segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Grandes Histórias da Marvel no Brasil: Marvel na Globo e as brigas com a Abril


A VOLTA DA MARVEL PELA GLOBO E AS BRIGAS COM A EDITORA ABRIL.



EM 1987 AS EDITORAS VOLTAVAM A DISPUTAR PARTE DO UNIVERSO MARVEL

A Editora Globo em 1987 estava se estruturando com toda a sua linha de quadrinhos. Após deixar a marca RGE para trás, uma nova equipe editorial estava sendo montada, e uma das grandes cartadas aconteceria dentro dessa nova fase.  A partir desse ano a Globo iria editar todas as revistas do universo do Maurício de Sousa. Toda a turma da Mônica migraria da Abril para a Globo com uma enxurrada de publicações. Outra mudança era na direção editorial.  Depois de dois anos como editor na Editora Abril, Leandro Luigi Del Manto trocaria a Abril pela Editora Globo. E na editora de Roberto Marinho, ele daria continuidade, editando outros diversos títulos, principalmente com material do selo Epic. O próprio Leandro comenta sobre sua mudança, e a nova estrutura da Globo:



“Na Abril, eu editei muita coisa da DC também. Eu lembro que estava saindo o Monstro do Pântano, do Alan Moore, que era publicado nos formatinhos (na revista Superamigos) e em uma edição de Super Powers, foi publicado um arco de histórias que fechava uma saga do personagem. A capa era um close do rosto do Monstro do Pântano. Essa capa me deu uma dor de cabeça que não fazem ideia. Não tinha como usar outra capa, porque fazia parte daquele arco de histórias, e a capa dizia tudo. Era autoexplicativa. O pessoal do comercial barrou a capa, alegando que era feia.    

Começou a rolar um bate-boca, eu com o diretor comercial da época,o Eduardo Macedo. Eu achei que fosse ser mandado embora. A gente teve essa discussão, onde todo mundo ficou alterado. Eu defendendo a capa, dizendo que tinha de ser aquela, que a capa era boa; e ele dizendo que não era. Depois de uma longa conversa, ele perguntou então: ‘Você garante que a capa é boa?’ Eu escolhi a capa, tem que ser essa. Então, meio a contragosto, a capa foi publicada! Daí, passados alguns meses, o Eduardo Macedo foi se despedir da gente. Ele saiu da Abril e a gente ficou sabendo, depois, que ele foi trabalhar na Globo. A Editora Globo ia retomar a parte de quadrinhos. Ele foi chamado para cuidar da parte comercial, na editora”, afirma Leandro Luigi Del Manto.

“Na minha época da Abril, eles dividiram as redações. Tinha a redação juvenil de super-heróis e a redação adulta. Eu, por gostar mais do material adulto, acabei sendo levado para a redação de quadrinhos adultos, e o Sérgio Figueiredo ficou na redação de super-heróis. Um dia, o Eduardo me liga lá da Globo, dizendo: ‘Lembra de mim? A gente brigou pela capa do Monstro do Pântano. Você não quer vir aqui para a gente conversar?’ Então, dei um jeito de ir até lá.  Chegando à Editora Globo, ele me disse: ‘É o seguinte: nós estamos abrindo uma nova redação de quadrinhos aqui na Globo, e precisamos de alguém que cuide do material não infantil. Você tem interesse?’ Eu disse: “O que vocês estão pretendendo? E ele: “Olha, eu vou abrir o jogo, mas não pode sair daqui’. Ele abriu a gaveta da mesa dele e começou a tirar pilhas e mais pilhas de revistas. Tirou Akira, Sandman, Dreadstar, a minissérie do Pantera Negra, V de Vingança, Orquídea Negra, entre muitas outras. O fator determinante foi Sandman, porque este eu já tinha tentado publicar na Abril, inclusive junto com o V de Vingança, em uma revista de antologia de material adulto, que depois acabou virando o gibi Vertigo. Quando vi Sandman na mesa, perguntei: ‘onde é que eu assino’?”, recorda. Leandro Luigi Del Manto complementa: “Eu acertei as coisas na Abril e virei editor na Globo. Pouco tempo depois, começamos a lançar Akira, a Graphic Novel do Dreadstar, que foi publicada na coleção Graphic Globo, onde foi mostrada “Marada, a Mulher Lobo”, que era da Epic. Aí, começou a aparecer um monte de outros materiais da Epic para publicarmos.”


