quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Em Foco: Os Vingadores e a Privatização da Salvação do Mundo

Vingadores

Em uma cena muito interessante do filme “Homem de Ferro 2”, Tony Stark comparece a uma sessão pública promovida pelo Senado dos Estados Unidos da América. Lá, um dos membros da comissão diz que a armadura do Homem de Ferro é um engenho perigoso demais para ficar nas mãos de uma pessoa e que caberia ao Poder Público tomar conta dela. Tony desdenha o político, dizendo que isso seria impossível. Ao final de sua fala, Tony Stark diz: “Mas eu te fiz um grande favor. Eu consegui ‘privatizar’ a paz mundial”.


Eis a cena:



Apesar da fala de Tony Stark soar um escracho, há até um fundo de verdade nela (ao menos nos quadrinhos). Praticamente, todas as equipes do Universo Marvel são financiadas pela iniciativa privada, sendo fato notório um ou mais membros serem estes financiadores. Em alguns casos, a situação fica mais estranha, pois se cria um aparato similar a um exército paramilitar (alguém se lembrou dos X-Men sob o comando de Ciclope?).

Como vocês devem ver, caros leitores, o foco aqui serão os Vingadores, a despeito de quase todas as equipes terem essa característica acima referida. Minha escolha com os Vingadores se deu pelos seguintes motivos: 01. Atualmente, é a equipe que mais tem se destacado dentro e fora do Universo Marvel; 02. É uma força estratégica de assalto por excelência; 03. Apesar de, em algum momento, as equipes do Universo Marvel terem uma relação com o Governo, nenhuma foi tão umbilical como os Vingadores.

Vingadores Primordiais

Em razão disso, excluí os X-Men, que sempre foram tachados de foras-da-lei (e a questão deles merece um artigo à parte), e o Quarteto Fantástico, que é, por excelência, uma instituição de pesquisa, coisa, de certa forma, comum no mundo real. Mas vamos aos Vingadores.

Basicamente, todos nós sabemos a origem da equipe. E, apesar de seu um grupo eminente privado, tal organização possui fortes relações com o Governo Federal Estadunidense. Não foram poucas as vezes que os Vingadores prestaram bons serviços à nação norte-americana. A relação entre eles (Vingadores/Governo) sempre foi próxima, ainda que essa proximidade se deu por razões nada heroicas (muitas vezes, o Governo não apoiava a existência da equipe, mas em contrapartida, sempre precisou deles para se defenderem de determinadas ameaças). Como os Vingadores eram uma entidade privada (no mais das vezes) sempre houve a figura de um intermediador. Um dos mais famosos era Henry Peter Gyrich.

A despeito de certos problemas (principalmente no período que Norman Osborn assumiu o posto de “pacificador”), a trupe financiada por Tony Stark sempre teve boas relações com o Governo Norte-Americano. Inclusive, o ápice foi quando Tony Stark virou secretário de defesa dos Estados Unidos e os Vingadores eram uma força de paz autorizada pela ONU. Isso sem contar quando Tony foi alçado a chefe da mais poderosa agência de espionagem do mundo, cargo este ocupado atualmente por Steve Rogers.

É interessante notar o quão poder uma organização privada pode alcançar perante o Governo. Ou seja, em determinados momentos, os Vingadores agiram como se fossem uma longa manus do Estado, executando atos que somente poderiam ser realizados por agentes do governo.

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Ou seja, em muitas situações, os Vingadores agiram como se fossem funcionários do Governo, ainda que tais situações tenham sido extremamente raras. E, ainda que não tenham agido como funcionários do Estado, a existência deles era plenamente tolerada e, algumas vezes, incentivada. Podemos definir, claramente, que os Vingadores são uma tropa “paramilitar”, que possui apoio e respaldo do governo e da população estadunidense.

Cabem algumas ressalvas. Em primeiro lugar, o termo “paramilitar” não se encaixa com total perfeição. Não há uma estrutura militar propriamente dita nos Vingadores, principalmente no que diz respeito a cadeia de comando. Aliás, a melhor definição de paramilitar é a atual formação do Comando Selvagem. Mas há algumas características similares, tais como, por exemplo, tecnologia e equipamentos típicos das forças armadas (um jato como o Quinjet não está disponível para todos).

Mas haveria algum problema na existência de uma organização do porte dos Vingadores? Depende do seu ponto de vista e da sua concepção de Estado. Normalmente, o Estado detém o monopólio da violência. Somente seus órgãos estão autorizados, por lei, a agir com violência para efetuar prisões, busca e apreensão, dentre outros atos que os particulares não podem fazer. Por exemplo, uma pessoa bate no seu carro. A pessoa que bateu no seu carro se recusa a reparar o dano. Você, como particular, não pode usar de violência para obrigar a pessoa a reparar o seu carro (inclusive, se utilizar, será processado por crime). Resta, assim, a utilização das vias consideradas legitimas (“entrar “ com uma ação de reparação de danos) para que o prejuízo seja sanado.

Vingadores Sombrios

Para muitos, a manutenção de forças militares é um monopólio do Estado. A criação de organizações tidas como paramilitares é, na maioria dos casos, perniciosa para a manutenção de um governo democrático. No Brasil, a própria Constituição veda esse tipo de prática. Mas a história do nosso mundo real mostra que a utilização de tropas paramilitares é extremamente comum.

Em uma breve pesquisa na internet, vamos ver que muitos ditadores (a famosa S.S. de Hitler era uma tropa paramilitar) contam com uma espécie de organização paramilitar sob seu comando. Até mesmo governos tidos como democráticos já se envolveram com exércitos paramilitares.

Muitos devem pensar: Por que usar tropas mercenárias em vez do próprio exército? Há uma série de fatores, muitos deles envolvendo os limites da atuação do Estado, coisa que não alberga os particulares.

A Queda

Ou seja, não é vantajoso (para alguns, é claro) pensar que uma organização privada, como os Vingadores, substituiriam as tropas militares? Não seria interessante para o contribuinte, já que quem arcaria com eventuais problemas seria a fundação mantida por Tony Stark? É importante frisar, diga-se de passagem, que os Vingadores não possuem paralelo com os exércitos paramilitares que existiram/existem em nosso mundo real. Os Vingadores, a despeito de todos os problemas, são heróis e costumam fazer a coisa certa.

Mas o tema aqui debatido gera muitos questionamentos. Citamos alguns: Se você tem uma força como os Vingadores, haveria a necessidade de manutenção de tropas militares? E mais, permitir a existência de uma força como essa seria ameaçador para a concepção de Estado de Direito? E no mundo real, poderia surgir algo parecido com os Vingadores? E se surgisse, seria bom para o atual cenário político? Qual seriam os limites de atuação da Equipe? Se ela for contra o governo eleito (Isso aconteceu diversas vezes nos quadrinhos)?

Muitas questões aqui colocadas ainda vão ficar em aberto. Questionar se a privatização da “salvação do mundo” é boa ou ruim vai depender de análise que cada um faz do papel que o Estado deve exercer. Se há aqueles que defendem a estatização completa, há aqueles que defendem a entrega de tudo na mão da iniciativa privada. Trata-se de um tema espinhoso, que demanda muito mais discussão do que um mero artigo escrito para um site de quadrinhos.


Kree Skrull War

Por hora, a privatização da salvação do mundo somente ocorre nos cinemas. Na vida real, ocorre a privatização de outros interesses, nem sempre relacionados ao bem estar da humanidade, infelizmente.


Rafael Felga

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