quinta-feira, 7 de março de 2019

Resenha 616: Capitã Marvel



Hoje chega aos cinemas de todo o Brasil o filme da Capitã Marvel, o primeiro filme solo protagonizado por uma super-heróina da Marvel que foi prometido desde o anúncio de todos os filmes da fase 3 da Marvel em outubro de 2014. Se não bastasse todo o peso da responsabilidade que o filme já tinha ao levar a personagem que de fato nunca chegou a se firmar nos quadrinhos como a maior representação feminina da Marvel as telonas, o filme da Capitã Marvel se compromissou a ser um vinculo importante para o passado, o presente e o futuro da Marvel. Será que foi bem sucedido?

Foi durante a San Diego Comic Con de 2016 que a Marvel Studios revelou Brie Larson como sua Capitã Marvel, um nome até um tanto surpreendente ao ser anunciado quando o coro de fãs apontavam para uma atriz mais veterana.  Mas isso de modo algum significaria um risco para o filme. A atriz já havia provado seu grande talento ao ganhar um Oscar meses antes, e já denotava entrar no perfil da Marvel Studios de elencar sempre astros promissores entre suas  fileiras de heróis. Diferente das outras, Larson também era jovem,  tinha apenas 26 anos quando foi convocada e isso é importante para alguém que a Marvel nunca disfarçou que seria um dos principais rostos do UCM quando a fase 3 chegasse ao fim e alguns atores que estiveram aí desde o começo fossem infelizmente se despedir.



Foi na mesma Comic Con que pela primeira vez o filme foi oficializado como sendo algo no passado, antes do surgimento dos Vingadores, antes mesmo de Tony Stark se vestir pela primeira vez como o Homem de Ferro. O cenário é os EUA dos anos 90, e o filme abraça toda aquela narrativa saudosa de filme de aventura explosiva onde não só um, mas dois protagonistas de temperamentos bem diferentes se juntam para um vitória improvável. Nick Fury está lá e um pouco de sua história é revelada aqui (só um pedaço no meio dela, como já fez questão de dizer o  próprio ator). Mas mais que a história em particular do Agente da S.H.I.E.L.D, o filme se compromissou a ditar também o nascimento de como o UCM se prepararia para lidar com os tais super-heróis. Sim, já tínhamos um Capitão América. Mas para o pessoal  que vivia em meados dos anos 90, certamente ele era mais uma lenda. Aquele ainda não era o tempo dos heróis.

Assim, quando Fury se depara pela primeira vez com a personagem de Brie Larson que se chamava apenas de “Vers”,  falando de forma natural sobre heróis nobres Krees e aliens verdes vis chamados Skrulls, trata tudo com desconfiança e ironia. Mas logo a vida daquele que mal sonhava um dia ser o diretor da S.H.I.E.L.D. virá de ponta cabeça e ele se vê no meio de um enredo de aventura sci-fi imbuído de muito suspense, algo bastante comum nos filmes e seriados famosos da época. Contudo, as inspirações de Capitã Marvel não vem apenas dos filmes noventistas, não. Ela vem direto dos quadrinhos. Pouca gente, mesmo entre os leitores que até acreditam que conhecem bem o Capitão Marvel original, tiveram acesso ao primeiro material dos anos 70 escrito por Roy Thomas e depois Arnold Drake, sobre o soldado kree infiltrado sem viéis heróico que só ficou conhecido mais depois com o Capitão Marvel pré-Starlin de uniforme vermelho e azul. O filme é recheado de elementos dessas histórias e ao ouvir alguns nomes você acaba antecipando até viradas da trama mais adiante. É um pouco do ônus que o leitor experiente tem muitas vezes em ver seus heróis prediletos nos cinemas.



