quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Tira-Teima 616: Sobre os Maximoffs e Questões de Paternidade



O título já entrega o que viemos fazer aqui. E não, não iremos falar do Hulk Cinza. Assim como nas competições esportivas, vamos fazer uso da palavra "Tira-Teima" para analisar as dúvidas mais pertinentes que assolam nós, leitores de quadrinhos, num mundo tão complexo de contradições e retcons. Já recebiamos muitas dúvidas por email de pessoas que nós acompanham, algumas respondíamos diretamente, mas outras eram tão complexas e de interesse público que mereciam um lugar melhor pra discutirmos. O "Tira-Teima 616" então estreia em 2015 e o tema não poderia ser outro senão a tão pertinente questão da paternidade dos irmãos Maximoff. E sim, temos spoilers a frente!

Começaremos contextualizando a questão. No imbróglio que foi a última saga dos EUA, denominada Axis, o penúltimo capítulo da mesma traz uma bomba. Ao lançar um feitiço que derrubaria somente seus parentes, a Feiticeira Escarlate deparou-se com um fato curioso - Enquanto Mércurio se lamuriava no chão, Magneto não foi afetado pela magia. Ou seja, o feitiço serviu como uma espécie de teste de paternidade místico ("É mágica, não precisa explicar"- Quesada, J 2008).

Em sumo, ELE não é o Pai.



Horas seguinte a publicação sair nas lojas, lamentos e sofrimento invadiam a internet. Fãs exaltados rasgando a pele pois anos e anos de tal máxima inconstestável foram pro ralo. Era a Marvel mudando tudo por conta do momento, da modinha, do cinema, da Disney, de forças maiores... Mas não iríamos aceitar isso, correto? Todos os fãs sabem que o pai dos gêmeos sempre foi e sempre será Magneto, correto?

Não.

Vamos, portanto, voltar no tempo e falar um pouco sobre a história dos Maximoffs. Pietro e Wanda surgiram pela primeira vez em X-Men #4, apenas sendo membros da Irmandade de Mutantes. Sua história era bem simples. Rejeitados dentro de sua própria aldeia na Europa, os dois foram salvos pelo Mestre do Magnetismo de uma turba de humanos ensandecidos e se juntaram a sua irmandade. Não sabiamos direito quem eram seus pais ou se eram orfãos, levou até mesmo um tempo para os definirem como gêmeos (Por vezes, Wanda reportava Pietro como irmão mais velho).




Bom, quase 10 anos depois, na edição Giant-Sized Avengers #1, o escritor Roy Thomas viria a mudar um pouco essa história. Numa revista de mais de 60 páginas desenhada por Rick Buckler, surge a ameaça de Nuklo, filho esquecido de dois heróis da Era de Ouro, Tufão e da Miss America, que acabou sendo contido pelo governo pelo seu excesso de radiação expelida. Mas ele não foi o único filho do casal. Numa segunda tentativa de engravidar, Robert e Madelaine Frank recorreram ao Alto Evolucionário para salvar seus bebês. O cientista de Wundagore aceitou o desafio, os gêmeos nasceram bem, mas a heróina acabou falecendo no processo. A notícia dessa fatalidade acabou perturbando Tufão e ele abandonou as crianças.  Tudo isso foi revelado numa conversa entre o Tufão e a Feiticeira Escarlate nas seguintes páginas.




Tal mudança, no entanto, não veio por acaso. Vale lembrar que já alguns anos a Marvel vinha num processo de reincorporar os heróis de sua era de ouro no novo universo afim de garantir os direitos dos mesmos e acabar com qualquer tentativa de seus artistas entrarem na justiça pra reaver suas criações. O caso mais célebre lembrados pelos leitores talvez seja o de Carl Burgos, que viu seu Tocha Humana original aparecer nas páginas do Quarteto Fantástico só para morrer e, mais tarde, em meados da década de 70, virar o corpo base do Visão. No caso aqui presente, o Tufão depois de anos parado foi reincorporado pela editora ao mundo contemporâneo e seus poderes de velocista caiam como uma luva com a ideia de verdadeiro pai de Mercúrio. Até mesmo sua origem foi modificada por Gerry Cornway (de soro de sangue de Magusto para poderes latentes mutantes) afim de encaixar melhor no novo contexto. Wanda e Pietro passaram até a usar seu sobrenome e Robert Frank morreu acreditando ser pais dos gemeos no começo da década de 80.

