quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Resenha 616: Homem-Aranha - No Aranhaverso


Homem-Aranha: No Aranhaverso estreia hoje nos EUA, mas já faz algumas semanas que vimos a animação na cabine de imprensa promovida pela Sony. Foi lá que acabei descobrindo que a estreia da Animação foi postergada no Brasil para 10 de Janeiro. Apesar dessa pequena decepção para os fãs, que é de caso pensado para justamente pegar a molecada de férias, podemos garantir que todo o resto que se pode falar sobre esse desenho merece só elogios e palmas. Não é a toa que Homem-Aranha: No Aranhaverso é de longe o mais bem avaliado filme que foi aos cinemas do Teioso. A animação é completamente inovadora, tem um roteiro de comédia bem atual e mais do que nunca captura a essência do que é o herói. Você sai do filme realmente acreditando que também pode ser um Homem-Aranha.

Levar aos cinemas a primeira animação de grande porte do Cabeça de Teia e já começar com uma história envolvendo não um, não dois, mas várias versões do personagem de realidade diferentes poderia a um primeiro julgamento nos fazer acreditar que o filme é um erro. Mas se considerarmos que o cerne aqui é levantar a bola para uma das bandeiras essenciais que o personagem vem tendo, foi a melhor sacada do filme. Lá pelo meio da história, o mais experiente dos Homens-Aranha presentes fala que "Qualquer um pode estar por trás da máscara". E sim, por mais que você julgue o jargão "Com Grandes Poderes, vem grandes responsabilidades" ser o mais importante, a essência do Homem-Aranha no princípio sempre foi que ATÉ VOCÊ pode ser um super-herói.



Stan Lee por mais de uma vez falou em entrevistas que afastou o Homem-Aranha do esteriótipo de herói com músculos e bonito para um nerd franzino para relacionar o herói com seu leitor. Essa foi sua grande preocupação, mostrar que atrás daquela máscara, não importava nossa aparência, nossos problemas pessoais e financeiros, tudo ficaria para trás quando o manto do super-herói recaísse sobre nós e o dia precisasse ser salvo. Brian Michael Bendis resgatou isso quando no universo ultimate matou o Peter Parker daquela realidade e deu ao jovem negro descendente de latinos Miles Morales o manto e herança do Homem-Aranha. E do Miles, podemos extrapolar para tantos outros personagens de tantas outras realidades diferentes que os quadrinhos e esse filme propõem. Seja qual for sua descendência, cor da pele, gênero, linha temporal ou até mesmo espécie (Valeu, Porco-Aranha). E nem todos ali precisam ser essencialmente iguais em termos de poderes. Citando mais uma vez o Peter Parker mais experiente do filme, "É o que te faz ser diferente que te faz ser um Homem-Aranha".

Certamente, sendo o personagem mais icônico da Marvel durante esses anos, com seis filmes solos de três atores diferentes, inúmeras animações e com a cara estampada em diversos bonecos e jogos eletrônicos, chega a ser desnecessário grandes apresentações do personagem pra o público. Tanto o Homem-Aranha como sua história base de origem é bem conhecida (mudando-se uma coisa ou outra dependendo da mídia). Assim, o primeiro Homem-Aranha a se apresentar ali, o Peter Parker dublado por Chris Pine, pode resumir quem ele é alguns minutos e cenas bem divertidas referenciando momentos impactantes dos quadrinhos e da trilogia de Sam Raimi. Nessa realidade, mais do que em qualquer outra abordagem levada aos cinemas, é de fato um herói amado e um sinal de esperança para o povo que o via salvá-los todos os dias de grandes ameaças. E era pra ser de fato assim, uma inspiração para todos, acima de tudo aquele que iria herdar seu legado.


Miles Morales (dublado por Shameik Moore) tem sua história de origem praticamente levada ao pé da letra assim como Bendis o criou, que por sinal é um dos produtores executivos da animação. Filho do policial Jefferson Davis (Brian Tyree Henry) e da latina Rio Morales (Luna Lauren Velez), o garoto está passando por uma grande mudança ao ir para uma escola de primeira linha no Brooklyn, mas em  troca disso vai ser obrigado a deixar sua vida de lado, antigos amigos e se submeter a uma grande pressão para se equiparar a ser um aluno exemplar ali naquele novo ambiente. Confuso, vivendo esse momento do início da puberdade e querendo se encontrar, acaba tendo no seu tio Aaron Davis (Mahershala Ali) um escape de toda a pressão. Seu tio, que em segredo é o vilão mascarado Gatuno, permite que Miles saia em segredo para grafitar paredes com sua arte sem seu pai descobrir e puxar sua orelha.

Tudo o que Miles Morales não precisava ali era ter um problema ainda maior ao ser arbitrariamente picado por uma Aranha modificada pela Alchemax e amanhecer no dia seguinte com superpoderes. E se os problemas na escola com essa nova descoberta já não eram pequenos, imagine ao presenciar o fim do Homem-Aranha daquela realidade e ouvir dele antes que morresse quase que uma convocação a "responsabilidade" que Miles deveria assumir agora que tem os poderes. Morales leva um tempo considerando isso, e nesse instantes do filme somos abordados em vários pontos diferentes com a morte daquele Homem-Aranha o que é de fato a essência do herói. Confesso que como fã, teve momentos que me emocionei bastante, coisa que até hoje os Live-Actions não conseguiram o feito.



