sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Em Foco: Casa ou compra uma bicicleta?

*Artigo em comemoração aos 50 anos do Homem-Aranha!

O Amigão da Vizinhança completou 500 edições nacionais e 50 anos de criação como vocês viram. E, nestes anos, nosso herói teve algumas namoradas, amores, casos, etc. Alguns mais importantes que outros. Mas o mais marcante na vida de Peter Parker não foram apenas as mulheres que passaram por ela, nem mesmo se seu verdadeiro amor é Gwen ou Mary Jane, e sim porque é tão difícil e conturbada a vida amorosa do Homem-Aranha. Aqui eu vou falar um pouco sobre essa trajetória e a relutância em deixar o Homem-Aranha ser um Homem de família.

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Vocês leram a pouco um Em Foco do nosso redator, Felga, sobre o ciclo de vida os heróis. De como é muito difícil um herói envelhecer sem que isso traga problemas para a cronologia. Vou falar de algo parecido, mas focando em outra questão: o casamento dos heróis. Isso me veio à cabeça na Maratona616 do filme do Homem-Aranha, em um comentário da leitora Rapahela (que até perguntei se queria escrever sobre isso!). Ela disse:

“Gwen seria aquele primeiro grande e verdadeiro amor (Betty não se encaixa neste perfil). Ficou um relacionamento puro, ingênuo, quase um conto de fadas que se transforma em pesadelo. (...) MJ passou a representar uma nova época... a revolução sexual da segunda metade dos anos 60. Independente, bonita, sexy, mas sem fazer o papel de mulher objeto. Todos a amam. Mas é ela quem dita às regras. Feminismo nos quadrinhos. Sai a loira (boa p/ casar), mesmo sendo inteligente (mas não tão independente) e entra a super ruiva.”

Foi então que comecei a pensar nesse estereótipo da moça pra casar e da mulher-independente/poderosa. Nas histórias do Homem-Aranha, o simbolismo entre loira (pura) e ruiva (safada) é até bem interessante de avaliar, mas nos outros personagens ele se perde. Lembrei-me de muitos que trocaram ruivas por loiras no final (Gavião, Ciclope...). Mas a história de Peter Parker tem um “quê” diferente, é a história de cada um de nós, é a história do menino comum. É cheia de simbologias sobre a vida e acho muito forte qualquer analogia no decorrer da história deste querido personagem. Por isso acho que, apesar de não notarmos tão obviamente o mesmo em outros heróis, aqui a simbologia é importante. Não entre loira e ruiva que, claro, são só estereótipos, mas entre o "pra casar” e seu oposto. O engraçado é que mesmo tentando fugir de um rumo certo para uma vida a dois trocando a mocinha, pra Peter parece que todos os caminhos levavam a um casamento (até que o diabo os separe), mas ainda chegaremos lá.

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Além das pessoas, outra evolução natural são os relacionamentos entre elas. Relacionamentos também amadurecem e, na medida em que isso acorre, ou ele segue um curso ou acaba. O casamento não é o único curso que um relacionamento pode ter, mas em 1960 não cabiam muitas interpretações. De qualquer forma, a curso natural seria o “final feliz”, onde os envolvidos permanecem juntos. Porém, como disse, nas HQs, principalmente as escritas em meados de 1970, a progressão de um relacionamento era o casamento. Peter e Gwen começam um namoro que evolui e se torna algo especial. Um relacionamento que superava barreiras de rótulos ou posição social. Mas, tão recente era a origem do Homem-Aranha, que casar neste ponto de sua vida parecia não natural para o herói. Já li depoimentos de roteiristas que dizem que os personagens evoluem quase independentemente deles. É claro que eles não ganharam vida própria, mas que a partir do que lhes é proposto eles seguem um rumo natural, quase inquebrável. Pois bem, Parker e Stacy seguiram este rumo e chegou-se em um ponto crucial em que eles tinham de se separar, pois um herói de história tão recente não poderia se casar.

