segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Siege em Perspectiva

Atenção! Contém informações de publicações inéditas no Brasil!

Siege em Perspectiva

A primeira de quatro edições de Siege - mais recente saga de peso envolvendo os principais heróis Marvel - saiu na última quarta-feira, dia 6 de janeiro de 2010 (aniversário de três anos do nosso site). Como não fazíamos um artigo analisando o panorama Marvel desde a reta final de Secret Invasion, resolvi dar a cara a tapa e gastar alguns bons minutos para falar sobre minhas impressões do que vem acontecendo até agora, o que se pode esperar de Siege, e do que pode vir após sua conclusão. Se você é leitor apenas do que sai do Brasil, e não gosta de spoilers, nem pense em clicar no "Leia mais aqui".

Claro que não dá para falar de Siege sem acompanhar a trajetória de Norman Osborn ao longo de Dark Reign. Se entre Civil War e Secret Invasion o Homem de Ferro era onipresente nos principais títulos Marvel, esse papel coube ao desequilibrado empresário e vilão a partir do momento em que se precisava de um bode expiatório para a invasão skrull (Tony Stark) e alguém para o seu lugar. Norman foi, então, uma bucha de canhão que sabia “dar às pessoas o que elas queriam”, sem escrúpulos, cujo poder nitidamente tinha prazo de validade.

E o que fez Osborn? Formou uma cúpula de aliados nos quais ingenuamente pensou poder tratar de igual para igual, acreditando que o poder nele investido seria o suficiente para que isso fosse possível; acabou com a SHIELD e formou sua própria organização, a HAMMER, com estrutura semelhante, mas com um estilo mais “Duende Verde” de ser; formou seus próprios Vingadores (mais uma vez praticamente apelando para indivíduos que não hesitariam em cortar sua garganta para ganho pessoal) e os liderou criando uma persona que substituísse simultaneamente o falecido Capitão América e o caído Homem de Ferro, o Patriota de Ferro (Iron Patriot). E nesse caminho seguido, escondido sob o aval da legalidade, corrompeu diversas estruturas do país (as quais supostamente deveria proteger) em benefício próprio. Muitas vezes motivado por vingança pessoal, e pela própria insanidade.

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Dark Avengers se mostrou talvez a melhor revista dessa fase pós-Invasão Secreta, principalmente porque alguns de seus personagens tiveram oportunidade de ser desenvolvidos em outras mensais ou em minisséries. Destaque positivo para a forma como Osborn conseguiu ter algum controle sobre o Sentry, cujos poderes são muito mais vastos do que imaginávamos, para a manutenção de Ares como um baita personagem, um deus que se preocupa mais com a guerra e honra do que com questões mundanas e para a profundidade e qualidade investidas em Daken, o Dark Wolverine. De negativo a forma como o Mercenário, travestido de Gavião Arqueiro, é quase dispensável, e o tratamento superficial (até Dark Avengers Annual) dado ao novo Capitão Marvel.

A Cabala, nome pelo qual ficou conhecido o grupo de “Illuminati do mal”, já se encontra em frangalhos. Para começo de conversa, já no crossover entre Dark Avengers e X-Men, intitulado Utopia, dois de seus membros (Namor e Emma Frost) já o abandonaram e traíram, a partir do momento em que a ilha agora habitada por praticamente todos os mutantes do planeta foi formada após a batalha iniciada por Norman para controlar os mutantes foi perdida. O Capuz, um dos vilões mais bacanas dos últimos anos, “ressuscitado” por Bendis de uma minissérie produzida no início dos anos 2000, foi cada vez mais perdendo controle de si mesmo em razão da origem de seus poderes (a entidade maligna Dormammu). Até que, buscando ocupar vaga de mago supremo, esvaziada com a queda de Stephen Strange, perdeu contato com o ser místico que lhe impulsionava. O novo mago supremo é o ex-Brother Voodoo, agora Doctor Voodoo (que deu origem a uma mensal muito bacana).

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Mas o Capuz não saiu de cena, e com a ajuda (nem um pouco desinteressada) de Loki, conseguiu reproduzir os poderes que tinha antes de perder contato com Dormammu, supostamente sem corromper mais sua própria alma.

