quinta-feira, 14 de março de 2019

Arquivo Carol Danvers #3: Expandido o universo de uma heroína...



No último texto que destrinchamos aqui nos Arquivos da Carol Danvers, falamos muito das ideias dos bastidores de torná-la uma heroína com a cara da Mulher Moderna e que exigia seus direitos iguais nos anos 70. Explicamos todas as possibilidades que poderiam ser usadas nas histórias para trazer algo novo e ainda assim manter algum vínculo, não necessariamente com ar de legado. E tudo o que falamos ali ficou compreendido em apenas 3 edições. Depois disso, Gerry Conway teve que sair do título, pelo acúmulo de trabalho. Alguns meses depois, ele estaria trocando a Marvel pela DC também.

Gerry  Conway  no entanto, estava trabalhando já diretamente com a pessoa que iria substituí-lo, o roteirista Chris Claremont. Certamente, Chris já era um nome de muito peso na época. Não só porque foi o cara que trouxe de volta os X-Men à vida, mas também conseguiu mostrar que sabia escrever muito bem mulheres fortes como a Tempestade e a Jean Grey nos dois anos que ele já tinha passado com os X-Men desde que ele os revitalizou. Não teria ninguém melhor para substituí-lo naquela época no editorial.

CHRIS CLAREMONT ASSUME AS HISTÓRIAS

Quem sugeriu o nome de Chris Claremont logo de cara foi o saudoso e falecido editor Archie Goodwin, conhecido desde sempre na Marvel por ser o cara que era o que tinha mais memória guardada das histórias, um verdadeiro dicionário. Era "arquivo vivo" da Marvel que não deixava passar nada. Goodwin fez a oferta, mas Claremont contou num texto que só foi publicado em 1978 na revista FOOM que ele estava bem hesitante em assumir o cargo.

Algumas coisas contaram muito a favor na sua decisão final. A principal delas era poder finalmente trabalhar com a lenda viva John Buscema numa história. Quando ele ajudou a escrever a terceira história  a partir da ideia deixada por Conway, Claremont estava prestes a sair numa viagem de Lua de Mel. Fez tudo muito corrido e lamentou não ter se dedicado mais a aquele escrito. A edição 3 saiu mesmo assim do jeito que podia e quando ele voltou foi quando pôde ponderar de vez na barca que havia entrado.



Basicamente, Chris Claremont não achava quase nada legal do que tinha sido feito até ali. Pra começar, a ideia de inseri-la dentro do universo de coadjuvantes do Clarim Diário era algo que o roteirista torceu a cara. Não que tivesse problemas com os personagens, mas pra época havia uma preocupação grande em manter a coerência de personalidade e o mesmo coadjuvante sendo escritos por mãos diferentes era um risco.

Claremont também era muito avesso à origem dos poderes dela. A ideia até bem sacada de duas mentes num corpo poderia funcionar bem com Conway, mas Claremont não suportava. Ele achava igualmente confuso até o tal do poder de "sétimo sentido". Não curtia a ideia da capacidade de voar vir por conta do traje. E, por fim, achava que essa coisa de dupla personalidade só atrapalhava a construção de uma personagem que estava ali para se afirmar como uma heroína mulher. Mas aos poucos Claremont iria consertando isso.

CRIANDO UM NOVO NÚCLEO COADJUVANTE

Depois de fechar umas pontas soltas na edição 4 e finalizar o confronto da Ms Marvel com o robozão Doomsday Man, logo em seguida Claremont terminou o imbróglio com o vilão Destruidor para praticamente nunca mais usá-lo. A edição #5 colocou Archie Goodwin e Jim Shooter fazendo uma história 'filler' da Ms Marvel contra o Visão, aquela clássica briguinha de primeiro encontro de super-heróis. Em um texto publicado mais a frente, Chris chegou a comentar que logo nesse começo pensou em desistir das personagens algumas vezes, mas acabou se agarrando ao desafio e pensou num jeito de lentamente reescrever uma história dela a seu gosto. Ele começaria a por em prática seus planos na edição #6.

Para não criar uma repentina quebra da continuidade da história iniciada por Gerry Cornway, Chris Claremont decidiu que iria manter Carol no mesmo ambiente mas trabalhando com seu próprio staff. A editora da Woman passaria a buscar gente mais com sua cara para ajudar nas matérias das revistas a partir de Ms. Marvel 6. Assim, as aparições de Mary Jane e Peter ficaram de lado e um monte de rosto novo surgiu.