Com a saída de Leandro Luigi da Abril para a Globo, o Estúdio Art & Comics, de Hélcio de Carvalho e Jotapê, que já estava sendo responsável por boa parte da editoração feita para diversas editoras, seria, também, responsável pelo primeiro ano de publicações da Editora Globo. Todos os títulos publicados nesse primeiro ano foram indicados e produzidos pelo estúdio. Jotapê conta sobre aquele inicio:

“A Abril não restringiu, dizendo ‘Olha, vocês só vão trabalhar com a gente’. E assim podíamos trabalhar com outras editoras. Atuamos com a Cedibra, com a Brasiliense e a Globo. Da minha parte e da parte do Hélcio, tomamos muito cuidado, porque quando a gente trabalhou com a Globo, a editora queria pegar material da Marvel e da DC. E pediram a nossa assessoria, só que eu não podia chegar e ficar passando "inside information" da Abril para a Globo. Então, nós tomamos muito cuidado. Os materiais que a gente sugeriu para a Globo eram dos que a gente sabia que a Abril não tinha interesse algum. Tudo aquilo que a Globo publicou no primeiro ano foi programado por mim e pelo Hélcio. “Dreadstar”, “Demônio da Mão de Vidro”, “Sandman”... Sandman tinha sido recusado pela Abril e a gente sabia que a Abril não queria publicar. Então, aquele material estava liberado. Anos depois eles se arrependeram”, conclui.

A Globo publicou muita coisa boa, na chegada de Leandro. Da linha Epic, a minissérie científica “A Guerra da Luz e Trevas”, foi a primeira a ser publicada. “Dreadstar, O Guerreiro das Estrelas” de Jim Starlin, estava de volta ao Brasil. A Globo daria continuidade nas histórias exatamente de onde a Editora Abril tinha parado, em Epic Marvel. Publicada em formatinho, a Globo veiculou todo o material editado pela Marvel no selo Epic. Com a saída de Starlin da Marvel, “Dreadstar” seria publicado nos EUA pela Editora Pacific, e a Globo encerraria a revista após 10 edições publicadas.

A minissérie “Moonshadow”, de J.M Dematteis e Jon J. Muth, conhecida como “Um conto de fadas para adultos”, foi publicada em 12 edições. “O Último Americano”, de Alan Grant, John Wagner e Mike McMahon, ganhou a sua minissérie em quatro edições. Também em quatro edições, tivemos a minissérie “Cartas Selvagens”, de Melinda Snodgrass e Marshall Rogers. As histórias de “A Guerra da Luz e Trevas”, Moonshadow, “O Último Americano” e “Cartas Selvagens” tiveram as suas versões encadernadas na coleção “Minissérie Completa”.

Um dos maiores sucessos publicados pela Globo foi a série “Akira”, de Katsuhiro Otomo. E aqui, um grande enrosco se iniciava entre a Globo e a Abril. O interessante em relação à série “Akira” é que o mangá tinha sido prometido pela Abril. Na seção de cartas, publicada em “Homem-Aranha” n° 69, no editorial anunciando os próximos lançamentos, “Akira” estava incluída na linha de novidades da Abril. Porém, a série foi editada por Leandro Luigi na Editora Globo.

“Uma coisa que ficou bastante clara, depois que saí da Abril, foi que a editora achava que tinha prioridade em tudo, pois até o momento, não havia ninguém que pudesse fazer alguma concorrência com ela. Com o interesse da Globo em quadrinhos, além de Maurício de Sousa, passou a existir uma "quebra" nesse monopólio. Então, é bem possível que tenham respondido essa carta com certa ingenuidade, achando que a Abril teria prioridade sobre aqueles materiais. A Marvel serviu como um contato com a Kodansha. O contrato foi fechado com a Kodansha e o material de reprodução era comprado da Marvel/Epic”, conta Leandro Luigi Del Manto.

