sábado, 2 de dezembro de 2017

O novo Editor-Chefe da Marvel e o caso do uso do pseudônimo de Akira Yoshida



Se você não é lá tão ligado nos quadrinhos, provavelmente isso passou longe do seu radar essa semana. Mas dentro do meio, mal passada uma semana após o anúncio do novo Editor-Chefe da Marvel Entertaiment, eis que uma polêmica surge em torno do seu nome. Teria C.B. Cebulski usado uma falsa identidade no passado para trabalhar no mercado de quadrinhos? E como sempre, quem levantou essa discussão foi o polêmico Bleeding Cool essa semana.

Pra contextualizar o pessoal primeiro, vale ressaltar que essa história remonta ao começo dos anos 2000, mais precisamente 13 anos atrás, e nem é exatamente uma história nova. Faz parte de rumores antigos que nunca tiveram uma confirmação. A diferença é que só agora a verdade foi confirmada pelo próprio C.B. Cebulski. Rich Johnston, do Bleeding Cool, foi o primeiro tocar no assunto assim que o nome de Cebulski veio a tona em seu novo cargo e voltou a pesquisar a verdade por trás da figura de  "Akira Yoshida", um nome de um roteirista japonês expoente no começo do século que foi rapidamente crescendo em editoras menores como a Dreamwave, passando pela Dark Horse até ser finalmente contratado pela Marvel.

Entre os principais trabalhos feitos por Akira estavam as minisséries X-Men/Quarteto Fantástico, Elektra: O Tentáculo, Thor: Filho de Asgard (com arte inclusive do brasileiro Greg Tochini), algumas edições de X-Men: Era do Apocalipse, e as mais conhecidas e últimas de suas obras - Wolverine: Soultaker e X-Men: Kitty Pryde - Shadow & Flame. Yoshida só teria mais um trabalho depois disso, pela Dark Horse, num projeto feito em 2006 chamado "Conan e os Demônios de Khitai". São trabalhos marcantes, você deve se lembrar de alguns deles.



Depois desse ano, o nome de Akira Yoshida sumiu do mercado sem muitas explicações e começaram as perguntas. Seu rosto nunca antes visto já era algo suspeito. Não demorou para que alguns jornalistas da área ficassem com a pulga atrás da orelha. Rich Johnston, que na época trabalhava pra o ComicBookResources com uma coluna de fofocas sobre os bastidores dos quadrinhos foi o primeiro a ir incansável atrás desse assunto. Em sua matéria publicada agora, ele conta que desde 2006 abordava o C.B. Cebulski sobre ele estar por trás daquelas histórias e usar o pseudônimo japonês Akira Yoshida. Ele negou veementemente na época, como em muitas outras ocasiões. A história acabou ganhando respaldo de outros editores da Marvel como Mike Marts que corroborou o fato inclusive dizendo que almoçara com Akira pessoalmente 

A verdade é que após assumir o posto de Editor-Chefe da Marvel e em viagem de volta aos EUA depois de anos sendo o principal rosto no oriente representando a Marvel, C.B. Cebulski foi de novo abordado e pressionado por Rich sobre a história e achou por bem revelar tudo:
"Eu parei de escrever sobre o pseudônimo de Akira Yoshida depois de um ano. Não foi algo transparente, mas me ensinou muito sobre escrita, comunicação e pressão. Eu era um cara jovem e sem experiência e tive que aprender muito de uns tempos pra cá. Mas isso é um assunto velho que eu já tive que lidar. Agora, como Editor-Chefe da Marvel, eu estou virando essa página e bem animado em começar a dividir todas as minhas experiências na Marvel até agora e trazer talentos de todo o mundo".

O uso de pseudônimos por artistas não é novo, por inúmeras razões. Casos clássicos mesmo fora dos quadrinhos como Stephen King que se passou por Richard Bachman e recentemente J.K. Rowling que tentou se passar por Robert Galbraith são exemplos. Mas o motivo por C.B. Cebulski apelar para isso na época foi um tanto diferente. Vou tentar resumir a história para vocês a seguir:





Quando começou sua carreira nos quadrinhos, C.B. era um editor de Mangas para a pequena editora Central Park Media em Nova York, mas logo foi contratado pela própria Marvel para cuidar de seu "Mangaverso" nos anos 2002. Nesse meio tempo, eis que o jovem C.B. quis investir na carreira de escritor. Só que como a Marvel tinha políticas rígidas para seus funcionários ocupando outras funções, decidiu então criar a figura de Akira Yoshida e começou seus trabalhos inicialmente para companhias pequenas com  Darkstalkers pra Dreamwave e depois Hellboy e Conan para a Dark Horse. Mal sabia ele que a Marvel logo colocaria os holofotes sobre aquele jovem talento japonês que escrevia tão bem títulos nos EUA.

C.B. Cebulski se viu numa encruzilhada. Na época, a empresa ainda estava na batuta de Bill Jemas, considerado um dos momentos mais conturbados na Marvel. Havia uma regra por lá que proibia que seus funcionários escrevessem ou desenhassem as revistas e se assim fossem, quando aprovado, não deveriam ganhar por elas nada além do que já ganhavam pelo seus salários. Eram tempos diferentes do começo da Marvel em que Stan Lee, Roy Thomas e muitos dos que vieram depois se dividiam entre essas funções e que davam a Marvel a cara mais de Bullpen.