Contudo, a chamada a responsabilidade ali não está só nas mãos do Miles. Toda a realidade está comprometida e em risco graças a experimentos realizados por um determinado Rei do Crime que faria de tudo pra ressuscitar sua antiga família. Seus experimentos estão custando a integridade do multiverso e como efeitos adversos iniciais trouxe até aquela terra cinco diferentes (e bota diferentes nisso) Homens de realidade diferentes ali. O primeiro apresentado é o Peter Parker que "não deu certo" (dublado por Jake Johnson). É o herói que praticamente estava prestes a desistir da carreira quando esse "chamado" o coloca de novo a ativa e sob um novo papel - o de ensinar o jovem Miles como é ser um Homem-Aranha. Longe de ser o professor ideal (ou mesmo o herói que queríamos), o personagem de Jake Johnson praticamente dá a lição ao reverso e até o final da história acaba é vendo em Miles a mesma esperança que ele como herói (e o Peter morto dessa realidade) deveria ter.

Talvez hoje em dia a versão de Mulher-Aranha mais conhecida do público, a Gwen Stacy (Hailee Steinfeld) também tem um papel importante no filme. Ela, por sinal, foi a primeira deslocada de sua dimensão a aparecer ali. Tem uma história de origem bem revelada pelos quadrinhos e pode muito bem fazer o papel do lugar dos olhos das meninas que assistem ao filme. Se não fosse Miles o protagonista, certamente ela roubaria a cena. Depois dela, mais três versões dão as caras. O Homem-Aranha Noir (Nicholas Cage) vem de um mundo sombrio, tão sombrio que ele é incapaz de entender as cores dessa realidade. Peni Parker (Kimiko Glenn) mostra que ser uma heróina aranha também não precisa seguir o mesmo conceito e ser mordida pelo bichinho para ter poderes. Não quando você pode construir seu próprio Mecha que tem como "cérebro" uma Aranha-robô de estimação. Por fim, o Porco-Aranha (John Mulaney), que não economiza em qualquer referência aos Looney Toones que eles possa fazer.


Ao juntar todos esses Homens-Aranha no mesmo espaço temos aí um outro grande mérito do filme. A beleza gráfica já brilhava aos olhos no começo quando o estilo da animação puxando mais o atual novo estilo 3D não impediu os diretores de pegar várias essências do estilo dos quadrinhos. Seja pela colorização que ora ou outra era levada mais pixelada de propósito a tela ou seja quando os balões e onomatopeias também davam as caras por aí, tudo cheira a novo no desenho e te deixa mais curioso, mais vivo querendo captar cada detalhe enquanto assiste. Contudo, quando os outros Homens-Aranhas aparecem, é como se você tivesse uma explosão de estilos na tela. A Peni Parker realmente tem todos os seus traços e movimentos voltados ao Anime. Porco Aranha reflete os exageros cartunescos de sua natureza. O Aranha Noir tem contornos grossos, traços retos e duros, como que tirado de um gibi da época. Gwen Stacy em dado momento puxa mais pro lado indie que já é comum pra quem lê suas histórias e até Miles Morales tem detalhes de arte de rua (como num grafite) em dados momentos. Se você é alguém realmente ligado aos desenhos quando toma os gibis nas mãos, vai ter um deleite.

Bom, no mais, como não poderia deixar de ser num filme animado assinado por Phil Lord e Chris Miller, Homem-Aranha: No Aranhaverso tem um humor muito bem apurado e que cria piadas em todos os níveis e para diferentes vínculos que as pessoas vão ter com o personagem (a cena pós-crédito que o diga). O legal é que mesmo alguém tão distante dos quadrinhos não vai ter problema nenhum em se acostumar e até mesmo amar essas novas versões do cinemas. Todos eles foram bem entrelaçados a história e como falei, se valem bem do fato do personagem ser icônico e que basta uma apresentação de 1 minuto pra você captar a idea por trás deles. O filme também tem sua lista de personagens coadjuvantes marcantes como a Tia May durona e até mesmo um insólito garotinho coreano colega de quarto do Miles que nunca apresenta seu nome. Os vilões dessa realidade também tem sua parcela de liberdade criativa, o que deixa o filme com um frescor de novidade ao se deparar com cada um deles.



Fora isso tudo, e para listar todas eu teria que reassistí-lo mais uma vez, há uma grande quantidade de easter eggs. Boa parte deles vem em forma de nomes de diferentes roteiristas e desenhistas que já passaram pelo personagem e estão lá numa agenda de telefone ou numa pixação no muro. Não podia deixar de citar a aparição especial" de Stan Lee, que emprestou a sua voz a ele mesmo no filme. Ele é um vendedor de uma loja e entrega uma fantasia comum de Aranha ao Miles, não sem antes deixar o pensamento que "sempre damos um jeito do uniforme caber na gente". No fim, é possível ver ainda um IN MEMORIAM dedicado a Lee e Ditko, criadores do personagem.

Coveiro

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