Nas edições 48 a 51 do título Astonishing X-Men (todas publicadas na especial X-Men Extra 136.1), a roteirista Marjorie Liu, ao lado do desenhista Mike Perkins, aprofundou-se no relacionamento entre Jean-Paul Beaubier, o Estrela Polar, e seu namorado, Kyle Jinadu, culminando num momento marcante não só para a revista mutante como para os quadrinhos de modo geral: o primeiro casamento gay entre dois personagens de uma história de super-heróis da Marvel.
Em vista da relevância, por si só, desse acontecimento, a trama paralela iniciada naquela ocasião acabou ficando relegada a segundo plano. Nesta, a equipe “surpreendente” do diretor da Escola Jean Grey tenta descobrir o responsável por uma série de ataques contra os mutantes, o primeiro dos quais deixou em ruínas o apartamento de Remy Labeu, o Gambit. Na sequência, o grupo se viu enfrentando uma nova versão dos Carrascos e as investigações posteriores da equipe em busca do responsável pelos ataques levou-os a uma armadilha, na qual a jovem mutante Karma foi colocada contra seus companheiros de luta. Essas manipulações quase custaram a vida do futuro marido de Estrela Polar. Cecilia Reyes, uma mutante que andava meio sumida e que não tem nenhum interesse em participar de atos heroicos acabou sendo arrastada pelas circunstâncias para a equipe.
Consumado aquele momento marcante, a roteirista volta a concentrar-se na trama e trata de dar-lhe continuidade, ao mesmo passo que elucida alguns pontos ainda obscuros.
Assim, na edição 52 do título americano, publicada em X-Men Extra 137, acompanhamos Karma, num flashback de 10 dias atrás, ao lado de Kitty, mostrando o museu para seus irmãozinhos, Leong e Nga. A vietnamita recebe então um telefonema de Logan, mas não antes de esbarrar numa estranha na saída do museu. Após encontrar com o chefe – com quem já estão Jean Paul, Bobby e Rapina –, Karma se dirige com o grupo para o apê de Gambit, ao lado do Homem de Gelo e da guerreira Sh'iar. Esta nota um movimento suspeito de homens armados nas proximidades de seu destino e não pensa duas vezes antes de partir para o ataque (o que explica sua repentina chegada com cabeças humanas a tiracolo, na primeira história do arco). Já aí, vemos Karma ter, ao que parece, um súbito ataque psíquico. Num flashback mais recente, vemos Karma perambular, ferida, pelas ruas, perder os sentidos, ser socorrida por mendigos e, finalmente, chegar a Westechester. Ali, encontra Susan Hatchi – cuja pista Logan já rastreara, através da Viúva Negra, após descobrir um ligação de seus agressores com a SHIELD –, que agora a jovem mutante reconhece como sendo a estranha com quem esbarrara na saída do museu, mas também como alguém de seu passado remoto. É nesse momento que Logan, tendo se afastado da festa de casamento, sentindo uma forte dor no abdômen, aparece e reconhece a jovem, que estava desaparecida há cerca de uma semana. Susan Hatchi então pressiona um controle que faz detonar uma bomba no interior do mutante canadense.
Na sequência, publicada em X-Men Extra 139, enquanto Logan se recupera dos ferimentos (já se tornou comum ver o baixote reduzido a carne queimada e ossos expostos, a exemplo do que ocorreu recentemente em histórias da Fabulosa X-Force e de X-Men: Legado) e Hank e Cecilia Reyes tentam entender o verme nanotecnológico responsável pela explosão, Gambit, Jean Paul e Bobby vão ao encontro de Susan Hatchi. A empresária confessa todas as recentes agressões contra os mutantes, revelando, entre outras coisas, que os Carrascos encontrados mortos nas instalações de uma de suas empresas eram clones. Nesse meio tempo, Fera consegue localizar o sinal transmitido pelo nanoverme até uma instalação na antiga URSS. Um esquadrão de X-Men composto por Gambit, Cecília, Homem de Gelo, Estrela Polar e Rapina é despachada para o local. Lá, encontram mais vítimas dos experimentos da executiva: civis desempregados à procura de emprego e a própria Karma, acorrentados e sob o comando de Susan. Poréḿ, antes que os X-Men possam resgatar sua colega e os demais, toda a base militar explode – prendendo a equipe embaixo de toneladas de escombros.
Os X-Men sobrevivem à explosão graças à geração de um casulo energético por Cecilia. Porém, quando conseguem sair de baixo dos escombros, eles são atacados por Susan Hatchi e seus homens. A vilã então revela que, nas últimas horas, os mutantes estiveram inalando seus nanovermes e, como demonstração do controle que possui sobre eles, deixa Estrela Polar cego. Na mesma ocasião, os X-Men são surpreendidos com a revelação de que a vilã é na verdade meia-irmã de sua colega de equipe, Karma. Com a vantagem que possui sobre os mutantes, e ameaçando usar a mesma arma em toda a população de Nova Iorque, Susan obriga os X-Men a irem até Madripoor, onde espera que a equipe tome a cidade para si.
