domingo, 10 de março de 2019

Arquivo Carol Danvers #1: Apresentando a Senhorita Danvers


Temos muito o que falar sobre a Capitã Marvel nos quadrinhos. É tanta coisa que eu tive que dividir em algumas partes. É uma trabalheira, mas o que motiva é saber que muita coisa que ficou de fora nas publicações do Brasil podem finalmente vir a tona com o que vem a seguir. Os textos que você vai acompanhar a partir de agora essencialmente são sobre a Carol Danvers e sua trajetória até se tornar a heroína que estreou nos cinemas em 2019. E ela passou por um bocado. Desde sua criação, foi posta a prova por intensos perigos, revelou uma coragem sem igual e sequer tinha seus poderes. No começo, antes de ser a Capitã Marvel, antes de ser a Warbird, antes de ser a Binária e muito antes de ser Ms. Marvel, ela era a Senhorita Carol Danvers.

A ideia nessa sequência de textos que resolvi escrever e levar até vocês é fazer um apanhado de toda a trajetória dessa mulher que fez 51 anos de existência nos quadrinhos este mês. Sim, foi em 10 de Março que a sua edição de estreia em Marvel Super-Heroes # 13 chegou as lojas americanas. Os textos transcendem qualquer alcunha de herói. Serão um registro sobre a Carol. Contudo, não tem como começar esse primeiro escrito sem falar sobre a história do Capitão Marvel original. Afinal, ao lado do protagonista principal, o soldado herói Kree Mar-Vell, nossa querida Carol Danvers era figura essencial das histórias. Talvez quando foi criada em 1968, não existisse ainda a pretensão de torná-la uma heroína, mas em essência o espírito dela estava imbuído disto. Talvez, de todos os personagens que figuram os primórdios das histórias do Capitão Marvel original, a senhorita Danvers era de fato a mais corajosa e altruísta ali.

A BRIGA POR UM NOME

Mas antes de seguir em frente, preciso criar um parenteses em forma de três parágrafos para explicar rapidamente o porquê da Marvel só criar quase seis anos depois um personagem com o nome da sua editora - o Capitão Marvel. Bem, se você já rodou por aí pelos fóruns de quadrinhos, já deve ter inclusive visto uma baita confusão entre Marvetes e DCnautas justamente pelo uso do pseudônimo heroíco. Para a galera da concorrência, o "verdadeiro" Capitão Marvel é e sempre foi o Shazam! Bem, em termos é verdade, mas como "Capitão Marvel" mesmo, a dura realidade é que ele nunca chegou a poder usar um revista com esse nome pela DC.

 Quando Billy Batson gritou a palavra mágica Shazam! pela primeira vez e assumiu o manto de 'Capitão Marvel', ele pertencia a pequena editora Fawcett Publications. E era um sucesso. Chegou a ser um sucesso maior que o Superman na época, personagem que nitidamente se inspirou e que fez a National (que era o nome da DC na época) entrar em processo em 1941. Ficaram nessa disputa por anos a fio até ganhar a causa em 1953. Fawcett desistiu do ramo dos quadrinhos e o personagem ficou na geladeira (para somente muito mais tarde ser englobado pela DC Comics assim como ela fez com muitos dos personagens de outras editoras ao longo de sua história). De 1953 até 1966, não houve sinal de um Capitão Marvel nos quadrinhos.



Bom, a coisa mudou quando o ex-quadrinista da Timely, Carl Burgos, junto com o editor Myron Fass, tentou emplacar em 1966 um herói diferente em termos de concepção mas ainda se aproveitando da fama do antigo personagem. Durou só uma penca de edições e não vingou muito. Só que desta vez a Marvel Comics já estava criada e essa tentativa de Burgos foi o suficiente para chamar a atenção de Martin Goodman, o dono da editora da Marvel. Para ele, já era hora da própria Marvel proteger melhor o nome do seu negócio e ter um Capitão dela. Foi assim que ele fez uma exigência única para Stan Lee, criar um Capitão Marvel para chamá-lo de seu. Quando a DC decidiu usar Billy Batson de novo nos anos 70, já não podia mais voltar com essa alcunha. Ao menos, não intitulando um gibi. Então, nunca a DC de fato teve uma revista publicada com o nome do Capitão Marvel, apesar de nas histórias os personagens eventualmente se referirem como a Família Marvel. E se alguém é o real culpado do Shazam! não ser mais assim definido como era antes, esse alguém é a própria DC. Assim, fecho meu parênteses sobre o assunto.