Como fazer isso? Transformar mocinha querida do público em vilã como muitos clichês fazem iria deixar os leitores com raiva (o que acabou acontecendo de certa forma depois e, de fato, deixou a todos com gosto amargo, mas vamos esquecer isso), uma rival, e MJ já existia na trama como amiga nesta época, não a superaria. Restava matá-la, algo que dificilmente vemos acontecer nas histórias Marvel: Um personagem de grande importância e apelo popular morrer e não voltar. E ela está morta, com certo contragosto de um de seus criadores – Stan Lee – desde 1973. É declarado pelos roteiristas que sua morte foi por não saberem o que mais fazer com a personagem, uma vez que ela viva o relacionamento com Peter seria inevitavelmente transformado em casamento e isso não podia acontecer na opinião dos roteiristas e editor chefe da época (Gerry Conway, John Romita, e Roy Thomas).

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Era então a deixa pra tornar Mary Jane o próximo interesse amoroso do cabeça de teia. A personagem já havia sido introduzida na trama com este propósito por Stan Lee e Steve Ditko, mas a relação de Parker e Stacy não dava espaço pra outra. Interessante saber que existia uma controvérsia entre os dois criadores quanto à aparência da moça: Lee queria que ela fosse estonteantemente bela e Ditko queria ser mais fiel à realidade e fazê-la um tanto feia. A indecisão leva Mary Jane a aparecer diversas vezes com o rosto escondido nas primeiras vezes em que foi citada nas histórias. Com a saída de Ditko,a vontade de Stan venceu e ela foi retratada não só bela, como modelo até. Uma mulher que escondia seus problemas através de um exterior arrojado, independente e deslumbrante. Para a época, uma modelo que vive de badalações e festas é basicamente um contraponto de uma futura cientista filha de policial. Não bastava deixar Gwen de lado, tinham que criar uma personagem que não seria tão facilmente levada a casar, e evitar novamente este problema que acabavam de passar na trama.

De fato, com MJ foi um caminho bem mais tortuoso e pouco mais demorado, mas mesmo assim, o relacionamento chega novamente ao ponto em que ou casa ou compra uma bicicleta. Ou casa (visão romântica de final feliz para uma história da época, claro) ou termina. De novo. Seria o destino fatal de Peter Parker? Um personagem tão dado ao laço matrimonial que nem os roteiristas conseguiram mudar isso? De certa forma, sim. Um homem (já crescido a certo ponto), que lutou seu lugar na vida, com instinto heroico de honestidade, devoto ao outro, criado por um casal feliz até que a morte os separou, romântico, caseiro... ok, não é isso que torna uma pessoa propensa a se casar, mas convenhamos que esses fatores mostram que a personalidade de Parker era muito propícia a isso uma vez envolvido em um relacionamento sério. Não adiantou colocá-lo com a mulher independente e poderosa, a princípio não interessada em nada sério, os roteiristas se renderam e eles acabaram por casar.

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E o estereótipo de mulher independente vs. moça pra casar, como fica? Sabemos que MJ escondia atrás desta força uma pessoa frágil e essa era a verdadeira Mary Jane Watson. Não adianta, roteiristas Marvel (principalmente anos atrás) não podiam conceber uma mocinha que não fosse “pra casar”. E é exatamente quando ela se despe desta carapaça de mulher forte e adepta a si, contando seus segredos pra Peter que ele admite amá-la ainda mais. A concepção da personagem era de fazer uma “anti-mocinha” e era genial ter uma personagem assim, mas como um bom clichê, ela, no fundo, era uma mocinha como as mocinhas sempre foram por assim dizer. Esse conceito é, talvez, retomado no tempo que o Homem-Aranha tem um relacionamento com Felicia Hardy, a Gata Negra, mas esse relacionamento não dura e Peter retoma (então casando) com MJ.