E “Akira” teve a sua publicação completa no Brasil em 38 edições, entre 1990 e 1998. Já da linha dos super-heróis, a Globo publicou a nova série do Pantera Negra, lançada em 1988 pela Marvel, com textos de Peter B. Gillis e desenhos de Denys Cowan. No Brasil, foi adaptada em 1990 pela Globo, como uma minissérie em duas edições. Toda essa divisão de quadrinhos entre a Abril e a Globo é explicada pelo editor Leandro Luigi, que nos conta como ocorreu o contato para que a Editora Globo publicasse parte do material da Marvel da seguinte maneira:

 

“Hoje, você entra em contato direto com as editoras lá fora e negocia os contratos. Na época, não era essa facilidade que temos hoje em dia. Você tinha intermediários editoriais, que eram empresas de licenciamento. Naquele período, havia duas grandes empresas de licenciamento no Brasil. Uma era a Character, que era aqui em São Paulo, que cuidava do material da DC Comics. A outra era chamada ICA Press (antiga APLA, que agora atendia como ICA Press), que era do Rio de Janeiro. Essa cuidava só do material da Marvel e da King Features. Um belo dia, eles marcaram uma reunião com a gente e mandaram antes uma pilha de revistas, perguntando se tínhamos interesse em publicar algumas delas. Essas revistas vinham com um selo colorido da ICA Press, colado na capa. Essa pilha de revistas era toda composta com material da Marvel. No meio, tinha Excalibur, Moon Knight, Power Pack e Esquadrão Supremo. Todo material que ia gerar a revista Marvel Force estava naquela pilha. Chegando lá, conversamos e eles disseram que já tinham oferecido esse material para a Abril, e que a editora não queria lançar naquele momento, que iriam publicar só mais para a frente, por causa da cronologia”.

Leandro Luigi prossegue seu raciocínio: “Eu não sei se a ICA estava tentando descobrir alguém que pudesse substituir a Abril ou, de repente, virar um concorrente forte em relação ao material da Marvel no Brasil. Aí ofereceram para nós o material que a Abril não queria. Os representantes da ICA disseram o seguinte: ‘Tivemos o OK da Marvel de oferecer para outra editora aqui no Brasil, vocês estão interessados?’ Olharam para mim e eu disse: ‘lógico’. Não é o momento de publicar isso agora, mas dá para publicar. Não tem nada que não possa publicar que você não explique isso em editorial ou em um texto. Foi o que fizemos. Não é o momento, mas podemos explicar e situar o leitor em relação ao porquê dessas histórias estarem sendo publicadas agora. Foi assim que surgiu a revista Marvel Force, que trouxe séries legais, como “Excalibur”, “Cavaleiro da Lua”, “Esquadrão Supremo”, “Quarteto Futuro”, “Guardiões da Galáxia”, “Novos Guerreiros”, etc.”




A Globo também publicou a sua série de Graphics Novels. A coleção, chamada de “Graphic Globo”, publicou alguns materiais da Marvel e da linha Epic, e teve a sua estreia com “Dreadstar”, de Jim Starlin. A edição n° 03, com “Marada - a Mulher Lobo”, de Chris Claremont e John Bolton; “Elric - A Cidade dos Sonhos”, de Michael Moorcock, na edição n° 04; e “Dreadstar Especial”, na edição n° 10. Da Marvel, na edição n° 08, a Globo publicou a série mutante “Excalibur”, de Chris Claremont e Alan Davis, um dos grandes sucessos dessa época, sendo um dos campeões de vendas nos Estados Unidos. Mas o grande problema em publicar Excalibur nesse momento era pelas histórias estarem muito adiantadas em relação ao que a Editora Abril estava publicando. Principalmente pelo fato de alguns arcos estarem ligados às histórias dos X-Men.  A série “Excalibur” conta com a presença dos X-Men, Noturno e Kitty Pryde, mais as participações do Capitão Bretanha, de sua namorada transmorfa Meggan e de Rachel Summers, a Fênix de outra realidade. Todos esses personagens se juntam após os fatos apresentados na saga “A Queda de Mutantes”. A Graphic Novel do Excalibur foi publicada em maio de 1991, sete meses antes da Abril publicar a “Queda dos Mutantes”, em janeiro de 1992. A revista foi publicada com um texto explicando o tempo em que a história estava localizada.




