quarta-feira, 26 de junho de 2019

Grande Histórias Marvel no Brasil: GEA, a Editora que durou apenas um ano


A HISTÓRIA DA GEA: A EDITORA FEITA PARA DAR UM GOLPE NO MERCADO.

No expediente das publicações da GEA (Grupo de Editores Associados) consta o nome de Ernesto S. Carneiro como sendo o responsável pelas publicações da editora. A empresa só teve o ano de 1972 como o de sua atuação.  Praticamente nada é sabido sobre quem foi Ernesto Carneiro.  De acordo com o site Guia dos Quadrinhos, Ernesto Carneiro foi funcionário da editora "O Cruzeiro", fundada por Assis Chateaubriand.     

 Com o fim das atividades da O Cruzeiro, Ernesto criaria o grupo de publicações da GEA. A empresa era localizada na Av. Presidente Vargas, n° 446, no Centro do Rio de Janeiro. Mesmo tendo um curto período de existência, foram muitas as publicações editadas nesse período pela editora. Além da Marvel, a GEA também publicou os personagens licenciados da King Features Syndicate, como Jim das Selvas e Príncipe Valente, além de Cisco Kid e Betty Boop, entre outros. Nesse ano de 1972, a Ebal tinha descartado alguns personagens. Após passar a febre dos desenhos animados, algumas publicações da Ebal caíram nas vendas. 



A Ebal publicava uma revista chamada “A Maior”, com Capitão América, Thor e Homem de Ferro. A idéia era tentar fazer histórias completas, já que as anteriores “Super X” e “Capitão Z”, revistas que publicavam as histórias desses personagens já haviam sido canceladas. Mas os resultados não foram os melhores para a editora e logo a revista também seria cancelada pela Ebal. A Maior teve apenas 21 edições, publicadas de junho de 1970 até setembro de 1972.                                                                           
E a partir do fim de A Maior, a Ebal abriria mão desses personagens, com exceção do Homem-Aranha e do Capitão América, que ainda tinham mais apelo entre os leitores. Portanto, Hulk, Namor, Thor, Demolidor, Homem de Ferro e o Quarteto Fantástico migraram para outra editora, no começo dos anos 1970; todos esses personagens seriam publicados pela mais nova editora carioca, chamada GEA. Um fator importante das publicações era a qualidade das revistas. Tanto as da Marvel quanto as demais tinham uma apresentação gráfica bem interessante. O acabamento era muito parecido com o das edições que a Marvel publicou na época. As revistas da GEA foram as publicações que mais se aproximaram do estilo americano, tanto no acabamento, como no formato.                                                                                                               
 Foram apenas 14 edições publicadas pela GEA: três edições do “Quarteto Fantástico”, três de “O Invencível Homem de Ferro”, três do “Defensor Destemido” (o nosso querido Demolidor), duas do “Príncipe Submarino” (Namor), duas de “O Poderoso Thor” e uma de “O Incrível Hulk”. As revistas, além de serem bem diagramadas, eram todas coloridas, ostentando em todas as suas capas a expressão "Em Cores". Mesmo tendo apenas 14 revistas lançadas, a GEA coleciona algumas curiosidades. Uns dos detalhes eram os anúncios dos personagens Marvel, que vinham estampados no miolo das revistas. Além dos personagens que a GEA já publicava, constava entre eles, o Anjo, dos X-Men, e o Capitão Marvel.


 Tanto os X-Men quanto o Capitão não eram mais publicados pela Editora GEP e não se sabe ao certo se a GEA tinha interesse em publicar esses personagens. As publicações da GEA não seguiram a sequência das histórias publicadas pela Ebal - houve um grande salto entre as editoras. Isso se deve pelo fato da GEA ter recebido as histórias daquele período; a revista do Quarteto Fantástico, por exemplo, corresponde às edições 109, 110 e 111 originais.                                                                      

Já a Ebal lançou como última história a edição de “Fantastic Four” nº 59, publicada na revista do “Homem Aranha” n° 69, portanto, boa parte das histórias desenhadas por Jack Kirby não foram editadas pela Ebal e foram ignoradas pela GEA. Somente quando a Editora RGE assumiu o Universo Marvel, foi que a editora retomou algumas dessas histórias inéditas. “O Poderoso Thor” também teve um salto nas histórias. A última edição da revista A Maior n° 21, da Ebal, contém a história de “Journey Into Mystery” nº 113; a GEA publicou as edições de “Journey Into Mystery” nº 187 e 188. As duas edições de “O Príncipe Submarino” eram relativas às histórias lançadas em “Sub-Mariner” nº 38 e 39; a última da Ebal foi “Sub-Mariner” nº 21, publicada em “Super-X” n°53.           



                                                                                                                

“O Invencível Homem de Ferro” não teve um grande salto entre um lançamento e outro. As da GEA são as histórias de “Iron Man” nº 37, 38 e 39; a última pela Ebal foi a edição “Iron Man” nº 30, publicada em “A Maior” 21. Outro ponto curioso foi o personagem Demolidor, que já tivera a sua revista publicada pela Editora Ebal, mas dessa vez foi batizado como “Defensor Destemido”. O nome Demolidor era de registro da Ebal, que detinha o direito no Departamento de Censura Federal. Por isso, a nova editora contava também com os títulos Incrível (Hulk), Invencível (Homem de Ferro), Poderoso (Thor) e Príncipe Submarino (Namor). Provavelmente a ideia para esse nome foi por conta das duas letras D no uniforme do personagem, e também, aproveitando a ideia de um nome composto (Defensor Destemido). Posterior à fase da GEA, o personagem voltaria a ser batizado novamente como Demolidor. A última história inédita do Demolidor, editada antes da GEA assumir, foi na edição “Demolidor” n° 31, da Ebal - foi a história publicada originalmente em “Daredevil” nº 36; as edições 01,02 e 03 da GEA correspondem às edições 74, 75 e 76 originais. Com isso, grande parte das histórias do Demolidor permanece inédita até hoje por aqui. Depois da GEA, o Demolidor só viria a dar as caras novamente com histórias inéditas pela Editora Abril, (com uma pequena exceção em uma história publicada pela Ebal em “Homem-Aranha “nº 70. Na Bloch, a editora republicaria as histórias lançadas pela Ebal) em 1982, a partir de “Daredevil” nº 160, com a fase de Frank Miller.