E já que falamos em quadrinhos, é importante voltar os olhos de como tão bem os roteiristas e diretores compreenderam também a jornada de Carol Danvers não só como heroína, mas como personagem. Recentemente, para se preparar para o filme, fui relendo alguns materiais de várias fases e a constante que temos é a busca de Carol Danvers para se encontrar, saber quem ela de fato é.  Em breve, vamos lançar alguns materiais aqui no site sobre isso, mas é importante adiantar que o filme não se acanhou em levar as telas essa noção de luta pela identidade.  Não só estou me referindo a questão da perda da memória, que também remete a fases cruciais dela nos quadrinhos, mas também por lutar para conseguir o espaço que ela acredita que é dela,  mesmo que tenha que se opor a família, a seus superiores do exército ou, no caso do filme, da StarForce. Lá mais para o final, tem uma excelente resposta de Carol Danvers quanto a essa questão de aprovação. De forma curiosa, serve também como respostas a todos aqueles que desmerecem o filme, a personagem e a atriz.

E nesse ponto, é curioso ver como todos os rompantes de fúrias de certos pretensos espectadores com um filme que sequer assistiram foram superexagerados. Em nenhum momento do filme, há algo panfletário sobre feminismo. Não que isso fosse algo incoerente se ocorresse. Assim como Brie Larson luta pela causa, as próprias histórias da Carol Danvers quando assumiu o manto de Ms. Marvel nos anos 70 pelas mãos de Conway e Claremont, foram uma 'carta' em favor do Sufrágio Feminino. Mas o filme aqui não teve essa pretensão. Acima de tudo, temos uma evidente mensagem bem direta as jovens garotas que vão lá conferir o filme nas telonas. Sejam espelhadas pelas lembranças da jovem Carol ou pela admiração da pequena Mônica Rambeau, Capitã Marvel está entregando uma heroína para vocês se espelharem. Na sua trajetória,  assim como a heroína, você vai cair muitas vezes, vai encontrar pessoas desconfiando de sua capacidade, vai deparar-se com aqueles que quer reprimir seu poder, mas no fim você vai se levantar e seguir adiante.


Dito isso, fica evidente o que vou dizer aqui é que o filme cumpre muito bem seu principal objetivo. Ele como um todo entrega uma heroína a se espelhar e a se admirar pra o futuro da Marvel.  Diferente do que muitos aí querem pregar, eu achei a atriz Brie Larson se encaixando muito bem no papel e com um senso de humor que combina com o que queremos ver num filme da Marvel Studios. As cenas de Carol Danvers com Nick Fury são constantemente agradáveis e divertidas, evidenciando quão bem os atores de fato se dão na vida real. Ainda assim, vale ressaltar que o filme é muito bem equilibrado entre a seriedade e a diversão, mas isso não impede de vez ou outra surgir aquele momento ‘whadafuq’ em uma ou outra cena. Já visualmente, é incontestável. As cenas da "Binária" são de fazer você querer voltar e voltar aos cinemas.

Ainda assim, vale ressaltar que não é  e nunca foi  a pretensão de Capitã Marvel ser o filme do ano de 2019. Ela tem um concorrente estrondoso em Abril, mas pra nossa sorte, ela estará também lá para fazer parte. Seu filme aqui é antes de mais nada a de um filme de origem e como tal deve ser comparado sempre com outros assim.  Para sair do mesmo, os diretores reinventaram a forma deste tipo de narrativa. Ao invés de conhecermos a identidade civil primeiro e descobrirmos como ele ganha os poderes e vira o herói, o que temos aqui é alguém muito superpoderosa que acaba tendo que descobrir  quem ela era e como se tornou o que é hoje. É um tipo de narrativa que vai e volta no tempo que eu gosto muito quando leio nos quadrinhos, mas entendo se ficar assustadoramente confuso de início para alguns. E em parte é proposital até. Afinal, você está vivendo a mesma confusão que a Carol está ao assistir o filme. E fora isso, onde há skrulls a ideia é mesmo de sempre confundir as mentes.


