Depois de uma fase tão marcante e premiada quanto a do Mark Waid no título, o posto do próximo que assumisse a revista do Demolidor seria uma tarefa complicada. Afinal, o risco de viver a sombra das últimas histórias seria grande. Sendo assim, a equipe criativa optou por cair de cabeça no obscuro. Charles Soule e Ron Garney pegam Matt Murdock e praticamente fazem uma nova reviravolta no personagem, resgatando boa parte do clima que há alguns anos não se via mais no Demolidor.
Tudo começa já com a arte. Garney não se afasta do seu traço altamente reconhecível, apesar de muitas vezes remontar um pouco do que era o Romitinha em sua melhor fase em alguns quadros. Com quadros mais secos, fortalece os tons de claro e escuro em todas as páginas. A paleta de cores é com poucos elementos e tudo isso casa perfeitamente com a mudança do uniforme do personagem, com uma roupa mais cinza e poucos detalhes em vermelhos. É uma abraço completo ao estilo noir.
Mas não é só sua roupa que faz a diferença aqui. O Home sem Medo não está mais sozinho agora. Aceitou treinar um jovem imigrante chinês ilegal que mora em Chinatown e que sozinho desenvolveu uma roupa com tecnologia capaz de torná-lo invisível. Seu codinome é Ponto Cego. Contudo, sem muito dinheiro, esse jovem chamado de Samuel Chung mal tem como comprar as pilhas que alimentam o traje, quanto mais sustentar sua família. Assim, como ele poderia ser o protetor de seu bairro assim como seu novo sensei Demolidor faz com a Cozinha do Inferno?
Matt também mudou muito nesses oito meses. Já pra começar, temos que de alguma maneira ainda inexplicável, ele fez todo mundo esquecer que ele era o Demolidor. Até mesmo a Kirsten, que provavelmente ficou lá por São Francisco não deve mais se lembrar dele. Apenas seu eterno e legal amigo, Foggy Nelson, sabe a verdade e parece não muito feliz com os últimos passos de Matt. Murdock deixou de ser advogado de defesa e passou para a promotoria. Ainda é um mistério como ele readquiriu seu registro de advogar de volta em Nova York, mas desde então ele está num caso grande envolvendo o misterioso Dezdedos e sua Igreja Das Mãos Protetoras.
Dezdedos é um chinês de poderosa influência em Chinatown. Literalmente, possui dez dedos em cada mão e isso parece ser parte das consequências físicas do poder incomensurável que alega ter. Homens seus que falham em suas ordens tem dedos arrancados, já os seus mais proeminentes capangas ganham dedos extras nas mãos e, conseqüentemente, mais poder. Na trama, a participação deste vilão vai além do caso em que Matt está para acusá-lo. Samuel Chung trabalha como uma espécie de infiltrado na Igreja e aparentemente segue suas ordens, mas tudo não passa de um plano para que ele se mantenha perto de sua mãe, uma das capangas mais fieis e amante de Dezdedos.
Depois de perder uma testemunha em seu caso, complemente coagida a não abrir a boca contra o fundador da igreja misteriosa, Matt Murdock decide ir investigar de perto quem é o tal Dezdedos. É aí que descobre que o tipo de energia que ele manipulava e turbinada seus homens era algo que já tinha presenciado antes no Tentáculo. E quase que imediatamente quando reconheceu o perigo ali, Matt ouviu ninjas da facção criminosa entrando no lugar e reclamando o poder que Dezdedos roubou deles. Temporariamente, os capagas do vil Chinês e os heróis Demolidor e Ponto Cego se uniram para sobreviver ao ataque do Tentáculo.
Depois daquela noite, Matt teria que refletir melhor em como agir contra a Igreja Das Mãos Protetoras. O próprio Dezdedos chegou a visitar Matt no consultório para impedí-lo de prosseguir com a ação contra ele, mas a nova carreira de promotor do Murdock dependia daquele caso. Na pouca conversa que tiveram ali, parecia que Dezdedos realmente acreditava em seu poder como algo divino. Mas isso o faria dele um deus ou um louco?
Em outro momento da história, enquanto salvava um prédio da explosão certa ao investigar uma gangue que fabricava explosivos para bandidos em Boston, Matt Murdock desabafou com o velho Steve Rogers, outrora Capitão América, que o acompanhava naquela missão. Em outro tempo, ele seria um homem que mais confiaria, mas hoje ele também é um dos que ele apagou seu segredo da mente dele. Murdock até pensou em contar a verdade a ele, mas preferiu voltar a ser um homem de plenos segredos.
Na última parte deste encadernado da nova fase, temos agora mais uma ameaça do Tentáculo contra o Dezdedos. Uma criatura hibrida de carne e tecnologia, o Punho, investia para dentro da Igreja e exterminava todos no caminho. Nem mesmo o vilão chinês com o poder que tinha conseguia detê-la. Matt apareceu na hora certa para segurar o monstro morto-vivo, enquanto que Ponto Cego se manteve entre os capangas de Dezdedos que tinham ordem de matar todos os fiéis que viram o vilão perder a luta e se mostrar um fraco. No final, Demolidor conseguiu deter o Punho. Já Dezdedos teve uma morte horrível por uma criatura que não foi revelada ao leitor. E o jovem Samuel Chung lutou bravamente, mas foi graças a sua mãe que mudou de ultima hora pro seu lado que ele ganhou a luta e protegeu os inocentes fieís. Logo em seguida, a mulher partiu, mas Chinatown certamente ganhou um defensor para o moradores chamarem de seu.
Para o começo, Charles Soule se saiu muito acima da média e esteve acompanhado de boa arte. A história é diferente, dinâmica e cheia de curiosidades. As mudanças tanto na vida do herói como de seu alterego tornam tudo atraente com um ar de novo começo, sem gosto de apagar tudo do passado. E o novo personagem, o Ponto Cego, parece um divertido contraponto ao que são os poderes de Murdock. Como sempre, o Demolidor está com sorte nos escritores que passam por seu título.
Coveiro