UM QUADRINHO DIFERENTE DE SUPER-HERÓI

A grande verdade é que Stan Lee não estava nem um pouco afim de criar um personagem genêrico em esse nome. Mas eram ordens de cima e como ele sempre teve bastante liberdade para por na páginas suas ideias, ele enveredou para um direção completamente diferente de um personagem com capa e superforça. Apesar de alienígena, seu protagonista era um Kree comum como todos os demais. De herói mesmo, só tinha as glórias de ser reconhecido como um bom soldado pelo seu povo. E a sua missão quando veio a Terra não tinha nada de epopeica. Muito pelo contrário, o capitão conhecido como Mar-Vell veio espionar a Terra. Stan Lee criou uma história em quadrinhos sobre suspense sci-fi, não apenas um quadrinho de super-herói.



Apesar de ter escrito apenas uma história em  Marvel Super-Heroes # 12, Stan Lee plotou para o seu sucessor os elementos básicos que achava interessante e queria ver na sua história. Aproveitando-se que estava no auge de suas histórias no Quarteto Fantástico criou um tipo de spin-off dos Krees. O capitão Mar-Vell foi enviado como espião para Terra numa missão de tentar entender o destino do robô Sentinela derrotado pelo Quarteto Fantástico na edição Fantastic Four #64. E pelas últimas análises feitas, o destino do robô estava em algum lugar no Cabo Canaveral, onde deveria se passar boa parte das histórias.

Na mesma história, Stan Lee criou também alguns personagens coadjuvantes. O comandante superior de Mar-Vell era Yon-Rogg, um sujeito belicoso e que notadamente tinha seus próprios planos. A médica da espaçonave de Yon-Rogg chamava-se Una, que apesar de ser amante de Mar-Vell, era descaradamente alvo das atenções de Yon-Rogg. O Capitão e Una já desconfiavam disso e temiam que a missão de enviar sozinho Mar-Vell a Terra era uma tentativa de afastar de uma vez por todos o casal. Haviam outros Krees que aparecem em menor destaque na equipe, todos eles tinham uniformes de cores diferentes dependendo da função. E se isso te remeteu alguma lembrança de Star Trek, eu te digo que sim, o seriado surgiu e virou um Hit um ano antes do quadrinho. As referências cruzadas são intensas nessas primeiras histórias.



Como salientei, todo o clima dessas primeiras histórias enveredava muito mais para um misto de sci-fi com história de espionagem do que um quadrinho de super-herói. Basicamente, Mar-Vell tinha que sobreviver não só as ameaças da Terra como as sabotagens constantes de Yon-Rogg. Por ocasião do destino, acabou estando no meio de um acidente aéreo (provocado em segredo por Yon-Rogg) de um monomotor que era dirigido pelo cientista espacial Walter Lawson. O humano morreu em seus braços, e apesar do lamento, Mar-Vell viu uma oportunidade ali. Com seu conhecimento avançado de tecnologia Kree, acreditava que não teria muito problema em acabar tomando o lugar do morto e usar sua identidade como disfarce. Com isso, acabou se aproximando cada vez mais dos humanos, entendendo seus costumes e, para sua infelicidade, se afeiçoando a eles. De espião Kree, Marvel por conta própria acabou se tornando um agente duplo, sempre que os excessos das missões Kree na Terra poderia prejudicar seus novos compadres terráqueos.

Em algum momento, eu prometo que vou voltar a falar sobre essas histórias com mais calma. Afinal, fazem parte do canto cósmico, o meu pedaço preferido da Marvel. Tem realmente muita, muita coisa boa e interessante para se tirar dessa época em que Mar-Vell era um simples soldado e não o superser que conhecemos na era Jim Starlin e adiante. Mas este texto faz parte de uma coletânea de textos sobre a nossa Carol Danvers, e não quero tirar os holofotes dela. Então, chegou a hora de apresentá-la.

