quarta-feira, 5 de junho de 2019

Grandes Histórias da Marvel no Brasil: Os X-Men Brasileiros



O INÍCIO DA EDITORA GEP E AS HISTÓRIAS INVENTADAS NO BRASIL PARA OS MUTANTES.

A Ebal era a editora que decidia e escolhia o destino dos personagens da Marvel no Brasil no final dos anos 1960. Foi a editora de Adolfo Aizen que trouxe para o Brasil, Hulk, Homem de Ferro, Thor, Quarteto Fantástico, Homem-Aranha e Demolidor.  Com a consolidação dos personagens da DC também pela Ebal, não foi difícil fazer com que a Marvel se saísse bem por aqui. Mas, para ter uma resposta rápida dos leitores, a Ebal decidiu publicar somente os personagens que faziam parte da primeira leva de desenhos animados da Marvel.

Os primeiros desenhos foram criados pelo estúdio canadense Grantray-Lawrence, em 1966. Muitas das artes feitas para os gibis foram aproveitadas nos desenhos animados. São os famosos desenhos onde havia poucos movimentos dos personagens, focados mais nas mudanças de cenas do que nos movimentos dos heróis.   

Cada personagem teve 13 episódios. Os desenhos foram uma febre entre as crianças e os jovens. Aqui no Brasil, os desenhos chegaram antes dos gibis. Oficialmente, então, os heróis Marvel tiveram a sua estreia no Brasil pelos desenhos animados. Os novos personagens foram exibidos pela TV Bandeirantes, de São Paulo, além da TV Rio, do Rio de Janeiro, TV Belo Horizonte, de Minas Gerais, e TV Alvorada, de Brasília. Foram os desenhos que deram origem à Marvel no nosso país, abrindo espaço para os lançamentos das revistas em quadrinhos.

 Outros segmentos que foram implantados para ajudar na onda dos heróis Marvel, além das camisetas e lancheiras, foram os brinquedos em miniaturas, fabricados no Brasil pela empresa Atma, que licenciou a coleção da empresa americana Marx Toys, com uma considerável mudança. Os personagens dos desenhos animados eram: Capitão América (que ganhou um disquinho com a música da abertura), Homem de Ferro, Namor, Hulk e Thor. Porém, a coleção original não tinha o boneco do Namor - no lugar dele, era o Demolidor que constava -, mas como o personagem não fazia parte dos desenhos, e ainda não era conhecido por aqui, a Atma desenvolveu o boneco do Namor com exclusividade para o Brasil, baseado em um antigo troféu de natação. O boneco do Demolidor nunca foi lançado no nosso país.

Com o sucesso na TV, logo os quadrinhos ganhariam vida por aqui.




Capa da edição de estreia dos X-Men no Brasil.

E aqui, mesmo que sem intenção da Ebal, foi criado um dos primeiros problemas na estrutura do Universo Marvel no Brasil em relação a sua cronologia: a divisão dos personagens por outras editoras.

Como a Ebal só queria os personagens dos desenhos animados, os que não foram aprovados pela editora de Aizen foram parar nas mãos de outras editoras nos anos seguintes. Nick Fury, por exemplo, foi editado pela editora paulista chamada “Trieste”, que já publicava “Lili, a Garôta Modêlo”, e Kid Colt, ambas escritas por Stan Lee. O mago Dr. Estranho, batizado no Brasil como “Dr. Mistério” ficou nas mãos da editora “Minami & Cunha” também de São Paulo, junto com algumas revistas do Conan.  E é nessa parte da história que entra a GEP.

 A Editora GEP (Gráfica Editora Penteado) foi a segunda editora a publicar o universo Marvel tradicional no Brasil. O editor Miguel Penteado já era um profissional experiente quando fundou a Editora GEP, em 1966. Miguel Penteado, junto com Reinaldo de Oliveira, Álvaro de Moya, Jayme Cortez e Syllas Roberg, foi um dos responsáveis pela Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, realizada em São Paulo, no dia 18 de junho de 1951. Exposição que contou com vários desenhos originais, de artistas como: Alex Raymond (Flash Gordon), Milton Caniff (Terry e os Piratas e Steve Canyon), Hal Foster (Tarzan e Príncipe Valente) e Al Capp (Ferdinando).
 
Em 1959, Miguel Penteado fundou a Editora Continental, juntamente com Jayme Cortez. (nesse caso, ambos eram sócios minoritários. O verdadeiro dono era Eli Otávio Moura Lacerda). Penteado foi um dos responsáveis pela publicação dos primeiros trabalhos de Maurício de Sousa, com as revistas Bidu e Zaz Traz, lançadas pela editora. Foi na Editora Continental também que saiu um dos super-heróis brasileiros mais famosos: Capitão Sete, com  roteiros de Jayme Cortez e desenhos de Júlio Shimamoto,  um personagem extraído da TV Record, criado por Ayres de Campos e adaptado para os quadrinhos, num total de 54 edições publicadas.                                   



