segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Em Foco: Ciclope - General, Príncipe ou Herói?

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"Deve, pois, um Príncipe não ter outro objetivo, nem outro pensamento, nem ter qualquer outra coisa como prática, a não ser a guerra, seu regulamento e sua disciplina, porque essa é a única arte que se espera de quem comanda" ( Maquiável, O Príncipe e Escrtos Políticos, pág. 34, Coleção Folha: Livros Que Mudaram o Mundo - V2.)

Dentro do Universo Marvel, alguns personagens despertam determinados sentimentos, mesmo que nem todas as suas histórias sejam clássicos absolutos. Para aqueles que acompanham as revistas X (principalmente o núcleo central, composto por Fabulosos (Uncanny) X-Men), a fase que os mutantes atravessam não possui grandes momentos, sendo que muitas histórias são medianas ou ruins. Falo de maneira geral, já que é sempre possível encontrar, em determinadas revistas, alguma qualidade. No entanto, apesar da fase extremamente mediana dos X-Men, o líder máximo da equipe, Scott Summers, o Ciclope, tem se mostrado um personagem interessante. E, por vezes, um tanto quanto controverso.

Confesso: Nem sempre achei Ciclope fosse um grande um líder ou mesmo personagem. Por muito tempo, sempre achei que a líder definitiva (e herdeira do sonho do Prof. Xavier) fosse Ororo Monroe, a Tempestade. Mesmo Jean Grey, quando os escritores permitiam, se mostrava uma herdeira à altura do sonho. Mas Ciclope, apesar dos feitos heroicos e de algumas grandes batalhas, não era aquele líder, pronto para liderar um rebanho (obviamente, isso tudo é a minha opinião).

No entanto, tudo começou a mudar a partir do momento em que um escocês maluco assumiu o grupo mutante. Aproveitando o fato de que Apocalipse bagunçou a cabeça do herói, Morrison foi mostrando, aos poucos, que aquele fervoroso sonhador já não era mais o mesmo. Estava mais frio, calculista e, por assim dizer, realista. E, alguns sonhos que antes tinham colorido, já se mostravam cinza. Até o mesmo inabalável casamento, que rivalizava, em termos de estabilidade, com o de Sue/Reed e Peter/Mary Jane (ok, esse nem tanto...) sofreu os abalos de uma traição (psíquica). Ou seja, desde então, Scott Summers já não era o mesmo escoteiro de sempre.

Ressalto que as mudanças comportamentais do Cike não são apenas fruto de uma passagem de En Sabah Nur pela sua mente. Houve outros fatos igualmente relevantes. Primeiro, viu que seu mentor não era tão sonhador e usava certos expedientes altamente questionáveis (vide Gênese Mortal). Posteriormente, acompanhou a decadência de sua raça que, outrora herdeiros da terra, passaram a ser uma espécie em extinção. Assistiu a inúmeras mortes de jovens mutantes pelas mãos de um fanático religioso. Por fim, quando tudo parecia caminhar para o abismo, uma Esperança no fim do túnel: A primeira mutante nascida após o evento conhecido Dia M.

Nesse momento, Ciclope assume uma postura: a de responsável pelo destino do povo mutante. Para ele, não havia mais ninguém que pudesse garantir isso. Somente ele, naquela situação, poderia assumir problema. Assim, Scott Summers começa a tomar decisões altamente questionáveis. Cria um grupo de extermínio, utiliza-se de certas estratégias um tanto quanto inusitadas (por exemplo, em Invasão Secreta, a saga favorita do Eddie, Ciclope pede a Hank que crie uma variação do vírus legado para repelir o ataque da armada Skrull), dentre outros atos permeados com uma moralidade altamente flexível. Tudo isso com um único objetivo: Garantir o bem estar da raça mutante.

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"Um general infeliz é um general culpado" (Sun Tzu, "A Arte da Guerra", pág. 110, L&PM Pocket)

Ciclope assume um papel de líder de um povo e de uma nação. Diferentemente de Steve Rogers (talvez, pelo fato de exercer um cargo político agora, Steve sentirá na pele certas decisões questionáveis) e Reed Richards (bom, o arco “Ações Autoritárias” pode suscitar algum debate, mas... ), Ciclope não tem responsabilidade apenas sobre a sua equipe, os X-Men. Ciclope assume um papel similar aos soberanos Namor e Pantera Negra. E, partir desse ponto, algumas verdades começam a perder um pouco de força.