CONHEÇA A SENHORITA DANVERS

Uma edição após o personagem surgir, Stan Lee que já tinha conversado e contado toda sua ideia para seu maior pupilo na Marvel, Roy Thomas, passou a batuta em Marvel Super Heroes#13. É Thomas quem escreve o prefácio da primeira coletânea republicada dessas histórias nos EUA e acaba nos dando um boa ideia de como tudo ocorreu dos bastidores da história. Ele lembra que a ideia do nome Walter Lawson foi dele e notadamente evitou as aliterações de Stan. Já Carol Danvers ele jura de pé juntos que sequer lembrou da Supergirl Linda Danvers na época e chamou apenas de "mundo pequeno" o fato de muito mais tarde ela se tornar a Ms. Marvel (Falaremos disso num próximo texto).

Com a identidade do Doutor Lawson criada, Roy Thomas permitiu ao soldado Kree a ter acesso facilmente a base militar do Cabo Canaveral. Depois de ser recepcionado pelo General Bridges, comandante maior da base, Mar-Vell finalmente viu o que o Sentinela Kree estava lá intacto sendo estudado e remexido por humanos. Estava tão absorto que mal prestou atenção quando foi apresentado a Senhorita Danvers (No caso do original, guarde isso - Ms. Danvers).



Roy Thomas fez a seguinte apresentação da personagem ao público. "Essa é Ms. Danvers. Homem ou Mulher, não há chefe de segurança melhor que uma base de mísseis pode querer". Sim, notadamente Thomas estava mostrando que ela era uma mulher fora do comum pra seu tempo. Certamente, um cargo alto demais para que mulheres alcançassem em 1967 e isso será inclusive trabalhado mais a frente no primeiro título da Ms. Marvel. E veremos que no decorrer das história, Roy Thomas de modo algum queria dar ares de par romântico entre ela e o herói aqui. Ao menos, foi assim no começo em suas cinco primeiras edições quando Mar-Vell saltou de Marvel Super Heroes para o título próprio do Capitão Marvel.

Ao encontrar pela primeira vez Lawson, Carol Danvers é a única ali que age com desconfiança com o recém chegado. Reclamou com o General Bridges por não ter obedecido a ordem de ela ter inspecionado ele primeiro e com isso ter quebrado uma série de protocolos de segurança. De cara, ela estranha a descrição dele ser diferente do que tinha ouvido falar, nota que ele não larga mão de sua maleta e pede para depois conversarem. "Nada pessoal" afirma ela agindo protocolarmente. Mais tarde você veria em outras histórias ela ainda intrigada indo investigar às escondidas o quarto do hotel de Lawson, estranhar a suspeita morte do dono do estabelecimento ou seguir os passos do Doutor quando podia.



Quando o Sentinela Kree ganha vida de novo do nada (quer dizer, não exatamente 'do nada', já que mais uma vez temos o dedo de Yon-Rogg aí), Mar-Vell deixa de lado o disfarce do Doutor Lawson e veste seu uniforme Kree para proteger a base. Em meio a briga, Carol Danvers surge dos destroços próximos e é salva pelo Kree. Nas páginas finais dessa história, a fala de Danvers apesar de grata é para que o herói "Capitão Marvel" (como eles entenderam o nome dele) deveria ficar pois há muitas explicações a dar. Obviamente, para proteger sua identidade, o Kree vai embora em seu 'Jetpack', mas a desconfiança de Danvers permanece.



MUDANÇAS NA HISTÓRIA E UMA TRAGÉDIA NA VIDA DE CAROL

As historias seguiram com essa fórmula mais ou menos por mais dez edições, passando pelas mãos de mais três roteiristas além de Thomas - Arnold Drake,Gary Friedrich e Archie Goodwin. O Capitão Marvel encarou o super-skrull, uma nova raça alienígena chamada Aakon, um célula terrorista comandada por um estranho líder chamado Número 1 e novos monstros como o Metazoíde e Solam. Com a saída de Roy, seus sucessores mudaram pouco a visão que tinham de Danvers. Agora, ela continuava cismada com Lawson, mas quando aparecia o herói de uniforme não deixava de demonstrar mais que admiração. Ela estava apaixonada. Para época, era um romantismo pueril aceitável.


