domingo, 24 de agosto de 2014

O Primeiro Agente da SHIELD: A história por trás do filme de Nick Fury

Antes de Samuel Jackson e Clark Gregg, a SHIELD (Superintendência Humana de Intervenção, Espionagem, Logística e Dissuasão), a principal agência governamental do Universo Marvel, já havia sido levada para outras telas, ainda que não as do cinema. Em maio de 1998, foi exibido pela Fox nos EUA um telefilme de duas horas chamado Nick Fury: Agent of SHIELD, em que o lendário personagem foi interpretado por David Hasselhoff, do seriado Baywatch, exibido no Brasil com o título de SOS Malibu

Não foi exatamente um sucesso pois ele ficou em quarto lugar na audiência, atrás da exibição das reprises de JAG - Ases Invencíveis e da segunda metade de Titanic, além de reprises de seriados em outras duas emissoras. Então, o filme se tornou apenas algo como o último dos filmes "B" da Marvel antes de Blade e X-Men mudarem tudo.

Apesar disso, o filme não era tão ruim assim e tinha pelo menos uma credencial respeitável, a do roteirista David Goyer, que escreveu Blade, Batman Begins e Man of Steel. Infelizmente, ainda que os personagens do filme não fossem muito diferentes do que foi estabelecido nos quadrinhos, nada de muito convincente foi feito com eles. Para piorar a situação, o elenco não era dos mais promissores e as restrições orçamentárias para recriar um mundo onde carros voadores e aeroporta-aviões são comuns ficaram muito evidentes. 

De acordo com o historiador Andy Mangels, especialista em gibis e filmes de Hollywood, um dos primeiros planos para a realização de um filme de Nick Fury em "live action" foi anunciado na revista "Semanal Variety" em 17 de setembro de 1986, que celebrava o 25o aniversário da Marvel e trazia artigos e anúncios. O filme seria realizado numa parceria da Hill-Obst Productions com a Paramount Pictures. Outros filmes anunciados foram Captain America, The Chameleon, Daredevil, Dr. Strange, Fantastic Four, The Protector, She-Hulk, Spider-Man, Decathalon, Sub-Mariner, Thor e Power Man. Destes, apenas aquele filme sofrível do Capitão América do início da década de 90 e do Quarteto Fantástico de Roger Corman, que foi "embargado" antes que entrasse em exibição, foram realizados. De maneira surpreendente, a Hill-Obst Productions ainda utilizaria Thor de certa forma no ano seguinte, no filme "Uma Noite de Aventuras" ("Adventures in Babysitting").



Na verdade, uma iniciativa recorrente da Marvel naqueles tempos era tentar atrair interessados em produzir os seus filmes com pouca coisa ou nada de concreto a oferecer além dos próprios personagens.

Em meados de maio de 1995, a Fox Broadcasting anunciou que tinha adquirido os direitos para realizar vários projetos com personagens da Marvel para a televisão, que na época pertencia à "New World Entertainment", incluindo Nick Fury, Geração X e Viúva Negra. Ao mesmo tempo, a New World havia vendido para a NBC os direitos de "The Punisher" e para a CBS os de "She-Hulk". Naquele momento, o escritor chamado para fazer o roteiro de "Nick Fury" foi  David Goyer, como já mencionamos, que já havia escrito para Blade, Ghost Rider, Dr. Strange e Flash Gordon.

O estúdio tinha grandes ambições para o personagem, tanto que escolheram Hesselhoff, um ator de razoável prestígio, para o projeto. Uma das decisões mais atraentes do show foi preencher o restante do elenco com vários personagens que saíram diretamente da mente de Stan Lee, Jack Kirby e Jim Steranko. Outros atores incluídos foram Lisa Rinna (Melrose Place), como ex-amante de Fury, a Condessa "Val" Valentina Allegro de Fontaine; Sandra Hess (Mortal Kombat) como a chefe da HIDRA, Víbora, Ron Canadá como Gabe Jones; Neil Roberts como o oficial britânico Alexander Pierce; e Garry Chalk como Dum Dum DuganNinguém pode dizer que o show não honrou o passado dos quadrinhos, o que não é uma surpresa para quem conhece a paixão de Goyer pela "nona arte".



Na época do lançamento de Blade 2, Goyer relembrou alguns detalhes sobre este projeto: "Eu havia escrito o roteiro alguns anos antes e na época da filmagem eu estava envolvido com o meu próprio seriado, Sleepwalkers. Eu inicialmente não estava empolgado com a escolha de Hasselhoff e achei o resultado do filme muito medíocre, mas Hasselhoff acabou sendo a melhor coisa nele. Ele entendeu a piada. O roteiro tinha um tom jocoso e Hasselhoff entendeu isso".

