personalidade enfrentasse novas dificuldades e desafios sob o legado do protetor da Cozinha do Inferno? Não necessariamente um novo Demolidor, mas um herói derivado, tal qual o Agente Americano e o Nômade se tornaram para o Capitão América. A tão criticada atitude de morte e ressurreição constantes em um curto período de tempo são um claro resultado dessa estagnação narrativa.

O manto é apenas um símbolo do heroísmo intrínseco a cada personagem

A indústria criativa enfrenta uma grande pressão e resistência na introdução de novos heróis ou franquias. O público, em especial os leitores de histórias em quadrinhos, tendem a querer ler sempre a mesma história por décadas, presos em loops como robôs que se recusam a se atualizar ou a se libertar. Para você, os X-Men que valem podem ser os da formação de Giant-Size X-Men #1, talvez para o coleguinha seja a fase australiana ou a das equipes Azul e Dourada. A memória afetiva e a idade com a qual você teve contato com aquela franquia fazem com que todas as versões de time ou de herói sejam "a que valem" para o leitor A ou B. Tem que se entender que colocar Sam Wilson como o novo Capitão América, não invalida toda a vida de Steve Rogers como o herói.

Revitalizar a marca não é, necessariamente, apagar tudo que ela já foi um dia. É criar uma nova propriedade intelectual que pode convidar um público completamente diferente a consumir aquele produto, seja nos quadrinhos, em jogos ou brinquedos e se inserir mercadologicamente em novos países e nichos de público. Lembre-se que o novo Hulk é asiático - um grande atrativo para o maior mercado do mundo - e a nova Miss Marvel é muçulmana - alcançando o segundo maior grupo religioso e talvez o mais segregado da cultura pop.

Faz-se necessário entender também que esse suposto movimento do "politicamente correto" é apenas a atualização dos heróis representantes da sociedade patriarcal, caucasianas e heterossexual do século passado. Obviamente, algumas mudanças beiram o inacreditável como a revelação de que o Homem de Gelo é gay desde sempre - já que isso nunca foi sequer insinuado antes - mas colocar uma versão alternativa do Wolverine namorando o Hércules ou uma super-heroína lésbica e latina como protagonista de um gibi solo é completamente válido na sociedade que vivemos hoje. Não é agradar as minorias, é incluir para refletir. E isso é outro prato cheio de novas possibilidades dramáticas e narrativas.



Um super-herói não o deixa de ser somente por ser gay, negro, latino ou muçulmano. Ser um herói é superar paradigmas e representar algo maior que isso. É ser humano e decidir abdicar de seu ego para honrar o legado de um símbolo. Uma nova personalidade, com características únicas e diferentes do alter-ego anterior, tentando honrar a herança do símbolo enquanto constrói seu próprio caminho... imagine o quão bom pode ser isso. E quem sabe essa nova geração não pode ter o mesmo peso que os heróis das décadas de 1960 e 1970 no futuro?



N.I.C.K.

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