sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Mentiroso por mentiroso, Vote Loki!

Publicado no ano passado nos EUA durante uma das etapas finais de uma das competições eleitorais mais tensas do país, a minissérie em quatro edições "Vote Loki" é uma das mais impressionantes caricaturas da situação da época que já li. Mas apesar de ter sido exclusivamente espelhada na disputa americana, quem ler essa história vai certamente ter bons insights para muita discussão desmedida que temos no nosso lado do hemisfério também. E tudo começa com uma frase sincera saindo de forma bem inesperada da boca do Príncipe das Mentiras.



Antes de chegarmos aos dias de hoje, um préludio irá nos apresentar a Nisa Contreras, uma garotinha que perdeu sua casa durante uma batalha dos Mais Poderosos Heróis da Terra e viu logo em seguida Tony Stark prometer um fundo para compensar financeiramente todos os prejudicados naquela briga. Anos depois, Nisa virou jornalista e das boas, descobriu que o prefeito da cidade só usou parte do orçamento de reconstrução e engolfou todo o resto do dinheiro para seu fundo de campanha. Com isso, Nisa ficou conhecida como uma jornalista política de peso numa eleição.

Então, passamos para os dias de hoje, quando candidatos a presidente participavam de um debate político para colocar na mesa suas propostas. Uma movimentação estranha no lugar chamou a atenção de Nisa e do nada falsos jornalistas se revelaram como agentes da HIDRA prestes a executar um ataque terrorista. Daí, um outro jornalista que se identificara antes como Lucas, um freelancer do Buzzfeed , virou Loki e salvou o dia. Após deter os terroristas com sua mágica, as câmeras se voltaram para o asgardiano que deixou escapar as frases que mudariam sua vida.

"Em que candidato votar? Em nenhum. Os dois são mentirosos. É divertido assistir" disse ele quando abordado, fazendo uma explicação bem evidente de como todos os políticos se colocam em meias posições ou defendem exatamente aquilo que os eleitores querem ouvir deles, mesmo que sejam incapazes de executar durante seus mandatos. E uma vez eleitos, todas as promessas se tornam apenas promessas. Mas e se ele fosse presidente? "Se eu fosse seu presidente, teria coragem de mentir na sua cara e vocês iriam adorar" disse Loki por fim.



Uma sinceridade como aquela levada imediatamente para todos via TV e internet meio que causou um alvoroço no povo já cansado de ter os mesmos candidatos de sempre. O nome de Loki como possível candidato logo veio a tona e parecia uma ideia interessante. Todos pareciam simpáticos a situação na hora, menos Nisa Contreras. Algumas horas depois, um centro de pesquisas políticas chamado Ofídias começou a colocar nas suas pesquisas o nome do Deus da Mentira e  registrou números substanciais de intenções de votos pro asgardiano, mesmo que ele não fosse candidato de fato. Dias depois, lá estava Loki dando entrevistas para o Canal de TV Fatos sobre a possibilidade de poder se candidatar já que na sua nova reencarnação, ele "nasceu" aqui em Midgard numa cidadezinha americana.

Durante parte da entrevista no Fatos, Loki começou a responder perguntas por telefones e uma delas veio de Nisa, revelando que foi durante o ataque de Loki aos Vingadores que todo seu bairro foi destruído quando era apenas uma criança. E o que Nisa queria saber era como confiar na regeneração de um vilão e fazer dele o novo Líder do Mundo Livre. Loki mais uma vez negou a candidatura, mas resolveu responder pessoalmente Nisa. Se teleportou do estúdio para seu apartamento, e queria não só olhar na cara de Nisa para convencê-la de sua redenção como provar que poderia ser um presidente melhor do que os outros candidatos. E se ele pudesse convencê-la disso, convenceria todo povo americano. Foi feito ali uma acordo.