 Por fim, tivemos “O Incrível Hulk”, com a sua última história lançada pela Ebal no “Super-X” nº 54, que corresponde ao “The Incredible Hulk” nº 134. Outra curiosidade marcante em relação às publicações da GEA ocorreu com a revista do Hulk. Dessa vez, fora dos quadrinhos. Mais precisamente pela música. Essa edição lançada pela GEA corresponde à edição original The “Incredible Hulk” nº 138, de 1971, escrita por Roy Thomas e desenhada por Herb Trimpe.   Nessa história, Thomas usou o poema do dramaturgo Irlandês William Butler Yeats, chamado "The Sorrow of Love", como introdução para a história. Com a tradução em português feita pelo editorial da GEA, o músico e compositor Zé Ramalho envolveu-se em um caso de plágio com os textos desta publicação, dez anos após o lançamento da revista. Zé Ramalho lançou em 1982 um disco chamado "Força Verde" e a primeira música desse disco, também com o mesmo nome, traz a letra dos textos publicados pela GEA. Além do poema, Zé Ramalho usou parte do texto de Roy Thomas para criar essa música.  Na sequência, a letra da música "Força Verde" e as páginas dessa edição de “O Incrível Hulk”, para a comparação.                     


Zé Ramalho 
 "Força Verde"
 Ainda há pouco, era apenas uma estrela
 Uma imensa tocha antes do mergulho
 Agora vem à tona
 Sua ira é intensa
 E você deseja saber
 Se há algo
 Que possa acalmá-lo outra vez
Os pássaros
A lua cheia e todo o céu leitoso
E todas as formas da natureza
Mostravam a grandeza do mundo
Em lágrimas
Condenado como Ulisses
E como Príamos
Morto com seus companheiros
Morto com seus companheiros
Morto... Apareceu
No momento em que a lua ia se elevando 
E todo pranto forma a imagem do homem.           




No documentário “Zé Ramalho - O Herdeiro do Avôhai”, de 2009, dirigido por Elinaldo Rodrigues, o próprio Zé Ramalho confirma que usou os textos da revista para fazer a música. Segundo Ramalho, sua atitude era uma "coisa de vanguarda", não imaginando que se tratava de uma poesia famosa, feita por um poeta europeu. Na ocasião, Zé Ramalho disse que consultou os produtores de sua gravadora, dizendo que se tratava de um texto publicado em uma História em Quadrinhos. Os produtores "deram de ombros", dizendo que não viam problemas em gravar a determinada música, alegando que ninguém sabia quem escrevia as histórias nos gibis, e que ninguém iria perceber a "homenagem". Nunca houve processo por tal situação, já que a GEA não existia mais em 1982; apenas as notícias da imprensa, publicadas em jornais e revistas daquele período.



Voltando novamente para a década de 70, a GEA teria alguns problemas com a distribuidora Fernando Chinaglia em torno das suas publicações. Situação que faria com que a editora fechasse as portas, logo após as suas publicações chegarem às bancas. Naquela época os trâmites corporativos eram com a Fernando Chinaglia Distribuidora, a maior empresa de distribuição de publicações do Brasil (anos mais tarde seria comprada pelo grupo Abril). Com uma prova da capa de uma revista, os editores iam até a Fernando Chinaglia e voltavam de lá com um cheque referente a 30% do valor total da tiragem. Isso SEM TER A REVISTA IMPRESSA. As revistas tinham seu borderô calculado para um Break-Even a partir da venda de 30% da tiragem, ou seja, praticamente ganhava-se a revista do distribuidor. Algumas editoras, ou os representantes delas, faziam acordos por debaixo dos panos com os funcionários da Chinaglia, entregando apenas metade do combinado. Era um esquema mafioso e lucrativo. Havia editores honestos, mas também muitos desonestos. A GEA ficaria famosa mais pelas fraudes do que pelos gibis publicados.                                                                                                                                                  

Essa editora, assim como mais algumas daquele período, deram um golpe na Chinaglia e foram responsáveis pelo fim do esquema que rolava. O jornaleiro comprava as revistas, revendia com lucro e, claro, tinha o direito de devolver o que sobrava. O famoso encalhe. Esse valor era descontado no próximo reparte. Toda vez que lançavam uma nova revista, esse novo título ia para uma lista de prioridades. Por ser novidade, eles sacaram isso, e trataram de lançar o máximo de revistas possíveis. A Chinaglia acabou descobrindo todo o esquema, e então, do nada, de um dia para o outro, a GEA fechou as portas, os editores sumiram e levaram toda a grana, e isso logo após as suas publicações chegarem às bancas. Em um curto tempo de publicações, a GEA deixou para trás 14 edições, que são consideradas como uma das mais bem feitas até hoje. E as mais parecidas com as originais americanas, sendo também muito disputadas entre os colecionadores.




Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro "Marvel Comics - A Trajetória da Casa das Ideias do Brasil", livro que narra a história da Marvel em nosso país, publicado em 2017 pela Editora Laços. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.

Coveiro

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