domingo, 9 de junho de 2019

Resenha 616: Fênix Negra não é o pior filme dos X-Men, mas sofre pelo desgaste da franquia

No momento da publicação dessa resenha, sequer chegamos ao fim do final de semana, mas o fracasso do filme da Fênix Negra já é inevitável. Dentro dos EUA, perdeu até mesmo a posição de primeiro lugar para uma animação. Dentro da previsão de bilheteria que já era péssima no começo, teve um desempenho bem pior e não ajuda nada quando os principais avaliadores de score do filme o pontuam de forma tão baixa. Eu assisti esse filme logo depois da estreia, mas esperei - assim como fiz com o Ultimato até o final de semana para entregar a resenha. Assim, um pouco mais livre pra falar de alguns moderados spoilers, posso analisar melhor o filme pra vocês.



Antes de mais nada, é bom começar dizendo que o desempenho de um filme no primeiro final de semana não mede sua qualidade. Se X-Men: Fênix Negra esta indo mal não é pela qualidade do filme. Vários fatores entram aí, como a maneira como ele se vendeu até sua estreia e como foi o desempenho dos filmes anteriores no gosto dos fãs. No caso em questão, Fênix Negra se saiu muito mal em ambos os casos. Seus vários adiamentos da data de lançamento não cheiraram bem ao público, junto com rumores de que testes de audiência denotaram falhas cruciais que precisavam de refilmagens só pioraram a má fama. Já o que dizer da franquia, com seus altos e baixos, é complicado. X-Men tem mais de 19 anos, é emocionalmente muito ligado a uma geração de fãs que passou a conhecê-los só em 2001. Porém, mesmo entre seus árduos defensores, há conflito hoje. Os últimos filmes dos X-Men que voltaram a ter a 'cara' do Brian Singer se revelaram no mínimo mornos, por assim dizer. O frescor que Matthew Vaugham trouxe com 'Primeira Classe' simplesmente evaporou com as repetições de temas de Singer de novo na franquia. O ar de final pontual que 'Dias de um Futuro Esquecido' modelou (apesar de suas falhas), perdeu brilho com o que veio depois em Apocalipse.

Só que com X-Men: Fênix Negra, temos Singer com o dedo fora de qualquer coisa do filme de novo, inclusive da produção. Assume seu lugar o roteirista e produtor Simon Kinberg, que é um estreante nesse lado da câmera, mas não podemos dizer que ele seja alguém completamente perdido no assunto. Em muitos filmes problemáticos, como foi o do Quarteto Fantástico de Josh Trank, dizem que Kinberg entrou como bombeiro e que foi ele que segurou as pontas na sala de edição pras coisas saírem de alguma forma. Aquele Quarteto foi um fiasco, eu sei. Mas tirar 'leite daquela pedra' não deve ser uma algo fácil. Fora isso, é graças a Kinberg que os quatros atores que se mantiveram desde 'Primeira Classe' voltaram, mesmo com o contrato já acabado. E olha que temos aí Jennifer Lawrence que notoriamente tinha prometido não voltar nunca mais.

E tenhamos nossos problemas com o que for a direção e planejamento que a franquia tomou (eu particularmente nunca aceitei bem tirarem Vaughan das sequências e seus planos recentemente revelados provam que seria um rumo bem melhor), não podemos ser tão inconsequentes de chutar esse filme pelo que ele não é. Ele não é o pior filme dos X-Men. Longe disso. Por mais que a franquia esteja desgastada, Simon Kinberg fez um trabalho muito decente nesse filme, o que certamente o coloca numa posição muito melhor que X-Men: Apocalipse e X-Men: O Confronto Final, por exemplo. Eu ouso até a dizer que melhor que o primeiro X-Men de 2001, do qual nunca gostei.



Se formos analisar todo o primeiro ato deste filme, chego a acreditar que é dos mais bonitos e que poucos outros diretores de filmes anteriores conseguiram levar as telas uma narrativa tão conectada e dinâmica. A cena do resgate dos astronautas bebe muito do que acontece nos gibis,  mas com uma assinatura própria, tem uma fotografia belíssima (que Kinberg tem experiência desde que produziu Perdido em Marte) e um timing muito exato pra você entrar na situação. Mesmo o leitor que já sabe o que vai acontecer, vai sentir a tensão bem trabalhada ali. Fora que os efeitos especiais, algo que é visto ao longo de todo o filme, parecem ter evoluído aos saltos quando comparado a Apocalipse e suas maquiagens meia-bocas. É uma cena de origem da Fênix perfeita. É fiel, é bonita, é redonda e sem enrolação.

Quando volta a a Terra, Kinberg já prepara um terreno até então pouco explorado nos filmes anteriores que pareciam se perder sempre nos dramas envolvendo os mesmos personagens. Desta vez, temos um Xavier que está envaidecido pela nova situação de ser o patrono dos heróis do planeta, uma Mística sutilmente incomodada por estar arriscando vidas mutantes para fazer 'planfetagem' para os humanos e um drama pessoal da Jean, onde descobrimos que parte do seu passado foi encoberto por Xavier e, quando isso vem a tona junto com o descontrole que a Força Fênix traz pra personagem, transforma-a em uma bomba relógio de nível atômico. O segundo ato do filme também vai bem, Kinberg não mentiu quando disse que a Jean de Sophie Turner era notoriamente a protagonista do filme e que por isso abdicou dos X-Men no título para deixar só o 'Fênix Negra' em destaque. 



