segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Guerra Civil: Histórias Entrecruzadas

Guerra Civil: Frente de Batalha

Outra seção da revista Guerra Civil Especial: Frente de Batalha 1 busca, através de estórias curtas, traçar um paralelo entre acontecimentos históricos (uns mais conhecidos do que outros) com o que vem acontecendo em Guerra Civil. Não poderia deixar de fazer o seguinte comentário e ressalvas que farei a seguir. Por mais que sejam comparações até certo ponto interessantes, podem causar uma confusão que prejudicaria a compreensão da parte "histórica" abordada. Por que isso? Porque, diferente da maioria das HQs, análises históricas são construídas através de uma metodologia científica típica da chamada área de "humanas". Uma obra historiográfica, diferente de uma obra de ficção, precisa de fundamentações empíricas (na realidade física, nos vestígios que o historiador encontra) para ser considerada como tal, enquanto as obras ficcionais não têm esse comprometimento, e nem precisam. Por essa razão, é importante não esquecermos que, em HQs, obras de ficção, em geral a existência de "vilões e mocinhos" é quase que um pré-requisito, enquanto que em uma obra historiográfica, a procura por bem e mal, certo e errado, mocinho e vilão, denota justamente um trabalho de baixa qualidade, pois se afasta da compreensão e flerta com panfletagem. Todo cuidado é pouco.

A primeira parte fala de um episódio que, em geral, muitos americanos não gostam de comentar. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando ainda não havia, para o governo dos EUA, motivos suficientes para se envolver com o conflito, o próprio conflito passou a ameaçar o quintal americano. E ele não vinha nem da Itália de Mussolini, ou da Alemanha de Hitler, mas sim da política expansiva do terceiro país que compunha o Eixo: o Japão. As conquistas japonesas no Pacífico, especialmente na Coréia e China, começavam a, cada vez mais, projetarem-se para a costa Oeste dos EUA. A preocupação com isso fez com que o governo colocasse todos os descendentes de japoneses, mesmo os nascidos já na América do Norte, em campos de concentração. Sim, campos de concentração. Apesar de não passarem perto do que o Holocausto nazista promoveu na Europa, o governo dos EUA privou todos cidadãos que tivessem ligações culturais ou étnicas com o inimigo em potencial.

Guerra Civil: Frente de Batalha

A história que temos em Linha de Frente tenta traçar um paralelo entre o "sacrifício" do Homem-Aranha, que revelaria sua identidade pelo bem da lei de registro e, conseqüentemente, do país, com a privação da liberdade de todos os "japas" - como o poema destacado na história em questão se refere aos enclausurados. Chamo atenção para o fato de ser um paralelo, mas não uma igualdade. Enquanto Peter Parker se revela espontaneamente, apesar de sofrer certa pressão, os cidadãos norte-americanos de origem "nipônica" são forçados a contribuírem.. resta entender o que essas privações da liberdade e de direitos civis contribuíram.

A segunda história usa como pano de fundo a travessia do Rubicão (um pequeno rio no norte da atual Itália) por Júlio César, que viria a se tornar imperador romano, desafiando os desmandos do corrupto senado da agonizante Roma Republicana, marchando sobre a cidade eterna. Fez isso porque tinha apoio de maioria da população romana, que via no conquistador militar da Gália a única saída para a grave crise que a região vivia. Ressaltando que não houve batalha às margens do Rubicão (os desenhos podem dar a entender que houve), mas que o rio, na verdade na verdade, a demonstração final de que Júlio César iria adiante com suas pretensões. E aí está o tema dessa segunda parte. Não é uma comparação entre Júlio César e Tony Stark, mas a questão de até onde foi o general romano para demonstrar que ele tinha convicção do que era o certo. Até onde foi o Prodígio para dizer que não concordava com o registro? Até onde foi o Homem de Ferro para afirmar e demonstrar que o registro é o correto a se fazer?

Guerra Civil: Frente de Batalha

A próxima analogia é feita através da história do poeta Wilfred Owen, que, apesar de não ser soldado, pelos horrores gerados pela Primeira Guerra Mundial, alistou-se no exército britânico. Mesmo não sendo um guerreiro profissional, o momento que seu país e o continente europeu viviam estimulou Owen e outros "artistas" a largarem suas ocupações, lutarem na guerra e fazerem a diferença. Estavam longe de serem a elite das forças britânicas e, como esperado, muitos acabaram perecendo em razão da violência do conflito. Owen morre pouco antes do final das beligerâncias. Sua "contraparte" na Guerra Civil é Bantam, o herói obscuro que via no seu próprio registro a oportunidade de fazer a diferença, mas tem um fim tão trágico quanto o poeta britânico, morrendo em um confronto com Trovoada em plena Nova York. Não há nada que seja tratado de forma mais fútil em uma guerra do que a vida.

Guerra Civil: Frente de Batalha

Para encerrar essa edição, temos a guerra do Vietnã, conflito-símbolo da Guerra Fria, em que os EUA invadiram o país asiático para extirpar a influência comunista, e acabaram derrotados após longos anos de batalhas, que também devastaram a população e o território vietnamita. A história, acompanhada por uma canção do cantor Billy Joey, em que se ressalta a violência dos combates e que, no fim, todos perdiam alguma coisa. Apesar de nos desenhos que vemos nessa edição, que podem dar impressão de vitória norte-americana, especialmente ao comparar SHIELD e registrados com os Mariners, e os heróis d-list com os vietcongs, é importante lembrar que a vitória quase certa se transformou em um derrota surpreende da potência capitalista. Feita a ressalva, destacamos que o foco da história é mostrar como a guerra, independente da perspectiva que se olhe, vai sempre provocar mortes e "derrotas" de ambos os lados. Mesmo que, no fim, alguém possa ser considerado vitorioso.

Guerra Civil: Frente de Batalha

Apesar de ser um pouco "viajante" (o Coveiro desistiu de ler isso no segundo número), essas histórias, com o devido cuidado na hora de compreender as analogias, tornam-se interessantes por duas razões. Primeiro, porque mostra como estamos acostumados, ao ler HQs, a procurar sempre um lado "bom" e um "ruim", refletindo muito pouco sobre as motivações dos personagens. E isso é, muitas vezes, em razão também de quem redige as histórias. Pensa-se só no preto & branco e se esquece o cinza. Além disso, deixa claro que, guardadas as devidas proporções, com uma saga escrita por tantas mãos e com uma ambigüidade proposital em seu título principal, Guerra Civil busca, de alguma forma, romper um pouco com essa visão binária a que a maioria dos leitores está acostumada.


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