O gibi da discórdia.


“Para publicar Excalibur, eu tive que contar um monte de coisas, que não tinha acontecido ainda, e aí fizemos a revista Marvel Force. Quando a revista saiu, foi uma revolução, porque não era um conteúdo de primeiro escalão, não era o ‘creme de la creme’. Era o que estava disponível. Vamos usar isso aí é tentar fazer da melhor forma possível”, comenta Leandro. Quem não ficou nada feliz com todas as novidades da Globo foi a Abril. Por ter pego algumas histórias e personagens, tanto da Marvel quanto da DC, uma guerra entre as editoras dava início.

A Graphic do Excalibur foi o estopim para o início do embate entre a Globo e a Abril. Os lançamentos dos quadrinhos Marvel pela Globo foram o suficiente para começar uma guerra nos bastidores entre as editoras. O conflito entre ambas acabou virando notícia de capa de jornal. Publicado em 08 de maio de 1991 pelo jornal “O Estado de São Paulo” a matéria chamada “O dia em que o Universo Marvel rachou” assinada pelo jornalista Marcel Plasse e Eduardo Bueno, apresentava o clima tenso entre as editoras.

A matéria do Estado de São Paulo vinha com depoimentos dos editores Sérgio Figueiredo e Leandro Luigi Del Manto, destacando o lançamento de Excalibur, que até então estava sendo mantido em segredo. A Abril não sabia que a Globo tinha adquirido os direitos do novo grupo escrito por Chris Claremont. E muito menos o estúdio Art & Comics, que produzia as revistas de ambas editoras. O lançamento foi descoberto quando a Globo anunciou que Excalibur seria promovido em um evento na gibiteca Henfil, em São Paulo.  “Vamos dar uma balançada geral na cronologia da Abril” dizia Leandro Luigi na matéria do jornal. Do outro lado, Sérgio Figueiredo editor-chefe da Abril comentava que a atitude da Globo era “empírica e incompetente” com o argumento de que “os leitores não são burros para compreender a defasagem de tempo entre as histórias que a gente publica e as que eles estão prometendo. São capazes de desacreditar todo o trabalho de continuidade que fizemos nesses últimos dez anos”, conclui.

Excalibur naturalmente iria entrar na programação da Abril. Mas somente no tempo certo. Com os direitos nas mãos da Globo, Sérgio ainda acusava a Ica Press de traição. Por sua vez, Leandro Luigi critica a atitude monopolista da Abril,  dizendo que as negociações para a publicação de Excalibur levaram quase um ano. “De tempos em tempos, os representantes mandam os títulos para as editoras, que tem prazo determinado para responder se estão interessadas. No caso de Excalibur, a Abril simplesmente marcou”, conclui.

O diretor e responsável pela Ica Press, Luís Rosemberg, disse “Não vamos jogar nenhuma lenha nessa fogueira. Se a Abril se sente atingida e nos acusa, vamos tentar resolver a questão entre nós, longe dos jornais. O público não tem nada a ver com essa briga.” A Ica Press, que representava a Marvel no Brasil cerca de 35 anos, tentava ficar neutra entre a Globo e a Abril. De fato, a Ica Press queria mesmo era vender o maior número de títulos possíveis. E não se importava com quem fosse publicar, desde que fosse publicado. E os leitores, a essa altura, muito menos.

A Globo estava criando muitas dores de cabeça para a Abril. Além dos personagens da Marvel, a Globo publicou alguns da DC. Entre eles a minissérie do “Lobo” de Simon Bisley, e os já citados, “Orquídea Negra”, “V de Vingança” e “Sandman”.

“Sempre que houver ligação com o material da Abril, a gente publica notinhas explicativas” diz Leandro Luigi na matéria do Estado. Sergio Figueiredo rebate, “Excalibur é ininteligível fora da cronologia. Com notinhas explicativas , além de detonarem nossa cronologia, vão revelar coisas que ainda não publicamos.” Na matéria ainda é apontada a opinião do editor Leandro Luigi Del Manto, rechaçando que não concorda com a denominação adotada pela Abril para os personagens que ambas editoras irão publicar e promete mais polêmica.

