segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Grandes Histórias da Marvel no Brasil: Quando Conan virou Hartan


HARTAN NÃO É UMA EDIÇÃO PIRATA DE CONAN. POLÊMICA EM CIMA DA REVISTA GERA DISCUSSÃO ATÉ HOJE.

Tudo começou em uma edição da antiga revista Wizard da Editora Globo. Nessa edição foi apresentada uma matéria sobre os 30 anos da Marvel no Brasil, assinada por Edson Diogo do site Guia dos Quadrinhos, com as principais revistas publicadas no Brasil por diversas editoras. Foi lá que pela primeira vez, tomei conhecimento de que uma revista batizada de “Hartan” tinha sido publicada por aqui. Na matéria, Edson comenta que a tal revista é uma edição “pirata” do personagem Conan publicada no Brasil sem autorização.





Por muito tempo, a afirmação de que Hartan teria sido publicada de forma pirata, sem nenhuma autorização de um representante do Brasil ou da própria Marvel sempre era a mais dita.  Muitos anos depois, em uma conversa com o próprio Edson Diogo, eu recordei sobre sua matéria, questionando a afirmação da revista Hartan. O mesmo acabou dizendo que por ter um título diferente, achou que a edição Hartan era pirata. Simples assim... Mas afinal, que diabos é esse tal de Hartan?

Hartan é nada mais, nada menos, que o personagem "Conan, o Bárbaro", criado por Robert Ervin Howard e adaptado nos quadrinhos pela Marvel por Roy Thomas em 1970.         No expediente da revista consta “Aventurama, uma publicação da editora Graúna”.  A Editora Graúna foi uma empresa paulistana localizada à Rua Vergueiro, nº 47. Fundada em 1967 por Ulisses Alves de Sousa e pelo experiente Reinaldo de Oliveira, um dos pioneiros no ramo de publicações no Brasil, tendo passado por diversas empresas durante sua carreira. Reinaldo trabalhou em áreas diferentes de várias editoras como: Abril, La Selva, Novo Mundo, Jotaesse e Regiart. De forma indireta, Reinaldo de Oliveira prestava assessoria para mais um punhado delas. Editoras como: Maravilha, Gorrion, Roval, Kultus, Bentivegna, O Livreiro, GEP, Minami & Cunha. Reinaldo também trabalhou na Maurício de Sousa Produções e com jornais. Um currículo e tanto do experiente editor.


Reinaldo era muito bem relacionado e um dos grandes profissionais de sua época. Com a Graúna, Reinaldo publicou alguns super-heróis brasileiros, dentre eles "Golden Guitar", personagem de Benedito Aparecido da Silva e Rubens Cordeiro, “Místyko”, personagem criado por Percival de Souza e Rubens Cordeiro, e o Homem Fera (personagem idêntico ao Pantera Negra). Da Marvel, publicou apenas a primeira edição da revista "A Enfermeira da Noite". A sequência da publicação seria concluída pela Editora Gorrion do Rio de Janeiro. A Graúna publicou também, em apenas uma edição, a revista "História de Amor”, extraída do título original “Our Love Story” nº 04.
A revista Hartan é considerada por muitos como sendo uma publicação “pirata”, por falta de autorização para a publicação. Mas a história não é bem isso e somente isso. O que dizem é que a Editora Graúna publicou o personagem sem uma autorização da Marvel. 


 Acontece porém que as empresas que vendiam as provas das publicações eram a APLA e a Record. A agência era a responsável por comprar todas as histórias da Marvel e a APLA comprou e repassou essa história para alguma editora - isso é fato. Naquele ano de 1973, seria muito improvável a aventura ser publicada sem uma autorização. Afinal, como a editora teria adquirido os arquivos dessa história em particular? Lembrando que as agências compravam lotes completos dos mais diversos personagens.       