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E por falar no deus da trapaça (para além de conseguir expulsar de Asgard seu meio-irmão Thor, fazendo-o matar o próprio avô, Bor, sem mesmo saber disso), e nitidamente vinha, sutilmente como lhe convém, desestabilizando o já instável Osborn com relação às decisões a serem tomadas.

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Dr. Doom, cuja certeza de que aquela reunião realizada no apagar das luzes da Invasão Secreta fez com que usasse a cabala a seu favor, aproximou-se do mais perigoso de seus componentes, justamente o meio-irmão de Thor, recebendo os asgardianos na Latvéria e aproveitando a situação para estudar e usar a fisiologia das deidades a seu favor. Foi responsável pela morte de Bill e de Lady Kelda, assim como da volta da limitação física de Donald Blake, e de quase assassinar o Pantera Negra. Reunindo animosidades ao redor do globo, o “toque final” foi visto em Siege: The Cabal, quando, atingindo seus objetivos, impaciente e fiel a seus laços com Namor, finalmente rompeu a aliança com Osborn, quase matando o Treinador no processo.

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A situação de Thor está mais ou menos clara para nós. Expulso de Asgard, errando pelo planeta, e com a perda de boa parte da força mística herdada de seu pai Odin a fim de restaurar seu martelo Mjolnir. O deus do trovão de J. Michael Straczynski, que acabou de deixar o título, será lembrado por muito tempo. Mas e as outras duas pontas do tripé que sustentou por décadas o mundo heróico da Marvel?

O Capitão América, o original, Steve Rogers, na verdade, nunca morreu. Preso em um looping temporal, foi resgatado por seus amigos e precisou lutar contra o controle do Caveira Vermelha para recuperar o próprio corpo. Aí está um dos maiores vacilos da Marvel dos últimos tempos. Steve já teve aparições em três revistas diferentes, além do lançamento de uma edição em que se decide quem continuaria como Capitão América (ele ou Bucky), sem que Captain America: Reborn tenha sua edição final publicada! Uma senhora cagada, que só foi um pouco amenizada pela decisão final, em Who Will Weld The Shield, de que Bucky deveria continuar como titular – o que nos faz especular se Rogers ocupará uma posição semelhante à de Nick Fury no universo Marvel. Mas nenhum dos problemas diminui o run de Ed Brubaker, que redesenhou a dinâmica das histórias do sentinela da liberdade.

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O Homem de Ferro, depois de escorraçado do mundo dos heróis por causa de tudo que ocorreu sob sua responsabilidade, teve um dos arcos mais espetaculares dos últimos tempos, em que ao mesmo tempo em que fugia da perseguição de Osborn, apagava a própria mente para proteger todos os segredos que reuniu ao longo de sua passagem pela direção da SHIELD. O reboot necessário só se iniciou graças a Thor e o Steve Rogers, únicas pessoas em cujas mãos ele deixou a responsabilidade de tentar salvá-lo. Foi um momento, em minha opinião, de extrema sensibilidade do roteirista Matt Fraction, em perceber que, apesar de tudo que ocorreu até ali, os dois heróis nunca recusariam tal salvamento a um irmão. Agora, recuperando-se em Broxton, Oklahoma, cidade de residência do doutro Blake, e onde Asgard paira a alguns metros do chão, sua participação em Siege deverá ser fundamental.

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Sei que já escrevi demais, e ainda nem falei de Siege. Mas tudo isso que comentei, acredito, é fundamental para que entendamos o que se passa a partir da primeira edição, que, claro, tem roteiros de Brian Michael Bendis, acompanhados da arte do excelente Olivier Coipel (seu parceiro em House of M).

Osborn está desmoralizado. Tentou aumentar seu poder ao perseguir vários heróis e outros indivíduos que poderiam se opor ao seu reinado (na série de one-shots The List), e o único que conseguiu assassinar foi Frank Castle, o Justiceiro – o que deu início à bizarra fase Franken Castle. Muita gente considera os Mighty Avengers de Hank Pym os verdadeiros (vá entender), o Homem-Aranha age quase livremente em Nova York, assim como os New Avengers e o Capitão América.