“É inaceitável traduzirem Rogue por Vampira”, diz Leandro. Prometendo alterar os nomes adotados pela Abril de Lince Negra e Destrutor para Shadow Cat e Havock. Na edição de Excalibur da Globo, Vampira é chamada de Rogue, cumprindo assim a sua promessa, mantendo os nomes originais dos personagens.  



Sim, na Globo Vampira era “Rogue”.


A matéria termina com Sérgio Figueiredo detonando a postura da Globo. “A RGE que é como a Globo se chamava antes, acabou com a Marvel no Brasil. Eles publicavam coisas absurdas, como histórias com cinco anos de diferença entre si na mesma revista.” E conclui, “ Conseguiram levar a venda da revista do Homem-Aranha de 100 mil para 10 mil no final de sua carreira. Com a mediocridade que lhes cabe, agora provam que não levam o mercado a sério. É isso o que a gente chama de retrocesso.”, conclui.

Mesmo com todas as farpas trocadas, a Globo mais uma vez conseguiria uma parte do Universo Marvel e também ser a pedra no sapato da Abril. E assim, a Globo conquistava uma parcela do mercado nacional.

Depois de Graphic Globo nº 08, a revista Marvel Force, em formatinho, trazia a nova série “Excalibur”, de Chris Claremont e Alan Davis, publicando desde a edição 01 americana.  Com Power Pack (Quarteto Futuro, que acabou sendo chamado de Power Pack), a Globo republicou algumas das histórias editadas pela Abril, e daria continuidade com histórias inéditas. Por outro lado, as aventuras do Cavaleiro da Lua eram as histórias antigas, da fase produzida por Doug Moench e Bill Sienkiewicz. As histórias foram as que a Abril e a RGE não publicaram. Na edição 01, a Globo ainda publicaria o inédito “Força de Ataque Morituri”, de Peter B. Gillis e Brent Anderson. E a partir da edição n° 03, o novo “Motoqueiro Fantasma”, de Howard Mackie e Mark Texeira. Marvel Force ainda apresentava histórias dos “Guardiões da Galáxia”, de Jim Valentino, e os “Novos Guerreiros”, de Fabian Nicieza e Mark Bagley. Na edição nº 05 de Marvel Force era inaugurada a seção de carta, chamada “Cartas Marvel Force”. E para dar mais um golpe na Abril, a primeira carta da seção era a de um leitor indagando se a Globo iria “cortar as histórias”, chamando o ato de “uma tremenda sacanagem.” A resposta era mais que óbvia, dizendo que isso não aconteceria em hipótese nenhuma. Mesmo com todas as pompas, Marvel Force foi publicado de 1991 até 1992, em apenas nove edições.





“A revista até emplacou, na época. Mas o que aconteceu foi que surgiram aqueles entraves da crise econômica, aqui no Brasil. Nesse período, começou a ferrar tudo de novo, as revistas começaram a não vender tanto quanto eles esperavam, e a Editora Abril estava ao mesmo tempo pressionando, para ter de volta esse material. O azar é que houve aquela fase do Plano Collor, e o negócio começou a degringolar. As revistas foram canceladas, aos poucos”, lamenta Leandro.

Mesmo com esses problemas, a Editora Globo publicaria mais uma revista, dessa vez chamada simplesmente de Gibi, com histórias da Marvel e com os personagens da King Features. As edições 02, 04, 06, 08, 10 e 12, foram com os da Marvel. As edições ímpares vinham com os da King. Nessa nova revista, foram publicadas as novas histórias do “Esquadrão Supremo”, de Mark Gruenwald e Bob Hall. A estranha publicação em conjunto com os personagens da King Features é então explicada por Leandro Luigi.

“Na época, a palavra “Gibi” estava caindo em domínio público e a Globo queria impedir isso e deixar que Gibi se tornasse meio que uma propriedade da editora, por causa do legado histórico dos títulos Gibi, editados antigamente pela RGE. Por isso, resolveram criar um almanaque com o nome Gibi, publicando, num mês, material clássico da King e, no mês seguinte, materiais da Marvel. Uma ideia bem maluca e estranha. Não deu em nada e a palavra acabou caindo em domínio público mesmo. Essas intervenções comerciais, no rumo editorial das publicações, sempre geram esse tipo de equívocos e estranhezas. Não tem jeito”, completa Luigi. A revista Gibi teve 12 edições, publicadas entre 1993 e 1994.