Uma das páginas criadas no Brasil.


A partir de 1961, a Editora Continental mudou o nome para Editora Outubro.   Além das publicações citadas, a editora publicou entre revistas de terror e de combate, mais um super-herói, que também foi extraído da antiga TV Tupi - o Capitão Estrela.

  Isso após algumas divergências dentro da editora Continental, que depois de virar Outubro ainda mudaria mais uma vez a razão social para Editora Taika. Aproveitando o ensejo, a Editora Taika publicou uma revista chamada “Almanaque Fantásticas Aventuras”, com apenas uma edição, com histórias do período Atlas, publicada originalmente em Tales of Suspense n°15. Pelo que consta, o único material da Marvel publicado pela Taika. Antes da mudança da razão social, Miguel Penteado se desligaria da Outubro e fundaria a Editora GEP.                                                                                                                                                                 
A editora era localizada na Rua Clímaco Barbosa, n°128, no Cambuci em São Paulo. A Editora GEP foi a primeira a publicar o personagem brasileiro Raio Negro, de Gedeone Malagola. Vieram, na sequência, Múmia, Lobisomem e Frankenstein, além do personagem Fantar, de Edmundo Rodrigues, entre outras publicações. 

 Aproveitando o desinteresse da Ebal em relação a alguns personagens, a GEP lançou em 1968 "Edições GEP", com a primeira aparição dos X-Men no Brasil. As histórias dos mutantes da Marvel foram publicadas dentro dessa coleção, que tinha no total 23 gibis. Os X-Men participaram das edições 01 a 08, mais as edições n° 13, 14 e 19. As histórias são as produzidas pela dupla Stan Lee e Jack Kirby e, posteriormente, com os desenhos de Alex Toth e Jay Gavin. A GEP optou por começar pela edição 07 da revista original. As edições The X-Men (original americana) de 01 a 06 não foram publicadas pela editora. A GEP publicou as histórias das edições X-Men 07 a 19, que correspondem às lançadas nas Edições GEP. Criados em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby, os X-Men são um grupo de heróis mutantes, formado por Ciclope, Anjo, Fera, Homem de Gelo e Garota Marvel, que ao contrário do resto dos super-heróis Marvel, que ganharam seus poderes por meio de acidentes, radiação ou experimentos, já nasceram providos de superpoderes. Liderados pelo professor Charles Xavier, ou Professor X, um dos telepatas mais poderosos do mundo, os X-Men são obrigados a viver de certa forma como párias, aprendendo a controlar seus poderes e, ao mesmo tempo, interagir com uma sociedade intolerante com os mutantes. Era a Marvel no mundo real, explorando o preconceito e o racismo em suas histórias.     




Capa feita no Brasil pelo desenhista brasileiro Walter Gomes.


Foram publicadas em X-Men as histórias com a aparição da Irmandade de Mutantes (chamados aqui de Maldosos Mutantes), liderada por Magneto, o Mestre do Magnetismo. Essa equipe ainda contava com mais dois personagens, que ficariam populares nas futuras histórias dos Vingadores: a Feiticeira Escarlate (chamada de Bruxa Escarlate), capaz de controlar a probabilidade do universo e também capaz de alterar até a realidade, e seu irmão, o velocista Mercúrio, ambos filhos de Magneto.

Participavam, também, o mutante Blob, batizado pela GEP de Bolão, Groxo (chamado de Sapo) e Mestre Mental. O irmão de criação de Charles Xavier, chamado Cain Marko, após encontrar um rubi chamado Cyttorak, adquire uma mega força, tornando-se o vilão “Fanático”. Pela GEP, o personagem foi chamado de “Jaganata”. Também foram apresentados os robôs gigantes caçadores de mutantes, chamados de Sentinelas, criados pelo cientista Bolívar Tranks, com intuito de caçar e eliminar todos os mutantes do planeta. Além dessas publicações, a Editora GEP lançou dois Superalmanaque dos X-Men, com reprises das histórias já publicadas. As duas edições saíram com a mesma capa, desenhada pelo artista brasileiro Walter Gomes.

