terça-feira, 20 de agosto de 2019

Grandes Histórias Marvel no Brasil: Linha Premium e o fim da Marvel com a editora Abril



HÁ EXATOS 19 ANOS A ABRIL DAVA SUA ÚLTIMA CARTADA COM A MARVEL.

A Editora Abril entraria no ano 2000 causando uma grande revolução, radicalizando a linha de super-heróis da Marvel e da DC Comics. A partir de agosto daquele ano, a Abril lançava a linha “Super-Heróis Premium”, decretando de vez o fim dos formatinhos.                                                                                                                                                                                                                                          A linha Premium vinha no formato americano, com capa cartonada, lombada quadrada e com 160 páginas em papel especial, bem diferente do que era publicado nos formatinhos. A nova linha, além de apresentar o novo formato com a Marvel, sofreria mudanças também em sua distribuição. A nova estrutura nas distribuições começaria primeiro na região Sudeste do país e dois meses depois, chegava às demais regiões. Esse processo tinha como meta aproveitar praticamente toda a tiragem impressa pela editora, usando os encalhes. Com uma qualidade incontestável, a nova linha faria um rebuliço entre os colecionadores. Além do novo formato, o preço de cada revista causaria polêmica: os formatinhos, que eram na faixa de R$3,50, pularam para R$ 10,00 com a linha Premium. A maioria dos leitores, principalmente os antigos, gostou do novo formato, caso que ainda era muito discutido, pois os formatinhos já não combinavam mais, principalmente com os diversos lançamentos de outras editoras, que já investiam em edições com capa cartonada, e em formato americano.     


                                                                                                                                                                    Entretanto, a doutrinação com novos leitores poderia não ser um trabalho fácil.  Com o preço a R$ 10,00, a conquista e a formação de uma nova legião de leitores e colecionadores poderia não acontecer. A linha Premium elitizou o público que consumia as revistas, fato que faria com que diversos leitores deixassem de comprar a nova série.  A linha Premium, com toda a sua qualidade gráfica, ainda assim apresentava um problema:  a qualidade das histórias daquela fase. Com o início da proliferação da internet no Brasil, a Editora Abril criaria um site chamado “Heróis.com.br” em que respondia às dúvidas dos leitores, extinguindo as seções de cartas das revistas.


A Marvel ainda sentia os efeitos negativos ocorridos nos anos 1990 - a editora teve um prejuízo forte nesse período, principalmente após expandir as vendas das novas edições n° 01 dos principais personagens com a especulação do mercado direto de venda das revistas.  Sendo assim, a Marvel entraria em um processo de crescimento administrativo.   A partir de 1993, a Marvel compraria outras companhias, como Fleer/Skybox (cards), Panini Itália, a própria Malibu Comics, Heroes World (games) e 26% da Toy Biz (brinquedos).  A empresa de cards trouxe um enorme prejuízo para a Marvel, e somado à especulação do mercado de quadrinhos, que acarretou na queda das revistas, fez com que afetasse em cheio a receita da editora. Na prática, a Marvel gastava mais do que arrecadava. Isso fez com que a editora americana entrasse com um pedido de concordata. E todos os negócios corporativos, de certa forma, influenciaram a qualidade das revistas.


A Abril criou a linha Premium, na tentativa de recuperar o terreno perdido nos últimos anos, com a queda nas vendas das revistas de super-heróis. E para isso, era preciso revitalizar a linha, principalmente depois dos formatinhos não mais corresponderem às expectativas dos leitores. A linha Premium teve cinco novas revistas com sete histórias em cada, distribuídas em  160 páginas. Duas da DC, com Superman e Batman, e três da Marvel, com Homem-Aranha, X-Men e Grandes Heróis Marvel.                                                                                                                           

 O editor-chefe Sérgio Figueiredo, responsável pela mudança da estrutura, comenta a seguir sobre a linha Super-Herói Premium: “Esta foi a nossa pior fase, muito mais grave do que o período Collor. Em 1999, as vendas estavam muito ruins, em parte por causa da economia que titubeava, em parte porque não havia mais eventos. A DC já havia matado o Superman, quebrado o Batman, as vendas estavam em declínio. E as coisas também não iam bem na Marvel. Tudo indicava que era hora de segmentar as publicações, fazer encadernados de luxo, nos afastarmos aos poucos das bancas onde estávamos perdendo dinheiro. Foi então que surgiu a ideia de fazer edições grandes, com muitas histórias (de 06 a 07), bom papel, em formato americano, que era muito pedido pelos leitores. Nós sabíamos que não daria mais para publicar heróis em formatinho. O público agora via as edições importadas e queria coisa semelhante, além de exigir menor delay na cronologia. Ao contrário do que diz a lenda, as vendas foram excelentes no início. Havia muita queixa na internet dos fãs mais hardcore, mas o público, em geral, comprava. Infelizmente, porém, depois do impacto do lançamento, a linha começou a declinar. Hoje, concluo que a linha Premium foi um erro. Se pudesse voltar no tempo, faria diferente. Passaria tudo para o formato americano, zeraria a numeração, mas criaria mais títulos com menos páginas, mais ou menos como a Panini viria a fazer depois”, assinala Sérgio.