Mesmo com todas as publicações e respaldo dos leitores, todo o mercado nacional seria afetado. Todas as editoras enfrentariam um inimigo em comum: o novo plano econômico, conhecido como “Plano Collor”, instalado no Brasil em 1990 pelo, até então, recém-eleito presidente da República, Fernando Collor de Mello. Collor seria o maior inimigo que o mercado brasileiro de quadrinhos iria enfrentar. Após quase 30 anos sem eleições diretas para presidente, Fernando Collor de Mello se elegeu em 1989 com um discurso de modernização, prometendo acabar com os chamados “marajás” da administração pública. “O Plano Collor” trouxe de volta o Cruzeiro como moeda, promoveu o congelamento de preços e salários e bloqueou contas correntes e poupanças por 18 meses. Essas e outras medidas não surtiram efeito, causando profunda recessão, desemprego e insatisfação popular. A indústria gráfica, assim como todo empresariado nacional, foi surpreendida com o confisco de suas contas bancárias. Acusado de tráfico de influência, lavagem e desvio de dinheiro, Collor sofreu o impeachment em setembro de 1992, e todas as suas medidas econômicas acabaram sendo modificadas ou revistas.

A crise econômica atingiu todas as áreas, e com os quadrinhos não foi diferente.  Diversas editoras menores fecharam as portas. A Editora Abril e a Editora Globo não encerraram as suas atividades, mas sentiram o golpe, como lembrado pelo editor Leandro Luigi Del Manto, ao contar sobre seu período na editora de Roberto Marinho.

“Por causa da crise econômica, a redação dos quadrinhos da Globo deixou de existir por duas semanas. Iria ter demissão em massa, ninguém sabia o que ia acontecer. Então foi estudado um plano, e mantiveram o setor de quadrinhos. Porém, o número de publicações iria diminuir drasticamente, e tentamos manter uma parte do pessoal. Foi bem ruim, uma época bem chata, bem triste, pois muitas pessoas foram mandadas embora. A inflação estava tão descontrolada na época, que não tinha como fazer nada”, afirma Del Manto.

Um plano criado pelas editoras, em relação às revistas ao chegarem nas bancas, foi o “código dos preços”. Antes da crise, os preços vinham estampados nas capas das revistas. E com a inflação batendo na casa dos 1.100 % ao mês, era impossível a editora fixar um preço. Ao invés das revistas virem com o preço, como de costume, foi criado um código elaborado com uma tabela,no qual o jornaleiro consultava o código de cada revista e observava o código correspondente.
“Hoje existe o código de barras. Você passa no leitor e já aparece o valor da revista.Naquela época, se você colocasse um preço na capa, tinha que calcular o preço lá na frente; talvez quando a revista chegasse na gráfica e fosse para a banca, aquele preço já estaria defasado (por isso, o adesivo na capa da revista). Para sanar isso, foi criado o código. Então era determinada revista já com o código estabelecido na tabela do jornaleiro.Ele recebia do distribuidor uma tabela e aquele código específico valia para aquela semana. Era uma maneira de driblar a inflação. Daí chegou um momento em que o preço era flutuante. Em cada semana era um valor. Era um absurdo. Quem sofreu mais com o Plano Collor foram as revistas em quadrinhos”, recorda o editor Leandro Luigi Del Manto.

Após o fatídico Plano Collor entrar em prática, a Globo perderia todos os direitos do Universo Marvel, que voltaria para a Abril, que estava de braços abertos esperando esses personagens. E assim, a Globo finalizava em definitivo suas contribuições com os personagens de Stan Lee e Jack Kirby no Brasil.


Alexandre Morgado

Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro "Marvel Comics - A Trajetória da casa das ideias no Brasil", livro que narra a história da Marvel em nosso país, publicado em 2017 pela Editora Laços. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.

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