No dia seguinte, Nisa Contreras estava visitando o gabinete do candidato Loki, que se revelou sendo o mesmo lugar do Centro de Pesquisas Ofídias. Como chefe de segurança do lugar, tínhamos Angela, meia-irmã de Thor. Loki também tinha mudado de forma, assumindo mais uma vez sua faceta mulher para ficar de tal forma mais amigável para Nisa. E assim passaram a falar sobre algumas das políticas de campanha, com muitas respostas evasivas do asgardiano. Assim, Contreras escreveu sua matéria, com um senso crítico bem afiado e condenando a postura populista do Deus das Mentiras. Todavia, na hora da matéria ser publicada, o seu editor do Clarim acabou mudando o título. De "Loki vai queimar Washington" para  "A Campanha de Loki: Algo com que se empolgar". Daí, temos o primeiro ponto curioso na eleição, que certamente você deve achar bastante familiar nos dias de hoje. Por mais que o conteúdo continuasse o mesmo, o povo só lia o título dos artigos e ignorava todo o resto.



O artigo de Contreras que deveria ser uma bela puxada de tapete pro Deus da Mentiras acabou ajudando-o a subir ainda mais nas intenções de votos. Foi o suficiente para fazer a Poderosa Thor bater na sua porta buscando explicações. Nisa se defende e convence a Thor a ler o artigo, que também só leu o título e só agora entendeu que ela o critica na matéria. Mas o nome do asgardiano já está por aí e é manchete principal de programas políticos na TV aberta. Em debates de especialistas, os experts reclamam que quem apoia Loki só pode estar demente, mas a população está tão farta e bitolada que se convence de que até mesmo a imprensa joga contra eles e fala exageros contra o Loki.

Em aparições públicas em jogos, Loki é ovacionado. Virou um populista, um aventureiro de fora da política tradicional e que brinca com a ideia da "mentira sincera". Ao investigar um dos comitês do ex-vilão, Nisa acaba se deparando com uma determinada situação em que seus funcionários estão literalmente adorando Loki com um deus, e não passam de pessoas que parecem ter sofrido lavagem cerebral. Ao denunciá-lo via novo artigo no Clarim, Loki respondeu a matéria com mais sinceridade, admitindo que as pessoas realmente o adoravam já que ele era de fato um deus por natureza. Por fim, apelou pelo direito de liberdade religiosa e que nada impedia de ele ser adorado também. Com essa resposta agressiva e mais uma vez sincera, o eleitorado de Loki vibrou intensamente.



Mesmo mais uma vez derrotada, Nisa Contreras se mostrou empenhada mais uma vez em desmascarar as verdadeiras intenções de Loki. A coisa piorou quando os terroristas presos daquele atentado da HIDRA sofreram um misterioso acidente durante uma transferência de presídio e morreram. Pode ter sido um brincadeira de sua mente, mas a jornalistas ao ir até o local do acidente achou ter visto um vulto similar a Angela por ali. Estaria Loki apagando as pegadas de um provável vinculo com aqueles terroristas?

Outra situação que poderia deixar Loki embaraçado foi a questão de como atuar contra a disputa pelo poder na conturbada Latvéria, na época abandonada por Destino. Enquanto outros candidatos defendiam uma intervenção militar do governo americano, Loki insistia que nada valeira por em risco a vida de soldados dos EUA. No entanto, suas palavras bateram de frente com um acontecimento de dias depois. Durante uma ação de sucesso de um grupo rebelde em Doomstadt, um misterioso místico que os ajudava acabou se revelando com sendo Loki e Contreras registrou todas as provas em vídeo.

A jornalista achou que desta vez tinha vencido o jogo, mas ao retornar aos EUA, acabou se deparando com um discurso certeiro do Deus da Mentira. Ele não negou estar no ataque, ele disse que ele mesmo decidira se colocar na linha de frente nas revoltas latverianas e resolver tudo sem precisar expor ao perigo os filhos de famílias americanas. O povo aceitou com sorriso aquele discurso e mais uma vez bravejava que a imprensa era uma mentirosa e grande manipuladora da situação.