A abordagem quase caricata do ator deu um aspecto interessante ao personagem e trouxe uma simplicidade honesta a ele. Apesar disso, havia alguma resistência interna da Marvel a respeito do elenco, apesar do resultado final ter sido muito mais fiel aos quadrinhos do que "Geração X", exibido em 1996.

A Marvel sonhava por um dia em que pudesse realizar filmes que pudessem capturar a pura essência de seus personagens, algo que já estava próximo de acontecer com o Blade de Goyer e X-Men de Brian Singer, mas por enquanto teriam que se contentar com Hasselhoff. Apesar de "Nick Fury" ter falhado em causar impacto, pode-se argumentar que ele foi o primeiro filme da "Casa das Ideias" que respeitou e utilizou os elementos essenciais dos quadrinhos em sua concepção, uma filosofia que Goyer utilizou com mais sucesso em Blade e o mesmo aconteceria com Brian Singer e, mais tarde, com Sam Raimi em "Spider Man".



Parecia que a Fox tinha grandes esperanças para esse projeto, que seria apenas o primeiro de muitos com a SHIELD para a televisão, com Hasselhoff incluído. O orçamento para sua realização era um dos maiores já empregados pelo estúdio para um telefilme, cerca de US$ 6 milhões.

Hasselhoff chegou a afirmar em uma entrevista para a Wizard que respeitava muito as raízes do personagem e que havia assinado contrato para mais 5 filmes com ele e que adoraria fazê-lo no cinema. Infelizmente, para ele, o personagem acabaria sendo interpretado por Samuel Jackson quando isso realmente ocorreu. Ao mencionar o fato em uma entrevista que deu para a Movieline em 2012, Hasselhoff disse que gostou muito do trabalho dele, mas disse que sua versão do personagem era mais "orgânica" pois foi discutida com o próprio Stan Lee, que teria dito que ele era o "Nick Fury definitivo". Avi Arad, produtor que trabalhava na Marvel antes de ir para a Sony e alcançar o sucesso com "Spider Man", disse que "´ele seria Nick Fury para sempre´, e eles mentiram". O ator concluiu, lacônico, que "é isso que acontece quando Nick Fury perde para reprises de JAG". 

Algo que na época também não poderia acontecer como hoje é a interligação dos diversos personagens da editora entre os filmes da Marvel Studios e o atual "Agents of SHIELD", já que vários personagens estavam alocados em projetos de estúdios diferentes. Ainda hoje essa interligação não é total, com Sony e Fox com os direitos de personagens importantes como X-Men, Homem-Aranha e Quarteto Fantástico.



Não se sabe realmente se Hasselhoff continuava mesmo nos planos da Marvel ou não, mas ela continuaria insistindo com o personagem num novo projeto encabeçado por Goyer, que teve que abandoná-lo quando a Warner o contratou para escrever "Batman Begins". Em uma entrevista de 2004 para o site IGN, Goyer contou que "originalmente, eles queriam que eu fizesse Nick Fury na DreamWorks, e, então, a coisa toda de Batman aconteceu. Liguei para Avi e disse: ´Olha, eles me ofereceram Batman. Desde que eu era criança, eu disse à minha mãe que eu quero ir para Hollywood e fazer um filme do Batman. Eu tenho que fazê-lo.' E Avi disse, 'Não, você tem que fazê-lo.' ". 

Seja qual for o caso, havia grandes planos de Hasselhoff, Arad e Fox para "Nick Fury" mas, infelizmente, o filme não conseguiu impactar o público e permanece nada mais do que uma curiosidade bem-intencionada que precedeu a explosão da Marvel Studios no século XXI. Pode ser que agora haja um interesse maior em assisti-lo devido a seu pioneirismo, digamos assim, mesmo sendo obsoleto em relação a "Avengers". Não há muita envergadura em sua realização, mas o filme pode se orgulhar em silêncio de sua primeira tentativa de trazer o Universo Marvel para as massas. Caso queira formular sua própria opinião sobre ele, basta assisti-lo aqui (em inglês).

Este artigo se baseou em link divulgado recentemente pelo escritor Sam Howe em sua página do Facebook, o mesmo que escreveu o imperdível "Marvel Comics: A História Secreta", cuja leitura recomendo a todos.

C@rlos





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