Talvez o problema esteja em conceber que o “final feliz” de um relacionamento seja sempre visto como o momento de união extrema do casal, tido muitas vezes como o casamento. Vejam os exemplos dos filmes de romance ou comédias românticas: a trama é o que leva para o casal conseguir ficar junto e o final – feliz – quando eles se unem, casam, namoram, etc... Por quê? Depois eles morrem? Não existe vida após a vida a dois? É isso que as novelas/romances nos ensinam. A jornada para um casal ficar junto é bonita, é digna de roteiro, porém, uma vez juntos, sua história acabou. Ou a parte interessante dela. Quem quer ver a história de um casal no dia a dia? Quantos filmes ou histórias em quadrinhos mostram isso? Pouquíssimos. Nas HQs, raros são os homens/mulheres casados que rendem histórias, em sua maioria os que já foram concebidos como personagem para este fim, como Reed Richards e Sue Storm (e nem assim escaparam de triângulos amorosos em meio à trama).

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É então que eu achava o grande salto nas histórias do Aracnídeo. Ele casou, e que interessante eu considerava um herói ter de lidar com a vida de casado, os problemas de alguém em uma vida a dois. E, realmente, o casamento de Mary Jane e Peter é dos mais atribulados possíveis com vilões, clones e bebês roubados no meio do caminho. Existia, ainda, outro elemento interessantíssimo neste casamento retratado nas HQs: um herói casado com uma cidadã comum. Mais raro ainda que heróis casados com heróis. Quanta história pra ser explorada com este diferencial. MJ lida com algo extraordinário e sua devoção ao casamento (e a de Parker) torna o casal um dos mais bem sucedidos das histórias em quadrinhos (e, porque não dizer das histórias como um todo?), na minha opinião.

Contudo, acabaram os temas exploráveis e o casamento “amadureceu” demais (isso é possível?) o nosso herói, decidiram na Casa das Ideias. Deu o que tinha que dar, era hora de torná-lo solteiro de novo. E retornam ao dilema de como se livrar da mocinha já tão caída nas graças do público. Matá-la de novo seria trágico demais e então veio o “elaborado” pacto que além de separar o casal fez toda sua história desaparecer (resumindo bastante). De novo, não bastava deixá-lo solteiro novamente, ele devia estar livre de laços anteriores fortes como um casamento para começar do zero. Acho que é o que muitos gostariam de fazer na vida real, não? E pra satisfazer essa vontade de poder começar uma vida nova na vida real a cada tantas edições, talvez, fizeram isso com o personagem mais icônico da editora. Desculpem, não consigo ser imparcial neste momento.

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Exatamente por ser um personagem icônico, eu talvez entenda (não que eu goste, mas entenda) a necessidade de deixá-lo aberto para novas tramas e novos leitores. Pode ser que fosse algo marcante demais justo este, justo o herói mais ligado ao leitor comum, com quem ele se relaciona, ser um homem casado. Até aí, tudo bem. Sabemos que relacionamentos e casamentos terminam, faz parte da vida, o problema, pra mim, é a necessidade de “zerar” a vida amorosa do protagonista. Veja bem, tenho que dar o exemplo dos personagens que acompanho mais de perto como Tony Stark e Pepper Pots. Adoro-os como casal, como tensão amorosa, mas a partir do momento que eles ficarem juntos de vez, a possibilidade de trama acaba (ou muda completamente), porque não é do perfil do herói aqui ser um homem casado. Seria mudar bruscamente. O mesmo vale pro tão aclamado pelas leitoras Vampira e Gambit. Porém, este não é o caso de Peter. Peter é dado a relacionamentos, amores e, sobretudo, responsabilidades. É o mote do personagem, oras!

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Pobre, Peter. Fadado a ter uma vida amorosa desastrosa e cheia de percalços graças aos seus roteiristas que não aceitam que ele seja um homem maduro e estabilizado em uma relação. Que querem viver suas vidas através do personagem “livre, leve e solto”. Que não aproveitam as boas tramas que podem vir de um herói comprometido. Que não entendem que com grandes amores, vêm grandes responsabilidades.

Cammy

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