Pobre Tufão, que morreu enganado.

Seriam os próprios anos 80 que viriam a dar uma mexida nessa história. Na verdade,  no final dos anos 70 a história se montava já nas páginas de Vingadores. Primeiramente, foram introduzidos os Maximoffs, Django e Marya, pais adotivos ciganos que adotaram os bebês  a pedido do Alto Evolucionário (que pelo visto não queria de jeito nenhum trocar fraldas daqueles rebentos após Robert Frank fugir). Por motivos ignorados, o casal de ciganos haviam perdido dois gêmeos recentemente e criaram os dois mutantes como se fossem seu Mateo e Ana ressuscitados. O tempo que foram criados no acampamento cigano não durou muito, pois antes mesmo de serem perseguidos como mutantes, eram rejeitados por serem crias de ciganos. Pietro e Wanda cairam muito novos num rio ao serem perseguidos, se afastaram de Django e passaram a viver como órfãos desde então.




Na verdade, a introdução de Django veio pelas mãos de Jim Shooter por idos de Avengers 182 e incluiu a história de Chtlon e toda trama envolvendo o lado mais místico da Feiticeira Escarlate. Foi a primeira vez que se definiu que os dons de Wanda não eram inteiramente mutantes já que desde pequena ela foi destinada ao ocultismo. Desde então, após lembrarem do curto tempo que viveram como ciganos, Pietro e Wanda assumiram o sobrenome dos Maximoff.


Mas isso foi só o primeiro passo para mexer na origem deles. Em Avengers 185, os gêmeos voltariam a Wundagore para escutar da própria Bova, a vaca (literalmente) serviçal de Herbert Edgar Wyndham, vulgo o Alto Evolucionário, uma origem bem mais complicada. Nessa nova história, Steven Grant e Mark Gruenwald introduziram uma jovem chamada Magda, que estava grávida e fugia apavorada do marido que tinha ganho estranhas habilidades. Ela deu a luz a gêmeos, mas não ficou para criar os filhos e fugiu de Wundagore. Sem saber o que fazer, Bova foi falar com seu mestre, o Alto Evolucionário.

Coincidentemente, Wyndham estava lidando com a questão do Tufão e Miss America, que queriam ajuda pra ter seu filho. Mas o resultado, diferente do que contava a história anterior foi mais pertubador. Não só a heróina da era de ouro morreu durante a gravidez como o seu bebê. Com a chegada de Bova e os gêmeos ali, o cientista vilão tentou resolver a questão da seguinte forma - Inventar que os gêmeos de Magda na verdade eram filhos da Miss America e doá-los ao Tufão. Robert Frank, no entanto, ficou mais perturbado do que Wyndham esperava e fugiu (como já dito). Pra resolver o problema dos orfãos, o Alto Evolucionário foi até a aldeia cigana próxima e entregou os bebês ao casal Maximoff que acabara de perder seus filhos (e resolveu o seu problema com fraldas). Realmente, não era algo pra se assimilar tão facilmente assim.

Essas três páginas talvez expliquem melhor essa confusão:




Esse enrosco todo vinha paralelamente sendo montado a uma história em X-Men onde Magneto pela primeira vez citava um amor perdido, Magda, em X-Men 125, escrita por Chris Claremont. Tanto Vingadores como X-Men foram desenhadas pelo mesmo artista, John Byrne, e com isso era mais que evidente para o leitor da época deduzir a ligação de Magneto com Magda, e portanto, os gêmeos. As coincidências da vida levariam essas duas crianças anos mais tarde a serem encontradas pelo próprio pai (que não sabia que era pai) e salva por ele de uma turba de homens furiosos. A confirmação do parentesco, no entanto, só viriam na minissérie em quatro partes dos anos 80 do Visão e Feiticeira Escarlate.