Até J. J. Jameson tinha agora apenas algumas participações pontuais, quase  sempre bancando o chauvinista ou o irritadiço chefe que está a um triz de te demitir. E foi numa destas que a briga dele com Carol à portas fechadas esquentou. Pra piorar, do nada ela teve uma das suas premonições de sétimo sentido. Todos invadiram a sala pra ver o que aconteceu e lá estava Jameson tentando acordar Danvers em seus braços. Sob os olhares de reprovação dos funcionários, Jameson desistiu da ideia de demití-la naquele dia e manteve a senhorita Danvers no emprego por mais um tempo.



O primeiro a se juntar ao corpo de repórteres da Woman foi o fotógrafo freelancer Frank Gianelli. O cara não tinha nenhuma modéstia em se elogiar, mas ao menos não exagerava na sua perseverança pra ir atrás das matérias, fosse o risco que fosse. Podemos dizer que ele era deixado ali como uma possibilidade romântica para Carol. Não foi por falta de tentativa dele que não enlaçaram um namoro ou algo mais. Porém, fora uns beijos roubados, a relação não deixou o âmbito profissional.

Tracy Burke era uma jornalista já madura que tinha se afastado das funções. Pelo pouco que ela descreveu na entrevista que fez com a Carol, sua carreira chegou a colocar sua vida em risco. Agora Carol garantia a ela que estaria mais segura, sua função era numa escrivaninha ao ajudá-la como editora assistente, mas sua experiência na verdade poderia fazê-la ser a editora principal da Woman um dia. Tracy acabou aceitando e assim Carol estava mais segura em deixar repentinamente o trabalho para salvar o dia enquanto estava como Ms. Marvel



Dentre os outros funcionários, temos Lynn Andersen que era uma secretária muito eficiente, um editor gráfico muito chato chamado Gene, e Tabitha Townshed, uma jovem que Jameson "empurrou" como favor ao pai dela que era um amigo dele e que era muito atrapalhada para estar numa redação de jornal. Haviam outros, mas nenhum digno de nota.

SUTIS MUDANÇAS NO TRAJE E NOS PODERES

Outro problema grande para Claremont era essa ideia de que os muitos poderes de Carol tinham origens diferentes. O acidente deu a ela força e durabilidade além do sétimo sentido, mas porque ela só voava graças ao traje de tecnologia Kree? Isso foi resolvido na edição 7 quando MODOK vai analisar o traje e descobre que ele não tem mais a capacidade de vôo. Ao ser exposta a nova radiação de um cristal de cavorita numa luta contra o vilão Grotesko, o circuito do traje fritou. No entanto, do mesmo jeito que Danvers ganhou poderes da explosão do Psico-Magnetron, a Ms. Marvel havia agora incorporado para si mesma a capacidade de vôo do traje. Foi um problema resolvido.

E já que o traje Kree não tinha mais aquela função peculiar, porque não mudar um pouco ele e deixá-lo mais composto? Por si só, aquela roupa era totalmente descomposta. Além da barriga de fora, às costas eram completamente expostas e ela usava apenas um shortinho apertado cavado. Fora isso tudo, ela tinha um tipo de echarpe que só atrapalhava na luta. Assim, quando teve oportunidade na primeira mudança de desenhista na revista, Claremont pediu para Keith Pollard deixar ela ao menos mais composta.



Esse talvez não fosse ainda o traje legal que Claremont queria, afinal era praticamente a mesma roupa atual do Mar-Vell só que com corte para uma mulher. Em todo caso, evitou-se bastante já a exposição do corpo de Carol e isso já foi um avanço. Somente mais lá pro final teríamos aquela mudança de uniforme que acabou marcando mais a personagem por anos.

CAROL E MARVEL VOLTANDO A SER UMA SÓ

Pelo mesmo meio que Gerry Conway descobriu a personalidade dupla de Carol Danvers, Chris Claremont achou que esse deveria o mesmo caminho a desfazer essa ideia. O terapeuta e amigo de Danvers, o Doutor Michael Barnett, seria o artifício usado para tal. Primeiro, tratou de trabalhar a ideia de que seria loucura para Carol conviver com essas mudanças de alterego e ela deveria escolher quem ela deveria ser e se agarrar a isso. Mesmo que isso significasse que a outra personalidade morresse. Obviamente, Carol nunca conseguiu decidir sobre isso e continuou levando sua vida dupla até o arco de histórias da edição 11 de sua revista.

É na edição #11 que Carol foi ver o lançamento para o espaço da sua amiga Salia Petrie, mas acabou tendo uma de suas visões de sétimo sentido antes da nave alçar os céus. Na visão dela, um acidente iria acontecer e Salia estava com sua vida em risco. Mas como alertar todos e parar um lançamento importante apoiado apenas numa visão? Certamente, o sonho de sua amiga de ser a primeira astronauta estava ali em jogo e seria complicado demais para Carol explicar. E tudo se complicou quando uma outra visão do Sétimo Sentido, alertava Danvers quanto a um perigo mais iminente numa base americana de comunicação numa ilha caribenha. E isso de alguma modo poderia ter a ver com o acidente espacial com Salia.