No primeiro ano de publicação, as vendas foram muito boas para Abril, principalmente com a revista dos X-Men, que impulsionada pelo primeiro filme, dirigido por Bryan Singer, em 2000, acabou ajudando nas vendas. A tiragem média na época com a linha Premium, com os primeiros números, foi de cerca de 30 mil exemplares por título.  Porém, em 2001, a linha começou a apresentar problemas com as quedas nas vendas. Fator determinante para o futuro da Marvel no Brasil. Uma vez mais, a editora americana estaria em cheque no Brasil. O dia 31 de dezembro de 2001 era a data em que o contrato entre a Abril e a Marvel se encerraria. Uma renovação não estava sendo discutida naquele momento. Uma última aposta da Abril seria a mais nova linha criada pela Marvel, onde os principais personagens estavam sendo revitalizados.  As novas revistas “Homem-Aranha- Marvel Século 21”, da nova série Ultimate (pela Panini a linha seria chamada de Millennium), chegavam às bancas em setembro de 2001. A série, escrita por Brian Michael Bendis, com desenhos de Mark Bagley, apresentava o mesmo personagem, mas pertencente à outra realidade.



Homem-Aranha- Marvel Século 21 teve somente quatro edições publicadas. A última edição, publicada em dezembro de 2001, chegava junto com as últimas edições de n° 17 de cada revista da linha Premium, com Homem-Aranha, X-Men e Grandes Heróis Marvel. O mês de dezembro de 2001 decretaria o fim da fase Abril com a Marvel Comics. O contrato, que terminava em dezembro daquele ano, não seria renovado. Durante o lançamento da linha Premium, a Panini já pensava em não renovar o contrato com a Abril. Durante esse período, a Panini Itália procurava outra editora para fazer a linha de produção nas revistas. Nesse processo, a Mythos tornou-se responsável por todo o Universo Marvel, a partir de janeiro de 2002.
                                                                                                                                                                          O editor da época, Marco Moretti relembra sobre o último mês da Marvel na Abril, e conta sobre aquela fase na editora:  “Inicialmente, a mudança para a linha Premium foi bem-sucedida, mas, logo, o custo de produção, aliado à crise econômica do fim dos anos 1990, acabou afetando o resultado, e as vendas ficaram aquém do desejado. Não podemos esquecer que era um produto caro de ser produzido, com papel LWC, capa em couchê encorpado, etc. Outro porém é que, justamente nessa época, a qualidade das histórias não era tão boa, e a Marvel passava por uma baixa. Não esqueça que isso foi pouco antes da estreia do primeiro longa-metragem dos X-Men. Somente depois disso é que o interesse pelos personagens Marvel voltou a crescer e a qualidade melhorou significativamente”.


Sérgio Figueiredo, que desde 1987 editava os personagens Marvel e DC, analisa abaixo a saída e o fim da parceria de 22 anos entre a Abril e a Marvel, que se encerrava no final de 2001: “Naquele momento, eu fiquei magoado, pois senti como se tivessem tirado meu filho – afinal, fui responsável pela Marvel por quase 15 anos. Mas, de certa forma, sabíamos que isso iria acontecer. Anos antes, a Abril tinha sido sócia da Panini numa joint-venture chamada Abril-Panini (com muitos álbuns de figurinhas dessa época). Quando a Abril vendeu sua parte na empresa, a Panini já poderia ter assumido a Marvel, mas firmamos um acordo que dava os direitos para a Abril até 2001. Tentamos negociar a continuidade, mas o negócio ia mal e a Abril estava demasiadamente focada no lançamento da revista Recreio e na operação da TVA. Francamente, não havia um interesse real da Abril em continuar com os quadrinhos de heróis. Como não chegamos a um acordo e a Panini tinha, com a Mythos, de Hélcio de Carvalho, os meios para colocar a operação de pé em semanas, não demorou muito para ela entregar a carta encerrando o acordo e assumindo, ela mesma, toda a linha.