Nisa estava já desistindo da situação toda, pois até sua mãe que foi prejudicada por Loki no passado estava dando um voto de confiança pro asgardiano. Contudo, após um ataque mutante que quase colocou a vida de Loki em risco, a coisa foi mudando. Angela acabou descobrindo que de fato o seu "irmão" tinha dedo no tal ataque terrorista da HIDRA. Ela e a Thor acabaram se aliando ao decidir que de fato Loki não merecia ser eleito e convocaram Nisa para ajudar. Juntas, descobriram que a identidade que Loki usava antes (como o repórter freelancer Lucas) estava envolvido com os terroristas antes do ataque. No dia seguinte, mesmo com esses fatos novos e todas as provas, nem todo mundo acreditou na matéria.

A população começou a ficar dividida e todos estavam com os animos a flor da pele. Qualquer discussão no meio da rua virava faísca para uma briga pra valer entre lados. Os fieis a Loki achavam que a imprensa e governo atual eram conspiracionistas e a tensão aumentava a cada dia. Quando estava há um dia antes da eleição, Loki visitou Contreras e pediu sua ajuda para unificar as opiniões. Como tinha dito no começo, ele queria que ela se convencesse de suas intenções,  assim convencendo a todos, coisa que ainda não aconteceu. Então, Loki jogou uma última cartada. Abriu espaço num show ao vivo com plateia onde Nisa Contreras poderia perguntar o que quisesse para ele para enfim convencê-la.

Foi aí que a jornalista pensou além. Ao invés de ela realizar as perguntas, pediu para Loki responder questionamento de seus eleitores e assim fazer com que eles mesmos conhecessem mais de suas propostas. Foram feitas perguntas sobre planos de saúde ou mesmo sobre os posicionamentos políticos de Loki sobre questões de registros de mutantes ou inumanos foram colocadas na mesa. Em todas essas perguntas, Loki parecia bem acuado, sem saber o que responder e gerou desconfiança


Como a própria plateia parecia se dividir, Loki chamou atençao que aquela desavença desmedida entre os dois lados não levaria a nada. Com palavras acalentadoras, Loki não falava aquilo que seus eleitores mais extremistas queriam ouvir. Para eles, opositores eram parte do sistema que justamente eles achavam que Loki deveria lutar ariscamente como vinha fazendo. Mas o asgardiano sabia que não era assim que as coisas funcionavam de fato na política. Não se governa um todo tendo apenas uma metade.

No dia seguinte, tirando alguns estados pontuais, Loki perdeu. Nisa acabou mais uma vez coroada por seu trabalho em de novo desfraldar uma farsa política e tudo parecia bem. Foi quando Loki apareceu em sua casa, bem sorridente. Segundo ele, tudo aquilo foi como planejado. O que ele fez até ali foi para compensar seus erros com Nisa, dar ela aquele novo crédito em sua carreira. Nisa ficou confusa, não aceitava que tudo foi uma mentira dentro de uma mentira. Aquele mérito de ter derrotado Loki deveria ser seu. Loki deixou a dúvida no ar antes de partir. Para ele, certas coisas duradoras só podem acontecer com mudanças num nível menor, mais individual. Ele pode não ter ajudado um país, mas ajudou finalmente alguém que prejudicou no passado.

E agora, era ligar pro candidato vencedor e admitir a derrota. Uma derrota articulada por ele, com gostinho de vitória pra ambos os lados.


O que Christopher Hastings e Langdon Foss fizeram aqui nessa história foi demais. É uma história que certamente merece uma atenção bem maior do leitor, seguida de uma boa reflexão. Na época passou até batida, talvez por acontecer num momento em que as tensões estavam aos montes como os eleitores de Loki aqui. Hoje, talvez, relendo num encadernado, e cientes de tudo que aconteceu após as eleições, muitos possam enxergar melhor os paralelos aos montes que Hastings quis fazer aqui.

Já pra o nosso caso, essa história está ainda em tempo para ter algum efeito.

Coveiro

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