sábado, 18 de junho de 2011

Ruptura Vs Manutenção - As Duas Vertentes Ideológicas dos Mutantes

X-Men vs Magneto

Em um diálogo com Nate Grey, o X-Man, Norman Osborn afirma que há um complicador quando se trata da comunidade mutante. O então diretor do MARTELO diz que “os mutantes são heróis com política”. Trata-se de um fator que acabou atrapalhando seus planos de controle da comunidade mutantes. Aparentemente, Osborn fala que não há esse empecilho em relação ao resto dos heróis, bastando, é claro, soltar um bom “avante, Vingadores” para as coisas fluírem bem.

Algumas considerações. Em primeiro lugar, devemos verificar qual o sentido de “política” que Osborn atribuiu à palavra. Em minha modesta opinião, o sentido atribuído ao termo foi o referente à “ideologia”. Mutantes seriam super-heróis com ideologia. Já o resto dos outros super seres seriam desprovidos de tal atributo.

Bom, ouso discordar de Osborn, mas não totalmente. Obviamente, uma considerável parcela da comunidade heroica tem um forte posicionamento ideológico. A Guerra Civil foi um evento que demonstrou isso claramente. Mas essa questão vai ficar para outro artigo. O foco, aqui, são os mutantes. E, de certo modo, Osborn está correto.

De um modo geral, tanto do lado dos heróis quanto do lado dos vilões mutantes, a questão ideológica é forte, ainda que, no mais das vezes, não tão bem tratada pelos autores. No fundo, conta-se nos dedos aqueles que abordaram, satisfatoriamente, o tema. Mas, ainda que tratado de forma deturpada ou errônea, a forte questão ideológica move os personagens mutantes.

Por muito tempo, a questão sempre girou em torno de dois personagens, cujo filme X-Men: Primeira Classe tem como principal foco: Professor Charles Xavier, conhecido como Professor X, e Eric Magnus (ou Lensherr ou, ainda, Max Eisenhardt ), mais conhecido como Magneto. Dois lados de uma mesma moeda. Para muitos, ambos seriam a metáfora de dois personagens importantes do movimento pela igualdade de direitos entre negros e brancos: Martin Luther King (no caso, representado por Charles Xavier) e Malcom X (personificado por Magneto). Mas os dois personagens se encaixam em outras metáforas. A associação, muito provavelmente, se deu ao momento de criação dos mutantes, cuja época fervilhava o movimento negro pela igualdade de direitos. Muito provavelmente, se os X-men e seu microuniverso tivessem sido criados em outra época, a metáfora seria baseada em outros personagens históricos.

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No fundo, Xavier representa a crença de que o sistema é bom, mas pode melhorar, enquanto que Magneto é o revolucionário que clama pela destruição do status quo, para o surgimento de uma nova ordem. Vejo, nesse ponto, uma metáfora mais interessante de analisar os outrora personagens centrais dos mutantes (hoje, a figura central é o Cike, mas isso fica para depois).

Xavier sempre pensou que o sistema, com uma boa dose de paciência, poderia evoluir. Ou seja, Xavier acredita que o sistema tem capacidade de aceitar os mutantes. No entanto, leva bastante tempo para isso e a mudança é sempre acompanhada de muitas dores e retrocessos. Aliás, trata-se de uma escolha que demanda paciência (não só do líder, mas de seus comandados) porque há uma grande probabilidade de se decepcionar várias vezes (fato que ocorreu diversas vezes com os X-Men), além de ficar em xeque com as próprias crenças (Vide o final de Deus Ama, o Homem Mata).

Magneto, por sua vez, acha que o sistema é viciado. Não só pelo fato de que nunca irá permitir a aceitação dos mutantes, mas a própria forma denota uma incapacidade de atender aos verdadeiros anseios do povo (no caso, o homo superior). Partindo dessa premissa, associado ao fato de pertencer a uma raça tida superior, bem como a enxurrada de problemas (como viver num campo de concentração) que o acompanharam, Magneto parte para a solução radical. Não há conserto para o sistema. O sistema tem que ser destruído para que surja um novo que atenda aos verdadeiros anseios do povo mutante.

