domingo, 8 de dezembro de 2019

CCXP'19: Nem tudo precisa ser uma fila!


Geralmente, ao final da cobertura de um evento com a magnitude da CCXP, que repetiu seu desempenho ao revelar toda sua grandiosidade mais uma vez ao se colocar merecidamente como uma dentre as maiores Comic Cons do mundo, é comum a gente sentar aqui e desfraldar vários elogios num texto sobre tudo que aconteceu esses dias. Fiz isso praticamente todos os anos e facilmente poderia repetir aqui outro artigo cheio de coisas boas a salientar neste edição também. Todavia, essa matéria do site vai ser um pouco diferente (e o título provavelmente entrega esse spoiler antes).

Desde o ano passado queria ter feito esse texto, mas acabei deixando de lado pra evitar alguma má interpretação por parte da organização. Acredite, é bem mais fácil pra um site miúdo feito o nosso não se indispor (até porque viver de polêmicas nunca foi nossa praia). Mas este ano em particular, alguns relatos de participantes com problemas de acesso ao painel Marvel do Sábado e um video com uma confusão no estacionamento onde uma galera deveria virar a noite para ver o painel no dia seguinte me fizeram ponderar sobre fazer esse texto este ano.

De fato, a parte mais desejada de 9 em cada 10 participantes ali presentes no evento, é ter acesso aos paineis do Auditório Cinemark em qualquer um dos dias. É lá que as grandes novidades dos Estúdios são postas, as maiores celebridades de Hollywood são levadas e certamente você se sente de fato em outro mundo, contagiado por uma só emoção junto a uma plateia de mais de 3500 pessoas. O acesso a ele, no entanto, revela-se bem difícil. Considerando que a São Paulo Expo recebe por dia cerca de 70 mil pessoas no evento, só cerca de 5% de quem está lá terá esse privilégio.

Para conseguir estar nele, você já deve ter ouvido falar das restritas opções. A primeira é pagar a versão mais cara da entrada da CCXP, chamada por eles de Full Experience, cujo valor foi de 8 mil reais esse ano (quatro vezes mais do que o ingresso Epic para os quatro dias) e te coloca em qualquer lugar a qualquer hora. A outra é depois de garantir a entrada no preço normal, se programar para chegar muito, muito cedo na fila. Bem, ao menos era assim antes, só que as pessoas começaram a chegar cada vez mais cedo em cada edição do evento ao ponto de que passou-se literalmente a acampar e madrugar no estacionamento da São Paulo Expo. E esse ano a coisa foi além.

Sem querer entrar em muitos detalhes, esse ano tivemos vários problemas extras quanto a isso. Para o Sábado, a fila começou a se formar bem antes do evento da sexta fechar as portas, ao ponto que muita pessoas que estavam chegando com travesseiros e sacos de dormir, se deparam com a notícia de que não adiantavam mais ficar lá. Aí teve confusão com a segurança. E teve frustração de quem veio de fora e se programou diferente. Teve chateação de quem pagou pelos quatro dias e descobriu que para ter acesso ao auditório deveria ter sacrificado um dia antes daqueles que havia já pago. A organização se posicionou tarde da noite pedindo para ninguém ir mais para lá já que decidiu distribuir as pulseiras para os 3 mil primeiros já presentes antecipadamente. Como resultado disto, basta dar uma rápida batida de olho nos comentários da postagem da CCXP  e ver muita resposta negativa sobre a decisão. O que é péssimo pro evento.



Desde o começo, a CCXP sempre se valeu em sua defesa sobre seguir o que acontece na San Diego Comic Con e seu desejado Hall H como modelo pra cá. E de fato, há filas que se formam por lá, mas são completamente desencorajadas pela organização deles. Eles tem maior preocupação com acidentes ou coisas do tipo nos arredores do evento. Por isso, as filas já fazem alguns anos que não são para garantir a entrada no painel, mas sim para ter um bom lugar no painel. Elas começam a se formar na noite anterior onde as pessoas ganham pulseiras com codificação e elas depois podem ir pra casa dormir tranquilamente e voltar mais cedo, bem mais cedo se quiserem lugares na frente, mas já sabem que terão garantida a entrada ao menos. Todas essas regras estão bem estipuladas aqui.



Outro detalhe importante que vale destacar é que apesar de indubitavelmente a CCXP ter se tornado uma das maiores feiras em números, e estar a cada ano mais caindo nos olhos dos grandes estúdios, em termos de volume de atração, ainda não estamos lá. Por isso que mesmo quem não consegue o acesso ao Hall H que hoje comporta 6500 fãs (quase o dobro que aqui), se satisfaz com a feira porque no mesmo dia que a Marvel Studios está lá com suas novidades, tem outra sala com capacidade pra 4800 pessoas mostrando a nova série da Batwoman de um lado ou outra com 2600 pessoas com uma nova série da Amazon, por exemplo. Não tenho dúvidas que um dia chegaremos a isso, mas diferente de lá, não temos ainda uma programação que compita entre os paneis e divida o apreço pelos muitos fãs ali. Comparativamente, mais que o Hall H lá, o Auditório Cinemark é muito mais almejado pelos fãs daqui.