O maior erro está no fato do pessoal do Marketing ter resolvido entregar aquilo que seria o maior impacto deste longa - A morte da Mística. Seria bastante inesperado e ajudaria melhor se pegasse todo mundo de surpresa. Mesmo que você reclame de como trabalharam a Mística mais 'boazinha' neste reboot, vai entender que o papel dela ali não é te comover como espectador, mas motivar a mudança de dois personagens sensivelmente ligados e apaixonados por ela - Magneto e Fera. Se você foi aos cinemas sem saber desse detalhe, garanto que aproveitou bem mais o filme. Sendo assim, esses são de fato os personagens que realmente importam no filme e tem história a contar. Noturno, Tempestade, Pietro e quaisquer outros tem seus momentos, mas esse não é o filme deles.



Nem tudo, obviamente é  só palmas até aí. O jeito como apresentaram Genosha no filme é de dar vergonha. Se de um lado você tem efeitos especiais tão refinados em cenas espaciais, que sentido faz ter um ilha onde mutantes moram em simples containers sem qualquer construção mais elaborada quando você tem como líder um cara que simplesmente pode modelar metais e construir qualquer coisa melhor ali? Fora isso, mais uma vez a franquia cai no seu erro de introduzir de novo personagens aleatórios mutantes, com poderes completamente distintos de suas contrapartes dos quadrinhos e sem trabalhar nada da personalidade deles fora serem meros capachos de poucas falas. Fora isso, temos uma cena de ação lá em Genosha completamente aleatória e desnecessária, que só cria uma baita 'barriga' esquisita no filme.

Outro erro fatal é o jeito que apresentaram os D'Bari, os aliens que provavelmente seriam Skrulls se não fossem certas mudanças finais no filme para desviá-lo de qualquer similaridade com a Capitã Marvel. Como vilões acessórios do filme, esses ETs acabam se saindo como criaturas mal trabalhadas e que deixam o filme só confuso. O fato de eles serem metamorfos, por exemplo, só serve pra justificar para eles tomares corpos humanos (só mudam uma vez de forma) e continuarem desapercebidos como terráqueos no resto do filme sem necessidade de efeitos especiais. A maioria deles só serve mesmo como mera peças descartáveis lá pra grande briga final. Vuk, a personagem de Jessica Chastain, incorpora basicamente o 'grilo falante' maligno pra Jean, e seu plano ora é usar a própria Jean como arma, ora ela mesma ser a detentora da Força Fênix. O que de fato ela e os D'Bari queriam, fica mais subentendido do que claro pra você. Particularmente, eu gostava mais do rumor quando Chastain era uma representação simbólica da Força Fênix e Jean era melhor tratada como vilã por inteiro.



Por fim, temos o terceiro ato, a tal parte que foi extremamente alterada nas refilmagens, mas que mesmo assim eu acho extremamente falha e difícil de engolir. Longe de mim questionar a parte da ação. Como falei antes, talvez Fênix Negra seja o filme mais 'bem cuidado' nos efeitos especiais de toda a franquia. Há cenas empolgantes quando Magneto entra em ação pra valer e com o Noturno enfurecido (por mais que sua mudança de temperamento seja repentina ali). Contudo, o ato se torna um caminho para a previsibilidade de como tudo vai se encerrar a partir daí. Primeiro, temos uma mudança pra lá de rápida de opinião daqueles que estavam ali para matar a Jean. Soa como uma resolução de poucos segundos porque precisa apenas acabar o filme. Depois, é decepcionante o que mostraram como combate derradeiro entre Jean contra Vuk e o restante dos D'Bari. E a resolução final, se algum momento te soar familiar, não ache que é só impressão. Há visualmente bastante coisa ali daquela cena com o que já vimos em Confronto Final.



Se podemos dizer que há um grande problema no filme, é justamente que Kinberg tentou se apegar demais em fazer a sua versão de 'Confronto Final' de um jeito certo. Há notórios momentos em que você percebe descaradamente que há uma pincelada do filme anterior neste. Temos confronto no bairro da casa dos pais da Jean de novo, Fênix quase desintegrando Xavier de novo, e, por fim, um sacrifício da Fênix de novo. Até a última cena no parque, bem, é uma menção a cena final daquele filme. E se referir tanto a um filme que sabidamente os executivos da FOX reconhecem como um erro, é um mistério que eu custo a entender.

Mas fora isso, como filme isolado, eu acho que X-Men: Fênix Negra tem seus bons momentos. Troca a ladainha repetitiva de Xavier e Magneto por um desenvolvimento conflituoso entre a Jean e seu Tutor. Inverte a posição de Charles, que em seus excessos de altruísmo, acaba cedendo ao ego ao ponto de arriscar seus próprios alunos. Cria relações tensas entre ele e Hank, que infelizmente se reverteram de modo pueril no final. Mesmo que longe do que seria ideal, desenvolve melhor o amor entre Scott e Jean do que qualquer outro filme anterior onde Wolverine acabava eclipsando o Ciclope. Enfim, mesmo com algumas atuações protocolares, é um filme que procura trabalhar melhor as relações dos personagens e com interações novas do que aquelas mesmas e mesmas que cansamos de ver antes.



Bem, o filme está já aí, dificilmente conseguirá reverter a catástrofe que está sendo sua bilheteria, e padece mais pelo erros do passado do que pelo produto que está aí hoje. Quem nunca teve problemas com franquia, ou não criou um ojeriza com os personagens até aqui, vale ainda dar uma conferida no dia mais barato da semana. É claro que não é o melhor final que poderíamos ter após esses 19 anos, mas graças as refilmagens há uma sensação de desfecho. Dizem por aí que a ideia original era ser um filme em duas partes. Não teria fôlego pra isso. O universo X nos cinemas vai precisar dar uma boa adormecida agora para quem sabe um dia com novo vigor e forças surgir das cinzas em uma outra realidade agora dentro de sua casa.

Coveiro

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