Os X-Men viajam até lá e confrontam atual governante, Tigre, mas ela não se dispõe a abrir mão do controle tão facilmente. Enquanto isso, Logan, recuperado, chega secretamente à ilha em sua identidade de Caolho. Tigre e os demais X-Men discutem a moralidade de acordo nos termos de Hatchi. Após discordarem, Estrela Polar e Homem de Gelo – cujos ânimos estavam a luta travada entre os dois que quase resultou na morte de Bobby, quando este estava sob o controle de Karma – desde chegam às vias de fato – e Jean Paul derruba acidentalmente o amigo em um tonel de aço derretido, incinerando o corpo de Bobby Drake.
Na parte seguinte, nos é mostrado um vislumbre do passado de Susan Hatchi, em Saigon, durante a guerra do Vietnã, em que esta assiste ao próprio pai assassinar com um tiro na cabeça a sua mãe. Fato este que pode dar uma pista das verdadeiras motivações da crescida Susan. De volta ao presente, diante da aparente morte de seu colega, os X-Men remanescentes resolvem continuar com o plano da vilã, mas esbarram na resistência de Tigre, que os prende com relativa facilidade. Contudo, o comboio que transportava os mutantes para a prisão é atacado por um grupo de guerrilheiros que levam os prisioneiros à presença inesperado jogador: o pai de Karma, que a mesma acreditava morto há anos. Sempre à espreita de seus “reféns”, Susan dispara um míssil na direção deles, determinada a acabar com o pai e irmã de uma vez por todas.
A última parte dessa longa trama acontece com o encontro, de forma dramática, das meias-irmãs e o pai. Susan consegue localizar Karma nos escombros da explosão e, ao tentar liquidá-la, tem uma arma apontada pra sua cabeça, empunhada pelo próprio Sr. Coy Manh. Muita roupa suja é lavada e Susan revela que seu plano tivera o duplo objetivo de testar suas novas tecnologias em armamentos e, de quebra, tirar seu pai das sombras, tendo, para tanto, utilizado de sua meia-irmã mutante, pela qual nutria um ódio antigo por sempre ter sido esta a predileta do pai. Aparentemente encurralada, Susan cumpre suas ameaças, liberando remotamente os seus nanovermes no outro lado do mundo, na população de Nova Iorque, os quais tinham sido despachados por correspondência para vários pontos estratégicos da cidade. (Um embrulho, aliás, fora deixado à porta de Kyle Jinadu, no momento em que aquele era procurado por dois agentes do Serviço de Imigração, que ali estavam para averiguar a situação do seu esposo, Jean Paul.)
Mas Susan acaba sendo surpreendida pela frustração de seu plano e, mais ainda, pela repentina aparição do Homem de Gelo. Este então explica que a discussão com Estrela Polar que resultara na sua aparente morte fora tudo uma encenação e que, quando seu corpo fora totalmente dissolvido, os nanovermes não resistiram, o que deu à equipe científica dos X-Men uma brecha para criar uma defesa contra as ameaças de Susan. Karma aproveita-se desse momento para penetrar na mente da vingativa irmã, estabelecendo um elo mental no qual compartilham lembranças de suas vidas. Cientes cada uma de todas as adversidades e perdas enfrentadas pela outra, as irmãs se reconciliam e Susan se redime. O momento de ternura entre as irmãs, contudo, é abruptamente interrompido quando o Sr. Coy Manh atira na cabeça de Susan. Com a irmã morta e o pai preso, resta à jovem x-woman o consolo de ser a única herdeira da fortuna deixada por Susan.
Marjorie Liu (que é uma gata!), conhecida, entre outros, por seus trabalhos com Daken e X-23, sabe combinar bem neste longo arco (foram 9 edições – 48 a 56 –, no título original, publicados aqui nas edições 136.1, 137 e 139 a 142 de X-Men Extra, da Panini) uma densa trama de suspense e um mergulho no íntimo de seus personagens. Personagens, aliás, que, salvo engano, não são trabalhados há um bom tempo, tais como Estrela Polar, Cecília Reyes e Karma, assim como também o próprio Bobby Drake.
A trama em si empolga com suas reviravoltas e seus desfechos que deixam o leitor ansioso pela próxima edição. Única ressalva é feita aos primeiros quatro capítulos (aqueles publicados em X-Men Extra 136.1) nos quais, além do que já foi dito anteriormente acerca de ter sido relegada a segundo plano, a roteirista não faz um uso muito coeso dos recursos de flashbacks e flashforwards, o que resulta numa sensação de anti-clímax, pois quando se espera o ponto alto para o qual os fatos deveriam convergir, percebe-se que este já foi mostrado. No mais, Mike Perkins, que tem um estilo bastante realista e dinâmico (embora não tão arrebatador aos níveis de um Cassaday ou de um Simone Bianchi), salvo alguns escorregões aqui e acolá, mantem a qualidade em todas as edições, cumprindo observar que os flashbacks da edição 52, ficaram a cargo de Gabriel Hernandez Walta.
Importante ressaltar também que, diferentemente do que aconteceu com os roteiristas que se sucederam a Joss Whedon em Astonishing, Marjorie Liu parece ter se fixado no título, o que pode significar um maior aprofundamento nos personagens que integram esse esquadrão dos X-Men e de alguns pontos apenas suscitados neste arco, como a questão da situação legal de Jean Paul nos EUA ou as novas implicações dos poderes de Bobby.
Leandro Nogueira
Colaborador do site Marvel616