Talvez temendo que as suas duas carreiras acabassem mal, C.B. Cebulski acabou decidindo manter a farsa, dizem que chegou até a colocar um amigo tradutor japonês se passando por Akira em dada visita ao editorial da Marvel quando os executivos pediram pelo escritor. Assim, ele continuou com a história por mais um ano. Contudo, já ciente de que a mentira não teria vida longa, decidiu encerrar de vez a "vida" de Akira em 2006. Apesar de isso não ter vindo a público na época, a Marvel acabou descobrindo essa confusão um pouco depois e Cebulski foi obrigado a confessar aos executivos o que tinha sido feito. Ele quase foi demitido, mas apelou dentro da empresa.

Desde então, Cebulski decidiu acabar de vez com suas pretensões de virar escritor. Foi recontratado pela empresa como um caça-talentos e saiu mundo afora conhecendo e fazendo laços com a maior parte da nova geração de talentos que despontou no mundo dos quadrinhos nos últimos 10 anos. Atualmente, mais uma vez, tem um cargo mais executivo com trabalhos ligados ao outro lado do continente sendo o vice-presidente da empresa responsável por levar a marca da Marvel nos países asiáticos. Antes de ser anunciado para o cargo de Editor-Chefe, tinha planos para revistas e personagens da editora que seriam lançados primeiro com exclusividade na China.



É certo que toda essa história do seu passado cai meio indigesta para o começo do novo Editor-Chefe da Mavel que mal mostrou ainda a que veio. Além do fato de ter ferido uma das regras da empresa na época, o cerne da questão da polêmica dessa história vai além. Mesmo com toda experiência, conhecimento sobre a cultura e ter vivido parte da vida e estudado na Universidade Kwansai Gakuin no Japão, Cebulski é apenas um americano e não o  suposto escritor de nacionalidade japonesa que todos vibraram por conseguir captar tão bem o estilo do público americano na época como foi-lhe rotulado.  E apesar de que naquele tempo isso provavelmente não seria visto como um grande problema, hoje C.B. é acusado de apropriação cultural e "yellowface".

Só que mesmo com parte do público se ouriçando com isso, C.B. Cebulski ainda é um nome bastante querido e muito bem recebido pelo roteiristas, artistas, demais colegas de trabalho. Seu antigo erro que pareceu se escalonar demais na perspectiva dos tempos de agora, tem sido visto com certa compreensão pela grande maioria que comemorou a promoção do cargo semana passada. Uma das que se levantou de imediato em defesa de Cebulski foi a editora descendente de paquistaneses imigrados nos EUA, Sana Amanat:

"Esse é um mundo que ele conhece. Ele é uma das minhas pessoas favoritas. Eu acho que muitas pessoas que conhecem o CB irão saber que ele é uma das pessoas com a mentalidade mais global já vista, culturalmente e emocionalmente. Aquele homem viveu no Japão, fala Japonês, e já viveu por todo o mundo. Ele é muito ligado a cultura Japonesa. E eu acho que ele escrevendo, não importa em que tempo foi, foi apenas ele arriscando virar um escritor mais do que qualquer coisa" disse ela ao Channel NewsAsia.

"Claro que eu acho que temos que ser muito sensitivos sobre questões de apropriação cultural e whitewashing, mas eu também acho fundamentalmente que, se temos a oportunidade de criar mais consciência sobre um tipo particular de personagem, seja ele um personagem asiático ou um personagem negro, que isso seja nosso objetivo principal. Conta uma história que seja autêntica, honesta, diversidade e verdadeira o possível sobre esse personagem. Pois é isso que vai realmente criar a consciência sobre um grupo cultural em particular. É claro que nós queremos também autenticidade cultural e ter certeza de que eles estão chamando essas pessoas nos bastidores, mas primariamente nosso objetivo é ter esse tipo de personagens por aí".

Para citar um exemplo do seu ponto de vista, ela citou Brian Michael Bendis que criou personagens como o Miles Morales e a Riri Williams na intenção de ampliar a diversidade na editora. "Temos que parar de dispensar pessoas quando elas querem poder promover isso. Porque senão iremos criar um linha cultural grande e profunda de tal jeito que serão de lados antagônicos. Temos que começar a aprender a nos comunicar e deixar de ser tão raivosos".



Como citei em parte do texto, essa história acabou tomando ares muito maiores ao ser dimensionada como se acontecesse nos dias de hoje. Sendo um aspirante a escritor que ainda pretendia se manter no seu emprego e não se arriscar totalmente, é inegável que C.B. acabou cometendo um erro e pagou pela sua imaturidade como o próprio já disse. Se ele podia compensar de alguma forma por ter usado inadvertidamente um título que lhe era indevido, certamente seria da maneira que o fez - indo mundo afora em diversos países dos mais distantes continentes e buscando esses roteiristas e desenhistas não-americanos e levá-los a empresa. Nessa balança, não só a mim, mas para qualquer um é fácil avaliar o quanto C.B. contribuiu para deixar o corpo criativo das publicações Marvel mais diversificado. Nessa análise, infelizmente, alguns veículos acabam colocando de lado tudo isso na hora de incendiar a questão como foi o próprio caso do Bleeding Cool.

De qualquer forma, diferente do que muitos acham que foi um mal começo pra um novo Editor-Chefe, acho que resolver questões antigas e por os pratos limpos é na verdade um bom início nesta sua nova fase. Os desafios de C.B. a partir de agora são muito maiores do que isso, certamente.
Coveiro

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