Com o fim da Minami & Cunha, primeira editora a publicar Conan no Brasil, algumas de suas publicações foram para outras editoras. E é aí que a história fica interessante. A Roval adquiriu os arquivos para publicar Conan - os direitos de publicação eram da APLA, que já tinha vendido para a M&C. Era a agência que comprava da Marvel e fornecia às editoras, e se alguma delas não se interessava por determinado título, ele era oferecido para outra e assim por diante. No caso de Conan, a sequência da história editada pela Minami seria com a revista Hartan. Como a editora já possuía os arquivos, após o encerramento de suas atividades os direitos foram cedidos à Roval. A Graúna era a editora responsável por imprimir os lotes da Roval e da Gorrion e como parte de um acordo, a Roval forneceu essa história publicada em Hartan, para que a Graúna publicasse. Naquela época as editoras recebiam antes das revistas estarem prontas e uma prova de capa gerava um valor em média de 30% do valor do lote. A Roval forneceu essa história para que a Graúna tivesse esse valor e para que a própria editora também garantisse o seu. Como a revista ia para o registro do Departamento da Polícia Federal antes de chegar às bancas, não seria possível ter dois registros com o nome Conan em duas editoras diferentes. A solução seria mudar o nome de uma das revistas, pois só assim, as duas editoras teriam como ganhar algum. E assim, Conan se tornou Hartan pela Graúna, dando sequência ao material editado pela M&C.  Reinaldo de Oliveira, além de editor, era produtor gráfico, e foi ele o responsável pelo logotipo “Hartan”, sendo o responsável também pela editoração e montagem da revista.


Documento de registro do Departamento de Polícia Federal. As revistas só eram publicadas com essa autorização.


A Graúna encerrou suas atividades como editoras, ficando apenas com a parte gráfica para outras editoras, principalmente a Roval e a Gorrion. A Roval também publicou o personagem Conan, em três edições, no mesmo ano em que foi publicada a edição de Hartan. Pode ser que as mesmas publicações - tanto Hartan, quanto a edição número 01 do Conan da Roval - tenham chegado às bancas no mesmo mês, ou próximas uma da outra. A M&C, responsável por ter sido a primeira a publicar as aventuras de Conan no Brasil, editou em 1972 as aventuras correspondentes de “Conan The Barbarian” números 08, 12, 13 e 14. Hartan corresponde à edição n° 15 e foi publicada em 1973. A Roval publicou correspondentes às edições 09, 10 e 16 também em 1973. A Saber, quando publicava “Popeye” , batizou a revista de “Pepi Papo”, pelo simples fato da RGE já estar editando uma revista chamada Popeye (o título Pepi Papo era a derivação das duas primeiras letras dos quatro personagens que participavam da revistas: Pestana, Pinduca, Pafúncio e Popeye). Pelo mesmo motivo, “Recruta Zero”, pelas mãos da Saber, era chamado de “Zé, o Soldado Raso”. Essa comparação também vale para o “Demolidor”. Quando a GEA editou algumas revistas nos anos 70, a editora não pôde usar o nome Demolidor, porque era de registro da Ebal. A solução foi rebatizar o personagem de “Desafiador Desconhecido”.  Tudo isso por causa do registro no Departamento da Polícia Federal.

 Vale lembrar que a Editora Graúna publicou a primeira edição da revista “Enfermeira da Noite” e as demais edições foram continuadas pela Editora Gorrion, impressas pela própria Graúna. Pelo fato da Graúna imprimir tanto suas publicações quanto as da Roval e da Editora Gorrion, as propagandas das contracapas eram exatamente as mesmas. As publicações de ambas as editoras eram muito parecidas e uma vivia fazendo propaganda na revista da outra, com anúncios de cursos de desenhos. Um desses anúncios era sobre o curso de desenho cômico do artista Aylthon Thomaz.


 Portanto, Hartan não é uma edição pirata publicada sem autorização da Marvel. Essa história publicada em Hartan é a sequência direta da história publicada na revista Dr. Mistério 02, da M&C, publicada originalmente em Conan The Barbarian, nº15. Essa edição conta com a estreia do personagem “Elric de Melniboné”, de Michael Moorcock, nos quadrinhos. Completa esse número uma história assinada pelo mestre Eugênio Colonnese. Independente da polêmica em torno da revista, Hartan é um dos itens mais raros da Marvel já publicados no Brasil. Um leilão dessa revista no site Mercado Livre já chegou perto da casa dos mil reais.


Alexandre Morgado
Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro "Marvel Comics - A Trajetória da casa das ideias no Brasil", livro que narra a história da Marvel em nosso país, publicado em 2017 pela Editora Laços. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.

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