Miguel Penteado acabara gostando dos estranhos personagens de Stan Lee e Jack Kirby e via ali uma oportunidade de criar suas próprias histórias com os mutantes.  As histórias foram encomendadas ao grande Gedeone Malagola, responsável pelas histórias com os desenhos de Walter Gomes.  Foram dez histórias, 81 páginas (todas em preto e branco) e algumas capas exclusivas.  As histórias criadas no Brasil acabaram surgindo para preencher as revistas. Com algumas páginas faltando para a revista ser fechada, a solução foi criar histórias curtas para completar cada edição. As histórias feitas no Brasil até eram divertidas e complementavam bem com as histórias oficiais. Malagola disse anos depois que a Marvel sabia e tinha autorizado a publicação dessas histórias. Particularmente, acho pouco provável que a Casa das Ideias tenha autorizado as aventuras dos X-Men brasileiros. Se a Ebal que era a Ebal não tinha nem um contrato de exclusividade para as publicações, lembrando que era a APLA (Agência Periodística Latino-Americana), que negociava diretamente com a Marvel e renegociava com as editoras brasileiras não seria a GEP que teria uma autorização para tal criação no Brasil. 



Encontro inusitado entre os X-Men e Thor.


Um fato importante nessas histórias foi o encontro dos X-Men com o personagem Thor na edição nº 08. Nessa história, os X-Men descobrem que Thor estava congelado há anos. Após o descongelamento, Thor entra em combate com os mutantes. O Thor apresentado nessa história é visualmente igual ao Thor de Stan Lee e Jack Kirby, mas muito diferente em sua personalidade.  A história com Thor traria uma pequena dor de cabeça a Miguel Penteado, pois Adolfo Aizen da Ebal não gostou do editor da GEP ter usado um dos personagens que estavam em suas mãos.  Depois do “puxão de orelha” Miguel prometeu não usar nenhum outro personagem da Ebal.

Outra curiosidade em relação à GEP aconteceu com o personagem Raio Negro de Gedeone Malagola na edição n° 15 de sua revista. Nessa edição, o herói brasileiro participa de uma história com o inimigo dos X-Men, o mutante “Unus”, em mais um caso de história pirata feita no Brasil. A história foi desenhada pelo artista Luis Rodrigues.                                                               

Dentro da coleção “Edições GEP” foram publicadas as histórias do Surfista Prateado, nos números 09, 18 e 20, com os magistrais desenhos de John Buscema, além de uma Edição Extra, também com histórias do Surfista Prateado.                                                                                                                                                                                                                                       


Um dos compilados de encalhes da GEP.


Outro personagem Marvel publicado pela GEP foi o Capitão Marvel. Nesse caso, Miguel Penteado achava que tinha adquirido os direitos do personagem Billy Batson (o Capitão Marvel da Fawcett, que depois viria a ser chamado de Shazam). Como já tinha feito o pagamento pelos direitos, Penteado não teve escolha em não publicar.     
   
A Editora GEP, assim como várias outras editoras daquela época, infelizmente não durou por muito tempo. Penteado, cansado de editar histórias em quadrinhos, principalmente por causa da censura que ainda estava em voga, resolveu fechar as portas. Boa parte do catálogo da editora foi vendida para a M&C (Minami & Cunha), de Minami Keizi. A Editora GEP encerrou as suas atividades em meados de 1972.

Nos anos 2000, as histórias dos X-Men feitas no Brasil viraram matéria na revista americana “Alter Ego” editada por Roy Thomas, um dos maiores nomes da história da Marvel. Thomas ficou sabendo da história através do pesquisador e escritor Roberto Guedes, que acabaria sendo convidado pelo próprio para escrever a matéria em sua publicação.  Roy Thomas ficou surpreso, dizendo que nunca havia ouvido falar das histórias criadas no Brasil. Em 2014 todas essas histórias foram reunidas em uma publicação independente organizada pelos editores Marcio Baraldi e Worney de Souza em uma edição especial com os textos escritos por Roberto Guedes que foram publicados na edição de Alter Ego. Para quem nunca leu as histórias, essa revista compilada em 2014 é uma grande chance de conferir e é muito fácil de ser encontrada, já que as edições originais editadas pela GEP, além de raras são muito caras.

Alguns leitores acham essas histórias bizarras, outros acham divertidas, outros enxergam como um desrespeito a Marvel por fazer algo sem uma autorização prévia. De qualquer forma,  os X-Men brasileiros fazem parte das esquisitices que aconteciam no mercado de quadrinhos no Brasil. E servem para apresentar como eram os quadrinhos publicados nos anos 60, em um mercado que mesmo com milhares de revistas vendidas, ainda tentava se encontrar.



Capa da edição independente publicada em 2014 pelo selo Waz.
                                                                                                                                     
Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro "Marvel Comics - A Trajetória da Casa das Ideias do Brasil", livro que narra a história da Marvel em nosso país, publicado em 2017 pela Editora Laços. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.

Nota do Editor: As imagens das capas foram retiradas do site Guia dos Quadrinhos.

E leia mais matérias do Alexandre Morgado aqui e aqui!

comments powered by Disqus