A proximidade de Mar-Vell com os humanos, principalmente com Carol Danvers, foi tudo o que Yon-Rogg precisava.  De um lado, conseguiu abalar a relação do Capitão Marvel com a médica Una, ao ponto de ela nitidamente não saber exatamente que sentimentos mostrar sem por a vida de seu amado em risco. Do outro, acabou forçando Mar-Vell a revelar que sua lealdade aos Krees estava em jogo sempre que a vida de terráqueos estava em perigo. Acabou sendo condenado por Ronan a ser executado pelo próprio pelotão. Una tentou salvar Mar-Vell indo para a Terra pela primeira vez e acabou sendo mortalmente ferida por um ataque dos Aakon. Desesperado, Mar-Vell fugiu da sua própria setença de morte e acabou se vendo obrigado a roubar um foguete do Cabo Canaveral para fugir dali com o corpo quase sem vida de Una. O outrora herói agora era de fato um soldado renegado e caçado por Krees e Terráqueos.



A fuga de Mar-Vell e subsequente morte de Una era o começo de algumas novas mudanças que o herói estava passando e que o mudaria definitivamente, se aproximando do Capitão Marvel de uniforme vermelho e azul que ficou mais famoso depois. Seguiu-se aqui uma história longa que compete a outro resumo mas que acaba com uma revelação final de que o acusador Ronan, o primeiro ministro Zarek e o coronel Yon-Rogg conspiravam contra a Inteligência Suprema e queria tirar o poder e influência dela sobre Hala. A Inteligência Suprema usou então o Capitão Marvel como seu campeão. Ele a salvou e ganhou não só o novo traje como também poderes, além de conseguir um par dos famosos nega-braceletes. O único problema é que após ser atingido por uma bomba negativa nessa última batalha, Mar-Vell precisava sempre de um corpo com átomos positivos para trocar de lugar sempre que precisava entrar em ação. No caso, você deve lembrar que o eleito foi Rick Jones e a parceria foi longa entre eles.

As mudanças no personagem também levavam a uma mudança significativa no seu corpo de coadjuvantes e isso indicava que os dias de Carol Danvers no título estavam contados. Depois de sair do hospital, ainda enfraquecida, foi capturada por Yon-Rogg e usada como vantagem sob Mar-Vell. A batalha final entre os dois Krees aconteceu num posto avançado escondido dos Krees nos EUA em que Yon-Rogg usou o Psicomagnetron, uma máquina capaz de criar qualquer coisa pela mente de seu usuário. O Coronel Kree  deu vida a um Mandroid e Mar-vell teve que destruir a máquina para vencer a ameaça. No entanto, ao destruir o aparato, uma massa grande de energia se desprendeu. Sem tempo de correr, Mar-Vell só conseguiu proteger uma desacordada Carol Danvers com seu corpo. O choque intenso supostamente matou Yon-Rogg e deixou todos os demais desacordados. Carol escapou com vida ali, mas sem indicativo de que aquele acidente teria alguma sequela futura.



Daí, as histórias seguiram um rumo completamente diferente. Roy Thomas e a sequência de roteiristas seguinte estava direcionada a criar um novo núcleo de coadjuvantes e Carol estava de fora. Há uma breve aparição mais adiante em que ela aparece voltando a trabalhar no Cabo Canaveral, mas ela mesmo parece ainda ressentida com o que aconteceu. Depois, ela volta ainda a aparecer como subplot dentro de uma trama que trouxe uma corrompida Una de volta a vida para terror do herói Mar-Vell.  Depois disso, os rumos dos dois seguiriam bem diferentes e a personagem só voltaria de fato a ter destaque praticamente oito anos depois.

E o que foi que aconteceu nesses oito anos depois? Bem, continuamos a falar no Arquivo Carol Danvers #2...

Coveiro

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