Um líder deve ser alguém dotado de grandes habilidades. Não deve ser somente imbuído de coragem ou obstinação. Um grande líder deve saber controlar as forças que o cercam. Se estamos falando de um monarca, este deve saber controlar os membros da realeza e do clero, de forma a evitar golpes de estados. O mesmo vale para aqueles que se dispõe a serem representantes eleitos pelo povo. Aprender a controlar as forças que compõe sua dita "base aliada", de modo a evitar problemas e conseguir realizar sua pauta política é um dos principais desafios que se impõe ao eleito. Ou seja, o papel de um líder é extremamente inglório.

Somado ao fato de que controlar os seus “aliados” já não é uma das tarefas mais fáceis, deve o líder saber se impor em face das ditas ameaças externas. Tanto campo diplomático como no aspecto do conflito armado, cabe ao líder usar sabiamente os recursos dos quais ele possui para proteger o seu povo (ou, dependendo do caso, a sua permanência no poder).

Pelo relatado, percebe-se que não basta coragem para ser um bom soberano. A coragem é igualmente necessária, mas é necessária conjugá-la com outros elementos. Jogo de cintura (no bom sentido do termo), esperteza e conhecimento são igualmente necessários.

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"Todos compreendem o quanto seja louvável a um Príncipe manter a palavra e viver com integridade, não com astúcia; contudo, observa-se, pela experiência, em nossos tempos, que houve Príncipes que fizeram grandes coisas, mas em pouca conta tiveram a palavra dada, e souberam, pela astúcia, iludir os homens, superando, enfim, os que foram leais" (Maquiável, idem ibidem, pág. 39)

É muito difícil aprender a ser um líder. Creio eu que as pessoas nascem líderes. Nos moldes como eu apresentei, poucas pessoas são capazes de reunir tais atributos. Mas, a despeito disso, o mercado oferece uma série de livros de autoajuda que teimam em insistir ensinar pessoas a serem líderes. Obviamente, se o Cike dependesse desses livros, Bastion teria exterminado a raça mutante.

No entanto, noto (e talvez alguns leitores do site também, como pode ser visto em um comentário publicado no meu Em Foco a respeito das ideologias mutantes) que os atos de Ciclope têm sido muito influenciados por duas grandes obras literárias. Falo de “O Princípe”, de Maquiável, e “A Arte da Guerra”, Sun Tzu. Ora Ciclope age como o pragmático líder apresentado pelo pensador político, ora como o general implacável idealizado pelo grande comandante chinês.

As duas obras versam sobre dois aspectos que, de um modo geral, presentes na vida humana, mas que são muito repudiados pelas pessoas em geral: Guerra e política. Dificilmente você encontrará pessoas dispostas a conversar sobre jogadas políticas e batalhas sangrentas (a não ser, talvez, a II Guerra Mundial). Aliás, algumas pessoas têm nojo só de ouvir os termos. Mas é interessante como tais aspectos estão muito presentes na vida das pessoas (principalmente a tão odiada “política”). Na verdade, ambos os termos significam formas de resolução de conflitos, fator inerente a natureza humana . Enquanto na política a resolução se dá por meio da negociação, na guerra a resolução é encontrada por meio da força.

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"Um bom general tira partido de tudo, e só é capaz disso porque age com o maior sigilo, conserva o sangue-frio e comanda com retidão, mas de tal forma que fascina os olhos, mas engana os ouvidos de seu exército" (Sun Tzu, Idem, pág. 126)"

Aqueles que se dispõe a ler tais obras encontram os motivos para serem tão aplaudidas. Maquiável, tido como o primeiro pensador político da história, faz uma análise bem ampla de como deve proceder o príncipe para se manter no poder. Trata-se de um livro que mostra pontos muito interessantes. Tomada de cidades, controle de exército, como se portar perante aliados, como evitar que o povo se volte contra o soberano. Todos esses aspectos são abordados na obra mais famosa do grande pensador. Há inclusive a velha história de que muitos políticos aplicam suas lições, ainda que nunca tenham aberto o livro.