Sinceramente, eu pensava que a Panini não conseguiria segurar as vendas, pois o mercado estava muito ruim, mas eles fizeram um excelente trabalho. Mantiveram o formato americano e diversificaram, abrindo o leque de títulos. Tentamos segurar a DC voltando ao formatinho (com a fase Planeta DC), que foi outra decisão errada. Como os prejuízos se acumulavam, fizemos vários lançamentos – incluindo Dark Knight 2 –, mas falhamos em reverter o quadro. Com a saída da Marvel, não fazia sentido manter a DC com custos tão elevados e a Abril decidiu abrir mão do contrato, que iria depois para a Panini”.

E continua suas lembranças: “Eu e os demais editores ficamos chateados, claro, mas não por ser a Mythos ou qualquer outro estúdio. Ficamos tristes porque não trabalharíamos mais com os heróis de que tanto gostávamos. Creio que qualquer um, em nosso lugar, teria o mesmo sentimento. Por outro lado, vivíamos o momento de maior crise nas vendas de HQs de heróis e a Disney e a Abril passavam por uma crise financeira complicada, como bem relatada no livro “Roberto Civita”, de Carlos Maranhão (“Roberto Civita: O Dono da Banca – A Vida e as Ideias do Editor da Veja e da Abril” - Companhia das Letras, 2016), lançado recentemente. Naquele momento, eu estava trabalhando como consultor de quadrinhos, com Marco Moretti na chefia da Redação. Eu havia sido convocado para adquirir direitos de outros personagens e outros negócios, que não eram quadrinhos, para a Abril. Com a saída dos heróis, fui chamado para cuidar dos negócios Disney (não só quadrinhos, mas tudo: figurinhas, atividades, livros, etc.). Felizmente, de 2005 para frente, o negócio prosperou. A Abril, na saída da Marvel e com a nossa desistência da DC, tinha que se preocupar com coisas muito maiores, como Veja, TVA, DirecTV e outra dezena de negócios”, comenta Figa.



Marco Marcello Lupoi, diretor italiano de licenciamento da Panini Itália, responsável por todos os licenciamentos da Marvel em diversos países, comenta sobre o fim do período Abril, e a transição da Marvel, indo para as mãos de Hélcio de Carvalho na Editora Mythos, onde seria criada a Panini Brasil.                   
                                                                                                                           
“A Panini administra os direitos da Marvel na Europa e na América Latina desde 1996.  De 1996 a 2001, trabalhamos com a Editora Abril no Brasil com um contrato de sub-licenciamento. No final de 2001, decidimos começar a publicar diretamente com nossa subsidiária brasileira, principalmente para reviver a linha Marvel, que tinha sido reduzida para apenas três revistas mensais (com a linha Premium). O crescimento, desde então, tem sido extraordinário, com os números de títulos mensais e especiais que temos publicado.  A estrutura editorial que escolhemos para a produção foi com a Editora Mythos. Uma empresa que eu já conhecia e apreciava, através do trabalho feito pelo Hélcio de Carvalho. Nesses 17 anos, a editora tem feito um grande trabalho”, assinala Marco Lupoi.

Para o bem ou para o mal, a Editora Abril salvou a Marvel no Brasil. Mesmo com toda a polêmica dos cortes, alterações, saltos e histórias omitidas, a editora foi responsável por resgatar o interesse nos personagens. Principalmente pelo jeito que as suas antecessoras trataram as histórias da Marvel por aqui.  A Abril foi a quarta editora, em apenas 12 anos, desde a sua chegada em 1967, a publicar as revistas da Marvel no Brasil. Depois da Ebal, da Bloch e da RGE, a Abril ficou com essa responsabilidade de unificar o universo Marvel, coisa que não tinha sido feita, até então.                   

A editora expandiu as publicações Marvel (e DC) no Brasil, aumentando a linha das revistas mensais, trazendo as edições de luxo e publicando centenas de edições especiais.   Para esse saudosista que vos escreve, fica a saudade de ir até a banca para comprar a última edição de Superaventuras Marvel do mês ou o desfecho de uma grande saga em Grandes Heróis Marvel.  A Abril, nesses 22 anos a frente da Marvel, cumpriu o seu papel, publicando um dos melhores períodos da casa das ideias, enfrentando o tumultuado mercado brasileiro, conforme a música que tocava.

Alexandre Morgado

Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro "Marvel Comics - A Trajetória da casa das ideias do Brasil", livro que narra a história da Marvel em nosso país, publicado em 2017 pela Editora Laços. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.

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