sábado, 19 de novembro de 2016

Em foco: Seu herói é o manto ou a identidade secreta?


Semana passada fizemos um texto sobre o momento atual das histórias da Marvel e, como esperado, tivemos muitas reações discordando dos pontos expostos. Em fóruns da internet, podcasts, análises de mercado e até nos debates semanais nas redes sociais esse é um assunto que tem estado em alta nos últimos anos. Com a postura da Marvel em passar o manto ou mudar drasticamente a identidade de seus principais heróis, não poderia ser diferente. Não poderia ser melhor.


Um dos primeiros heróis dessa nova geração foi Sam Alexander, o Nova. Adolescente de origem latina, Sam estreou em Marvel Point One, revista que gerou vislumbres do futuro da editora e inúmeras reclamações dos fãs. Afinal de contas, Richard Rider sempre havia sido o principal Nova terrestre e, após seu sacrifício em O Imperativo Thanos, parecia descabido colocar um adolescente do Arizona para assumir o manto. Mas o moleque segurou as pontas e mesmo sua revista tendo um estilo completamente diferente, conquistou sua parcela de fãs e se provou digno do uniforme.


Logo em seguida, Kamala Khan, adolescente inumana, ganhou poderes com a propagação das névoas terrígenas e assumiu o manto de Miss Marvel, abandonado há alguns anos por Carol Danvers. Mais uma vez, a reclamação dos fãs foi grande, dizendo  que a Marvel agora só pensava em como agradar as minorias, mesmo a Miss Marvel sempre tendo sido uma representante da minoria feminina. Mais de dois anos depois, a heroína é um dos principais nomes da nova geração de heróis da editora e conta com histórias elogiadíssimas pela crítica.

Os exemplos que dei são de novos heróis já consolidados no imaginário popular dos leitores e fãs casuais. Afinal de contas, quem nunca ouviu falar da super-heroína muçulmana ou do herói espacial adolescente que, inclusive, já foi personagem fixo de um desenho animado do Homem-Aranha? Claro, em ambos os casos, o manto pertencia a um herói classe B ou C e, antes disso, poucos não-leitores conheciam a franquia. Mas até uma década atrás, o Homem de Ferro também não era um herói classe B?

A discussão que quero propor se baseia na seguinte pergunta: o seu herói é o manto ou a identidade secreta? Você confia em Tony Stark para te defender ou no Homem de Ferro? É o Peter Parker ou o Homem-Aranha que te inspira? O que o codinome heroico significa para você?

Duas gerações de heróis

Particularmente, quando penso nisso, vejo que há casos e casos. Percebo que o manto do Capitão América é muito maior que a identidade Rogers - que a representação viva dos ideais americanos, da luta por um país livre e dos direitos assegurados à sua população não pode ficar presa a um homem. Mas também sei que o leitor desenvolve uma relação real com os personagens debaixo da máscara. Sei, por exemplo, que o Homem-Aranha é um dos maiores heróis da editora justamente por ter sua identidade secreta desenvolvida de modo tão verossímil e identificável, a ponto dos fãs não gostarem da nova namorada de Peter Parker e ficarem chateados por ele nunca ter se casado de fato com Mary Jane Watson. Mas isso não nos dá o direito de acharmos que aquele herói deva ficar para sempre atrelado àquele que porta a máscara inicialmente.

Peter Parker cresceu. O nosso velho Pete, agora é um empresário de sucesso com uma companhia multinacional. Seu nome ficou maior que o de Tony Stark no meio industrial e ele chegou onde sempre quis. Peter continua sendo o Homem-Aranha - mas com problemas de um empresário, de um homem adulto. E isso é bom. Deixemos as aventuras do Homem-Aranha colegial, do jovem que tem vergonha de falar com a garota que gosta e do adolescente que falta muito na escola porque estava combatendo o crime para Miles Morales. Nós ainda temos um Homem-Aranha jovem, só que com outro nome.

Peter construindo o futuro com as Indústrias Parker

Boas histórias são feitas independente do herói que a protagoniza. Bons escritores conseguem fazer tramas espetaculares para o Herói X e adaptá-las para o Herói Y, se necessário. Já tivemos muitos exemplos disso no passado. Porque, no final, o que faz com que sejam boas não é o protagonista, mas a narrativa. Obviamente, existem exceções, mas será que é realmente necessário manter o herói para sempre jovem em detrimento de novas personalidades e indivíduos? Será que é justo ficar mais de cinco décadas partindo do pressuposto que Peter Parker é um adolescente que ama Mary Jane e que vai ser feliz pra sempre ao lado dela mesmo passando por problemas financeiros todos os meses? A que ponto chega a mediocridade de não querermos ver o crescimento de alguém, mesmo um personagem fictício, apenas para que ele continue do jeito que sempre gostamos?

O manto representa o ideal criado por uma pessoa. O manto é uma ideia. Se você não leu ou não se lembra, recomendo a fase de Ed Brubaker à frente do Capitão América. Lá é possível ver o dilema moral de Bucky Barnes antes e depois de assumir o uniforme de seu falecido amigo. Todo o sentimento de indignidade, de não-merecimento, de que só Rogers poderia ser o Capitão real. E no final percebemos que não é bem assim. Nem mesmo Steve Rogers queria carregar o peso de representar o maior país do século XX, mas aceitou a tarefa e a fez dignamente porque era necessário. Porque era um soldado. Bucky, quando aceitou a tarefa, o fez para algo diferente, para redimir os seus pecados e seu passado como Soldado Invernal e fazer um trabalho tão importante quanto o que seu amigo fez.


Você já parou para pensar nisso? Em como seu apego e nostalgia pelo personagem talvez o impeça de abrir a mente para histórias maiores, para desenvolvimentos mais complexos e para lutas que você nunca pensou? E eu não falo só das lutas com vilões malignos e super poderosos. Afinal de contas, você segue o manto ou a pessoa?

Este texto continua em breve.

N.I.C.K.

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