Por outro lado, Sun Tzu foca quase que exclusivamente nas batalhas. Ainda que toque alguns pontos de ciência política (por exemplo, Sun Tzu aconselha ao general sempre manter o seu prestígio perante o rei e seus conselheiros. Perder tal prestígio pode abalar os resultados de uma guerra), é um livro militar, em sua essência. Saber impor a disciplina ao exército, controlar o tempo e ambiente da batalha, saber utilizar os recursos que estão à disposição do general. Essa é a tônica do livro.

É interessante notar que, da leitura de ambos os livros, percebemos que o ambiente político e o da guerra não são feitos para quaisquer pessoas. A que se ter um bom estômago para lidar com eles. São ambientes onde, dificilmente, as pessoas saem imaculadas. Decisões difíceis e altamente questionáveis (principalmente no aspecto moral) são tomadas a todo tempo, alianças que duram uma questão de horas, traição para todos os lados. Realmente, são ambientes para poucos.

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"Nunca faz estimar tanto um Príncipe como os grandes empreendimentos e o dar de si raros exemplos" (Maquiável, idem ibidem, pág. 48)

Eis que surge, assim, a grande pergunta: Ciclope, forjado para ser um excelente líder de campo e herói, pode sobreviver a ambientes inóspitos como esses e ainda ser tratado como um herói? Pergunta complicada e de resposta ainda mais complexa. A história real tenta colocar grandes líderes políticos e militares como heróis. Mas nem mesmo eles escapam de uma análise mais acurada. Diversos líderes tomaram decisões altamente questionáveis e alguns, a despeito do que dizem alguns livros, foram verdadeiros carniceiros. Não é ambiente para um super-herói, ainda mais alguém que era tido como “certinho” até pouco tempo.

Mas a tônica dos autores têm sido mostrar um Ciclope que vive no limite entre líder militar/político e herói. Digo mais, Ciclope, a cada dia que passa, se torna o General idealizado por Sun Tzu: Disciplinado, atento e implacável. A faceta de general é mais explícita, mas em alguns momentos, o lado político também é demonstrado, ora fazendo alianças com certos setores problemáticos, ora arrebanhando as massas (no caso, os mutantes) para que fiquem sobre seu controle.

Assim, voltamos ao parágrafo onde é dito que algumas verdades começam a ser abaladas. Como já dito, Ciclope tomou diversas decisões altamente questionáveis. Criou um grupo secreto de extermínio, ultrapassou certos limites morais para vencer seus adversários, tratou crianças como soldados, acolheu os piores vilões e terroristas do Universo Marvel em Utopia, mandou aliados para missões suicidas e sem todas as informações, dentre outros atos altamente questionáveis. A visão que os autores passam de Summers é que ele vê duas coisas: o problema e as formas de resolvê-lo. E só. Diante de todos esses fatos, complicado tentar enquadrar Sr. Summers como um herói. Pesa em seu currículo o fato de que ele faz o que faz em nome do bem comum (e, pelo menos nesse ponto, isso não foi mera frase de efeito).

Se Ciclope ainda será considerado um herói no futuro? Difícil dizer. Os autores demonstram que Scott Summers tenderá a ser o mesmo jogador que tem sido mostrado, ou seja, alguém que usa quase todas as armas que dispõe para vencer os seus obstáculos. O fato de não ser mais o mentor da X-Force não muda nem um pouco a sua personalidade. Para comprovarmos isso, basta ver o novo arco que está se desenrolando nas páginas de X-Men.

Ciclope ainda não foi devidamente julgado, já que seus atos foram praticamente esquecidos com a vinda da Era Heroica. Nem mesmo seus pares foram muito contundentes com seus atos. Só o Fera fez algo de relevo. Tempestade, a despeito de tudo, não tem muita moral para incriminar Ciclope. Como soberana de uma nação, é bem provável que ela ou o seu marido fizesse atos iguais ou piores.


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"Por mais crítica que seja a situação e as circunstâncias em que te encontrares, não te desesperes. Nas ocasiões em que tudo inspira temor, nada deves temer" (Sun Tzu, idem ibidem, pág. 122)

E ,ao final desse texto, deixo uma pergunta: Como será julgado Scott Summers no futuro? Como líder de um povo, general implacável ou simplesmente um herói que teve que tomar decisões difíceis? Alea jacta est, assim dizia um certo imperador romano.

Rafael Felga

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