Transformada em Ms. Marvel, a heroína foi até o lugar no meio do atlântico e topou com a ameaça de uma bruxa elemental chamada Hecate e três vilões do grupo dos Elementais. Eles estavam atrás de um artefato muito poderoso chamado o Escaravelho Rubi e caçava a desertora do grupo, a outrora elemental Zephyr, que se juntou a um ladrão chamado Richard Harper. Em meio a toda aquela confusão ao lidar com seres muito poderosos e de poder místico descomunal, Ms. Marvel descobriu que o poder do escaravelho interferia indiretamente no cristal de cavourita que Salia e sua equipe carregavam na nave. Sem ter como estar em dois lugares ao mesmo tempo, Ms Marvel teve que optar por deixar sua amiga morrer e continuar lutando para impedir os vilões de dominarem tudo com aquele imenso poder místico.



Ao final desta história, depois de derrubar quase toda a equipe dos Elementais, a Ms. Marvel se destransformou e retornou a forma de Carol Danvers. No entanto, Carol ainda detinha todos os poderes absurdos do seu alterego e queria se vingar de Hecate. No fervor da briga, ela só se deu conta quando a bruxa a interrompeu e declarou o óbvio. Elas sempre foram uma só. Chegou a hora de parar com aquela ideia absurda de duas mentes num só corpo.

CONHECENDO A FAMÍLIA DANVERS

Depois de deixar a personagem praticamente de um jeito mais palatável para continuar os roteiros de sua história, Chris Claremont se dedicou a criar todos os membros da família da Carol. Assim, na edição 13 da Ms Marvel conhecemos Marie Danvers, uma dona de casa dedicada a sua família e muito surpresa de ver sua filha ali de volta. Carol era seu orgulho e vê-la agora como editora de uma revista para as mulheres, a deixava orgulhosa. Mas mais que isso, Marie sabia desde o começo que sua filha era a Ms. Marvel. Como era possível enganar a intuição de uma mãe?



Por outro lado, Joe Danvers estava fora de casa, dedicado ao seu trabalho na construção civil que estava envolto numa série de problemas atualmente. Ficava logo claro nessa primeira história uma tensão entre pai e filha. Joe parecia ser um sujeito que se parou no tempo. Olhava ainda certas coisas como impróprias para mulheres e não chegou a dar muita bola sobre o novo trabalho da filha na revista Woman. Deixando os comentários ultrapassados do pai de lado, Carol tentou ajudá-lo numa armação que estava acontecendo no trabalho, mas ele se negou. Não era coisa pra sua "filhinha" aquilo. Ainda assim, usando o traje e alterego de Ms. Marvel, ela ajudou Joe e acabou com o esquema do construtor civil corrupto que colocava vida dos empregados em perigo. O que Joe pensaria se soubesse que a sua filhinha era aquela super-mulher correndo riscos?

Além dos dois, Carol tinham mais dois irmãos, que aparecem pela primeira vez em flashback na edição 19. Steve era o mais velho e que acaba sendo o escolhido pelo pai para ter a faculdade paga já que nas palavras de Joe "ela não precisava ir pra uma faculdade, bastava achar um bom marido". E isso foi o estopim para toda a mudança na vida de Carol, que repudiava a vida de dona do lar e entrou no exército primordialmente para ter o acesso aos estudos que tanto queria. Steve acabou servindo também o exército e morreu na guerra, algo que perturbou o pai de Carol pro resto da vida dele.



O outro irmão que aparece na mesa e mal é referenciado é Joseph que chega a fazer outra ponta  depois em outras histórias de um volume mais recente da Carol Danvers. Claremont chega ao ponto de dar também uma pincelada no início da vida romântica de Carol ao usar um personagem seu do núcleo dos X-Men, o coronel Michael Rossi, inicialmente como tutor e depois primeiro amor da vida de Carol nas Forças Armadas.

PREPARANDO UMA GRANDE VILÃ

Se podemos reclamar antes que Gerry Conway falhou um pouco a dar a Ms. Marvel sua arqui-inimiga logo de cara, podemos também dizer que Chris Claremont demorou demais para também fazer isso. Caindo no mesmo erro do seu antecessor, continuou sua história colocando a heroína contra vilões de quinta já existentes de outros heróis como um mostrengo chamado Grotesko (um arremedo de vilão dos X-Men), M.O.D.O.C e a  I.M.A. e Tubarão Tigre. A única realmente nova vilã criada seria a alienígena Shiar chamada Rapina, aparentemente presa no nosso planeta e precisando bancar a lacaia até sair deste lugar. Sim, é a mesma Rapina que depois toma grande importância nas histórias dos X-Men, mas falaremos dela em outro arquivo.