O esfacelamento da Cabala, se analisarmos com cuidado, deve-se principalmente a três fatores. Em primeiro lugar, claro, ao desequilíbrio psicológico do megalomaníaco e esquizofrênico Norman Osborn. Em segundo lugar, a disparidade entre as agendas de cada um de seus membros. Diferente dos Illuminati, os objetivos ali estavam longe de compartilhar muito em comum. Por fim, um nome fez com que esse castelo de cartas se desfizesse: Loki. Seu nome acaba sendo fundamental em cada uma das alavancas que desfizeram o grupo, e, mais importante, como aquele que convenceu Osborn a atacar Asgard.

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Aqui existe um lapso cronológico que, acredito, será preenchido pelas próximas edições da revista de Thor. Falo do fato de que, em Siege #1, os asgardianos (inclusive Balder) terem retornado da Latvéria.

De qualquer forma, manipulando a mente do frágil Norman, Loki o convence de que Asgard, pairando sobre o território de Broxton, é uma ameaça a sua autoridade. Além disso, vende a idéia de que, ao convencer a opinião pública de que a cidade sagrada é uma ameaça à sua própria segurança, Osborn garantiria sua permanência no cargo em que já se equilibra com dificuldade.

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Mas é preciso um motivo, e o deus da trapaça lembra do que, recentemente, foi o estopim para a Guerra Civil: um desastre de proporções extremas e mortes, muitas mortes. Com toda culpa jogada nos ombros de quem deveria ser um herói. É assim que, ao enfrentar o mais poderoso, mas mais ingênuo, dos três guerreiros asgardianos, o “espaçoso” Volstagg, Loki e Osborn conseguem o motivo para o cerco. Em uma de suas andanças pelos EUA, mais especificamente em Chicago, quando ajudava a polícia a capturar criminosos bem à sua maneira, o guerreiro é abordado, por ordem de Osborn, pelo quarteto intitulado U-Foes, cujos poderes foram adquiridos de forma semelhante ao Quarteto Fantástico.

Muito poderosos (isso deu uma boa discussão na nossa comunidade no Orkut), acabaram jogando Volstagg no meio do campo de futebol americano (creio eu, do Chicago Bears), em que, com estádio lotado, o time da casa disputava uma partida. O resultado foi a destruição total do local, e a morte de milhares de pessoas. Porém, as câmeras só captaram a presença do asgardiano no local.

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A Ação de Norman é rápida, e quase literalmente mandando o presidente (cuja paciência com ele vinha diminuindo cada vez mais) se f@$%#, acusa publicamente a presença dos asgardianos como uma ameaça ao país, e decreta: vamos invadir Asgard. Questionado até mesmo por seus comandados mais próximos – os Dark Avengers –, principalmente por Ares, temeroso por atacar os honrados asgardianos, temos uma noção de a quantas anda a autoridade de Osborn.

Ainda assim, o cerco (siege) à cidade suspensa se inicia, e Osborn, já como Iron Patriot, faz questão de que a imprensa cubra as ações do exército super-humano e de soldados da HAMMER liderado por ele.

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A luta começa e logo os moradores de Broxton se dão conta disso. Ares comanda a linha de frente, enquanto Osborn aguarda sorrateiro a chegada de Thor. Essa não tarda, e auxiliado pelo Sentry, Pelos U-Foes e pela Ms. Marvel “sombria” (Moonstone) consegue com certa rapidez derrubar o deus do trovão – o que também gerou diversos debates, apesar de lembrarmos que Thor sofreu bastante nos últimos tempos.

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A última cena da primeira edição é Steve Rogers, com seu tradicional uniforme de Capitão América, enfurecido, assistindo tudo na TV.

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Antes de fazer minhas considerações finais (e se você teve saco de ler até aqui), não posso deixar de falar de Siege: Embedded, também em quatro edições, com roteiros de Brian Reed (fiel escudeiro de Bendis nos últimos anos) e arte de Chris Samnee. Pelo que vimos na primeira edição, ela é o equivalente à linha Front Line, presente em Civil War, World War Hulk e Secret Invasion. O nome mudou, mas a intenção não.