É preciso também destacar que nos últimos anos, graças ao advento dos filmes de Super-heróis que impulsionaram toda outra parte do mercado que incluem os quadrinhos, as séries, animações e jogos, também ajudaram a crescer os outros eventos de cultura pop nos EUA a fora. Além da Nova York Comic Con que também sempre foi bem estabelecida, é notório que outras crescem ano a ano a olhos vistos - Wondercon na Costa Oeste, a Ace Comic Con que acontece em várias cidades diferentes no meio dos EUA, a Dragon Con em Atlanta são só alguns exemplos. É um cenário bem diferente do Brasil de hoje. Fora o fato de que muito de nossos eventos de quadrinhos deixaram de existir nos último anos, nenhum deles foi construído para ser o que a CCXP é. Comparativamente, mais que o SDCC é lá, a Comic Con Experience é muito mais única para os fãs daqui.

O crescimento é notório. Como nunca antes, mesmo com a reforma e expansão da São Paulo Expo, a edição deste ano da CCXP anunciou venda total de todos os ingressos para todos os dias do evento muitos meses antes. O crescimento do público que vem de fora do Brasil também é ressaltado por eles, e quem passeia por lá percebe que ficou muito mais fácil de trombar com gente de outros cantos da América Latina. CCXP tem se tornado um evento cada vez mais único do jeito dela e está na hora de começar a pensar que ela é diferente e deve parar de se espelhar na SDCC para resolver seus problemas. Em sumo...

...Nem tudo precisa ser uma fila!

Sim, uma das grandes queixas do público, as famigeradas filas da CCXP chegam na quinta edição do evento e continuam sendo um grande desgaste de ambos os lados. E mesmo que este ano pareça que de repente decidiram mudar a coisa no meio do caminho e fazer uso das pulseiras, essa é uma solução frágil que tende a voltar a dar problemas a curto prazo. Mesmo que adotada ainda lá fora pela San Diego Comic Con e pro Hall H, tem que se considerar que comparativamente aqui a disputa é muito mais acirrada pelos motivos que salientei acima. Depois da confusão da noite da sexta, já havia gente numa fila no Sábado de manhã pra ter acesso aos painéis do dia seguinte, no Domingo. Não me impressionaria de ver filas na 'spoiler night' pro Sábado se nada mudar em 2020. É preciso pensar diferente do que os caras fazem lá fora e começar a enxergar nossa realidade.




Longe de mim querer achar que tenho a resposta, mas já faz um tempo que algumas outras Comic Cons desenvolveram uma alternativa interessante para outra coisa tão disputada quanto seus painéis - os colecionáveis exclusivos. Lojas como a Funko e LEGO fazem uso já a alguns anos dos recursos de 'Loterias' em que os interessados em adquirir as peças exclusivas precisam cadastrar seu número de inscrição no evento e os dias de interesse num site para ter uma chance de ser 'sorteado' e poder entrar na loja em dado horário previamente estabelecido e fazer suas compras. Seguindo essa ideia, a NYCC desde de 2018 usou 'loterias' para que as pessoas antecipadamente se pré-inscrevessem para tentar ganhar a chance de ver a premiere da série de Titãs e do filme 'Maus Momentos no Hotel Royale' da FOX (Ambos com participação do elenco num painel logo depois). Em 2019, soube que a AMC adotou o mesmo método com sucesso para a Premiere do primeiro episódio da décima temporada de The Walking Dead. A ideia aparentemente tem funcionado bem e se espalhado.




Talvez exista até mesmo relutância por alguns de início aqui, mas esse sistema de pré-seleção de sua vaga me parece ser no momento uma maneira muito mais cabível pra realidade que temos hoje. Evita desgaste das pessoas que sabe-se-lá quantas horas ou dias antes vão querer se antecipar em filas sem garantias. Não compromete quem opta pela escolha do Ingresso Epic (de quatro dias) arriscado de sacrificar uma sexta útil de evento se quiser arriscar um painel no sábado (sem saber se é garantido de entrar). E quem ficou de fora desta vez este ano, ao menos já terá uma noite melhor dormida e tempo livre para imaginar alternativas do que fazer.

Obviamente, sei que há necessidades e realidades a se adequar por aqui. Parece ainda impossível desenvolver essas 'loterias' para cada painel da CCXP devido ao apertado horário, tendo que provavelmente agrupá-las em períodos ou até mesmo em dias inteiros. A realidade do Brasil também vai requerer a presença de uma auditoria regulamentada por meios oficiais, mas nada que dê grandes custos ou trabalho a organização do evento que ganharia em muito com uma resposta mais positivas dos fãs. Parece-me ser um resultado win-win para todos. Portanto, encerro pedindo um voto não só a organização como também ao público que considerem...

...Nem tudo precisa ser uma fila!

Coveiro

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