Foi lá pra edição 16 que somos apresentados a uma estranha mulher com ares de espiã chamada Raven. Essa mulher parecia estar sempre atenta a qualquer movimento da Carol. Era uma pessoa a se tomar cuidado, pois podia se passar por qualquer um e entrar em qualquer lugar. E foi justamente tomando a forma de Nick Fury que ela levou o mercenário Geoffrey Ballard até um contêiner secreto da S.H.I.E.L.D. que continha um armamento e armadura muito poderosos que o tornaria o supervilão chamado Centurião. Mesmo com esse artefato, Ballard no final não conseguiu anular a Ms. Marvel, que o derrotou com a ajuda dos Vingadores. Já os superiores para quem trabalhava, um tal de um grupo chamado Conselho, nunca tiveram suas identidades reveladas depois do cancelamento da revista.



Contudo, a mulher que se transformava e era intrigada com Danvers, no entanto, voltou a dar as caras na edição 18 de Ms Marvel. Foi lá que pela primeira vez ela apareceu de pele azul e se apresentou-se como Raven Darkhölme. Não sabíamos nada sobre ela ainda, sequer acho que sabiam que ela era mutante já ali. Raven era a vilã primordial que estava sendo cozinhada a banho-maria pra ser a grande inimiga de Carol Danvers. Contudo, apesar do cenário estar sendo montado, seu arco de historias não chegou a ser finalizado decentemente na época. A revista da heroína foi cancelada antes, mas isso não impediu Chris Claremont a dar um final mais decente a trama anos depois. Isso é algo que trataremos num próximo texto.

REENCONTRANDO MAR-VELL

Com venda razoável, a revista da Ms Marvel já chegava perto de fazer dois anos e uma coisa que certamente os fãs sentiam falta era de um encontro entre o Capitão Marvel e a Carol Danvers. Os dois não se viam há anos praticamente e era meio improvável do herói Mar-Vell nunca ter ouvido falar de uma heroína chamada Ms. Marvel até então e não estar curioso sobre quem ela era de fato.

Assim, pegando um plot que começou na revista 47 e terminou na 53 de Capitão Marvel, Chris Claremont trouxe ninguém menos que Ronan de volta a Terra caçando Krees foragidos escondidos. Ele foi atrás de Mac-Ronn e Minn-Erva no Texas, depois seguiu em busca daquela tal de Ms. Marvel que parecia ter algo relacionado aos Krees.



Na briga para sequestrar Ms Marvel, eis que Mar-Vell já ciente da presença do Acusador na Terra aparece ali na batalha. Não demora muito para ele reconhecer Carol Danvers mesmo ela estando de máscara. Mesmo juntos, o poder do Ronan e sua arma universal derruba os dois. O Acusador está ali numa missão crucial - saber se Carol Danvers tem conhecimento sobre a chamada Omnionda e em caso de sim, por um fim nela.

Nessa história, ao usar uma máquina pra tentar moldar a mente da Carol, acabamos tendo um baita flashback da sua história pessoal que pouco conhecíamos antes do seu tempo como chefe de segurança do Cabo Canaveral. Ao final do processo, a máquina parece não ter conseguido limpar a mente de Danvers e ela acaba juntando forças para se libertar. Junto, os Marvels derrotam Ronan e por hora a questão deles com os Krees está acabada.

De volta a Terra, Danvers tem uma baita conversa com Mar-Vell sobre os dois dividirem praticamente o mesmo nome. Nas palavras da mulher, "nossos poderes podem ser similares, mas as nossas cabeças não são. Eu não sou Kree, sou humana e tenho orgulho disto". Carol rouba um beijo de Mar-Vell, mas indica que no final serão só amigos. Os dois não voltariam mais, pois Carol não estava aqui quando ocorreu a morte dele na Graphic Novel escrita por Jim Starlin.



Já Claremont com essa edição praticamente coloca nas páginas sua real intenção para com a personagem no texto que fez alguns meses antes em 1978. "Eu quero provar que você pode fazer uma história em quadrinhos sobre uma heroína mulher que vende, porque existe essa forte ideia de que a indústria não pode dar certo com uma mulher como protagonista. De que não há mercado para isso. Mas eu acho que há. Eu espero que a Ms Marvel seja um sucesso".

Mal sabia Claremont que se avizinhava nas edições por vir um literal pesadelo para ele e para sua querida Ms. Marvel. Mas isso continua no próximo Arquivo Carol Danvers...

Coveiro

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