Vista pelos olhos de Ben Urich, agora ladeado pelo amigo Will Stern, além de acompanhar a trajetória do ultraconservador (e apoio de Osborn na imprensa) apresentador de TV Todd Keller, o título pretende demonstrar o olhar da imprensa, o mais próximo do ser humano comum nessa história, de tudo isso que vem acontecendo. Urich não poderia estar fora dessa (já que é o maior opositor “civil” de Osborn), e a primeira edição já nos mostrou um hilário e resignado Volstagg, que, escoltado pelos dois incautos repórteres, parece estar disposto a dar sua versão do que ocorreu em Chicago.

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“Um evento preparado há sete anos”, o “início de uma nova era heróica”, são alguns dos subtítulos que Siege, e tudo que convergiu na série, vem recebendo das propagandas e do controverso editor-chefe da Marvel, Joe Quesada. O que acho disso? Pode ser algo interessante se olharmos sob certo ponto de vista.

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Costumo analisar as grandes sagas de uma editora mainstream como a Marvel, e seus interesses financeiros, de uma maneira cética, mas não pessimista. Como já falei em outras ocasiões, não espero revoluções no modo de fazer quadrinhos em larga escala ou mudanças bombásticas que durem para sempre, até porque o mundo em que a gente vive consegue parecer muito repetitivo e estar em movimento ao mesmo tempo. Antes que caia em uma análise filosófica, que não é meu objetivo, vamos ver se esclareço meu raciocínio.

Leio uma saga ou fase como Avengers: Disassembled, House of M, Civil War, Secret Invasion, Dark Reign e Siege pensando e valorizando o que nos levou até elas, e o que saiu delas. Foi bom? Claro que há muita porcaria no caminho, mas ainda assim acho que a jornada é mais importante que o ponto de partida e seu destino. Valeu à pena? Eu acho que em diversos aspectos valeu muito à pena. Não vou enumerar, mas li muita coisa que me fez quase pular da cadeira ou da poltrona de ansiedade, raiva ou tristeza. E é isso que valorizo ao acompanhar histórias em quadrinhos.

E o que está sendo feito nos últimos anos na Marvel, cujo principal responsável é, sem dúvidas, para o bem ou para o mal, Brian Michael Bendis, é uma volta da era heróica? Vejamos.

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Os Vingadores voltaram a ser a principal “franquia” do mundo dos heróis, título atualmente disputado por nada menos que três super equipes. Capitão América, Steve Rogers, acabou de voltar do que todos acreditavam ser sua morte. O Homem de Ferro, depois de flutuar sobre a própria auto-confiança, regenera seu senso de responsabilidade e sobrevive graças ao seu conhecimento tecnológico, preparando-se, com uma nova armadura, para reentrar no mundo dos heróis. Thor, após a volta do alter ego Donald Blake, e de reaprender o que fazer da relação entre os deuses e os habitantes de Midgard, tem à sua frente uma grande provação. Perceberam alguns padrões nisso? E tem mais.

O vilão que unirá esses heróis mais uma vez? Norman Osborn? Releia as revistas, releia meu texto. É relativamente óbvio. O grande vilão de Siege é ninguém menos que o deus nórdico da trapaça, Loki. Aquele mesmo, cujas maquinações originaram a primeira formação dos Vingadores. O desfecho de Siege é previsível, e isso não faz da história algo necessariamente ruim, chato ou de pouca criatividade.

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O que me parece é que aquilo de mais fundamental dos maiores heróis da Terra, com uma roupagem pretensamente moderna (longe de estar livre de críticas), está sendo reintroduzido e reapresentado para nós ao longo dos últimos anos. E, apesar disso, com uma grande quantidade de mudanças. São os Vingadores do século 21, que não perdem sua essência, mas mudam seu perfil, assim com a forma pela qual os leitores olham para o grupo e sua representatividade no universo Marvel. Se estou certo... se o plano dará certo? Só o tempo dirá. Avante, Vingadores!


João

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