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As duas visões, dependendo a quem se pergunte, podem ser consideradas corretas. Quantos de nós, em determinados momentos, não clamam por uma verdadeira revolução? Da mesma forma, quantos pensam que não é pela via democrática, que envolve mais diálogo do que força, o caminho para resolução dos problemas? Ou seja, ambos estão corretos, desde que guardadas as devidas proporções. Não há como concordar com os métodos de Magneto, pois, em última análise, este só quer promover a mudança da classe dominante (apesar que o intuito de várias revolções foi este). No fundo, as coisas continuariam parecidas, só mudariam os opressores. Mas, como forma de desenvolver a questão ora proposta, vamos nos ater ao fato de que Magneto tão somente que uma nova ordem.

Com efeito, se fosse feita uma análise mais isenta, Magneto e Xavier estariam no mesmo plano. É possível que alguns leitores consigam enxergar tal situação, mas fatalmente os escritores não, o que ensejou a criação de histórias que se trabalhavam os extremos dos personagens (Magneto um louco fascista e Xavier um santo paciente). Inclusive, boas histórias foram aquelas que mostravam certa razão de Magneto (mas sempre criticando seus métodos) e Xavier usando de métodos mais escusos (vide Perigo e Gênese Mortal).

Acho que o ambiente em que foram criados os mutantes mostrava esse caminho. Ainda que fosse período de luta e conquista dos direitos civis (negros e mulheres), a conquista deveria ser de acordo com a forma determinada pelos opressores (ou seja, nada de revoluções). Para mim, o sistema democrático, a melhor forma de governo, diga-se de passagem, também possui seus problemas, já que as regras são impostas pela maioria, que acaba, invariavelmente, cerceando o direito dos grupos mais fracos. E, em alguns casos, concessão dos direitos acaba ocorrendo mais como uma forma de manutenção do sistema do que como medida de justiça. Ou seja, a pressão exercida é simplesmente para que o sistema aceite uma determinada situação, mas isso não quer dizer o aprimoramento dele.

Essa questão refletiu nos autores, consciente ou inconscientemente. Creio (opinião minha) que se fosse um período diverso da história, num momento que a ruptura fosse vista como uma coisa boa (como, por exemplo, à época da Revolução Francesa) Magneto (ou uma versão radical de Xavier) seria o herói, em razão de sua postura revolucionária. Mas o período era outro, existia a guerra fria e o termo revolução, possivelmente, era associado aos movimentos socialistas e comunistas. Assim, o herói passa a ser aquele que joga dentro das regras do sistema, mostrando as virtudes e os possíveis caminhos para "correção” deste.

Assim, Xavier é privilegiado, ainda que faça coisas idiotas (como diria Kitty Pride) ou antiéticas, mas, mesmo assim, seja pela ingenuidade da época (ou dos escritores), seja pelo fato de estar do lado certo, crê-se que agiu corretamente. Nota-se que o comportamento apresentado por Xavier (ou por diversos heróis) hoje seria altamente questionado, tanto que algumas de suas presepadas renderam boas histórias de conflitos morais.

Creio que, analisando o retrospecto, e dosando certos momentos, Magneto seja mais coerente e sincero. Aliás, poderia se dizer até menos hipócrita, já que sempre deixou claro que faria de tudo, inclusive bagunçar a vida dos filhos, para alcançar o seu objetivo. Mas, mesmo que seja mais sincero e corente, um revolucionário (que, no mais das vezes, é tachado de terrorista) não pode ser um herói, a não ser que sua filha louca e ultrapoderosa engendre uma realidade onde ficou demonstrado que, depois de muita luta, os mutantes eram o povo escolhido. Só mesmo em realidade alternativa.

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Toda essa questão vem à tona em momentos como lançamento do novo filme da franquia dos mutantes, cujo choque de ideias (manutenção vs ruptura e Xavier vs Magneto) acaba aparecendo. Mas já faz um bom tempo que Magneto e Xavier, bem como suas ideias, estão fora do ambiente dos mutantes nos quadrinhos. Hoje, impera o pragmatismo de Ciclope, que dosa ações utilizadas por Magneto e Xavier, adaptando-as conforme a situação. Mas isso já é uma questão a ser discutida em outro artigo.

Até a próxima.

Rafael Felga

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