Essa mudança, é claro, tinha algo por trás. Ao final dos anos 70, os X-Men já eram febre nos EUA e a Marvel que já praticava o bom uso de colocar personagens mais populares em outros títulos para alavancar vendas quis aprofundar isso. Porque não mexer mais uma vez na origem dos gêmeos? Eles que sempre tiveram uma ligação no começo com Magneto poderiam ter algo a mais... afinal, o Mercúrio tinha tanto haver com Magneto... aqueles seus cabelos tão brancos parecidos com o Erik (Errr... oi?!). E de fato, a mudança foi uma explosão na cabeça dos fãs. Forçada ou não, eles tiveram que aceitar o novo status quo e admitir aquilo, aquela era a Era dos mutantes.

E foi assim durante quase 30 anos...

Chegamos então a nossa realidade de hoje e não há como não admitir que existe uma nova pressão para mudar a direção dos ventos. Os gêmeos são de novo alvo já que são as novas estrelas nos cinemas. Em desacordo com a FOX, a Marvel Studios irá contar uma origem diferente para os Maximoffs e isso já mostra que se refletirá também nos quadrinhos. Nas páginas da relançada Fabulosos Vingadores, o Alto Evolucionário mais uma vez entra em cena e vamos ver que história ele vai inventar agora pra Pietro e Wanda (Tudo pra evitar as malditas fraldas).

Provavelmente, a Marvel vai até mais longe. Tudo leva a crer que os Maximoff não devem ser mais considerados mutantes. Mas olhando de forma muito mais precisa, eles já não são desde o Dia M e o Chega de Mutantes. Bastou um feitiço de Wanda e a Casa Real de Magnus caiu. Todos sem poderes. Pietro teve que recorrer as terrígenas para voltar a ser ligeirinho. Wanda depois de amnesia auto-induzida voltou a ser o que era com mágica. Até a pobre da Lorna (a não-filha mais rejeitada de todos os tempos, mas isso é tema pra outro Tira-Teima) só voltou a ser o que era graças aos implantes de Apocalipse. O próprio Magneto, para voltar a ser o que é, recorreu ao (de novo) Alto Evolucionário alguns anos atrás para manipular mais uma vez metais. Enfim, todos tiveram seus poderes reconquistados artificialmente.


Mas a grande questão neste artigo aqui não se resume a saber qual é a verdade final de tudo. O que gostaria de mostrar aqui é que, de certo modo, talvez esse final nem exista, pois os quadrinhos vão as vezes muito mais além do que as histórias que estamos lendo no momento. Quando se tem alguns anos acompanhando esse mágico universo (isso se você teve fôlego para tal), chega o momento em que terás que dar um salto para além e perceber outros contextos que rodeiam as histórias fora delas per si. Quadrinhos são as expressões de roteiristas e desenhistas que vivem em sua época e muitas vezes tem uma segunda história para contar que reside somente nos bastidores. E, indiferente a nova mudança na origem dos gêmeos que vier, daqui a alguns anos a nova geração de leitores poderá estar discutindo todas essas questões que contextualizaram essa nova origem, para o bem ou para o mal. Assim como foi com Django e Maria Maximoff. E Tufão e Miss America. E Magnus e Magda.

Nisso tudo. Só há uma única certeza. Não será o Alto Evolucionário que trocará essas fraldas.

E encerramos aqui nosso primeiro Tira-Teima 616 com um tema bem polêmico e divertido de se pesquisar. A ideia desse tipo de artigo que começa agora, no entanto, já nascia bem antes e teremos em breve mais uma tema em questão já enviado por um dos nossos leitores. E se vocês acharem que algo vale a pena entrar nessa pauta, manda um email pra gente. 

Como é a proposta do 616 desde o início, vamos sentar e falar de quadrinhos.

Coveiro
editorial@marvel616.com

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