Outras coisas que podem incomodar quem for leitor de quadrinhos são algumas alterações na origem de certos personagens e inversões bruscas na trama. Mas isso é uma questão bem pessoal. Eu me considero um fã dessas histórias dos anos 70 que serviram de inspiração e achei todas adaptações bem justas para proposta do UCM. E mais importante,  ao invés de fazer de qualquer jeito essas mudanças, colocaram detalhes dos quadrinhos que só denota que os roteiristas sabiam com o que estavam mexendo, mas pediram licença poética pra seguir alterando esse ou aquele detalhe. Por outro lado, para mim, o que mais me intrigou foram como as novas informações sobre esse “passado” que acabou de ser inserido no UCM funcionarão ao rever os antigos filmes. Afinal, Capitã Marvel resolveu até mesmo mexer com um dos principais alicerces da Fase 1 da Marvel. Sim, estou falando de um objeto que você que viu o filme saberá justamente do que se trata.

Como crítica negativa principal para mim, o que mais o filme patinou foi ao aproveitar muito mal a suposta conexão que se pretendia fazer entre a trilha sonora dos anos 90 e determinadas cenas do filme. Nesse ponto, os dois diretores falharam miseravelmente. Não há nenhuma harmonia entre o que se toca e o que é visto de ação na tela. É isso ou eu odeio mesmo o som dos anos 90. Em todo caso, a lição que fica é que não é todo mundo que tem a genialidade de James Gunn de combinar tão bem esse conjunto de mídias. E aí talvez bata nessa hora aquele desalento de saber que ele não estará mais por lá. Gunn teria sido um excelente consultor nesta parte. Mas o que é preciso entender é que nem todo filme necessariamente precisa tentar repetir essa ideia. Os filmes do Homem de Ferro usavam uma e só uma música em cada filme, de forma pontual e marcante o suficiente para você sair do filme lembrando dela por anos.

Outra coisa que acabou prejudicando o filme é que em determinado momento para realizar as devidas explicações de certo plot da trama, os diretores interrompem o ritmo de urgência que se ganhava no decorrer do filme para serem didáticos. É algo que ocorreu do mesmo jeito em Homem-Formiga e a Vespa. Não chega a ser nada que comprometa. Mas como citei Gunn acima, imediatamente lembrei como o Joe e o Anthony Russo confiam na dedução do seu público e ficam bem longe desse tipo de narrativa e entregam assim um ótimo resultado. Seria exigência demais de um fã que acompanha o sucesso do UCM por 10 anos? Provavelmente. Mas eu acredito que é preciso confiar mais no público que certas nuances serão compreendidas com uma rápida sacada.



No mais, não quero detalhar nada sobre Starforce, Inteligência Suprema e Skrulls nesse resumo. Qualquer coisa que eu falar aqui poderia enveredar para spoilers que quero evitar. Basta dizer que alguns personagens ali tiveram mais espaço do que já tiveram nos quadrinhos por toda a vida e com um time aclamado como esse que a Marvel juntou no elenco, não poderia sair qualquer coisa. Sobre o gato, vou ser suspeito como dono de um, mas o Goose certamente tem um “quê” especial. E tudo que merece falar sobre eles, quero falar com direito a spoilers, então vou me segurar por ora até nosso podcast. Lá falaremos das duas cenas pós-credito e todas as camadas que o filme foi fundo nos quadrinhos em várias fases da personagem.

No conjunto, Capitã Marvel é mais uma entrega da Marvel Studios de diversão garantida para seus fãs. Atende quem vai estar com a cabeça aberta para entender que decisões são tomadas para universo diferente dos quadrinhos, mas talvez faça um ou outro torcer o nariz por pouca coisa. Mas para a grande maioria é mais uma adesão forte aos heróis que todos hoje em dia amam acompanhar nos cinemas. E replicando o que já citei acima, para seu real alvo, vai sim entregar uma heroína para todas as meninas se espelharem.



PS: E aproveitando o finalzinho aqui do texto, eis um aviso importante. Tendo em vista que pouca gente teve acesso ao material da personagem no Brasil, resolvi nas últimas semanas montar um apurado sobre Carol Danvers  que pretendo lançar em “partes” nos próximos dias. É uma versão diferente de nossas “maratonas” que acompanham os filmes. E é muito bom pra todos descobrirmos o quão pouco conhecíamos dela até então para fazer um julgamento justo. Terá não só detalhes das histórias, como de bastidores. Prometo algo especial.

Coveiro


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