segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Resenha 616: A Segunda Temporada de Punho de Ferro - Quando menos é mais!

* Contém SPOILERS!


Altamente criticada no ano passado quando saiu sua primeira temporada, a série do Punho de Ferro tinha uma árdua missão para cumprir aqui. Resgatar a confiança do público fiel das outras séries de heróis urbanos e mostrar que a história de Danny Rand (Finn Jones) tinha muita coisa boa a ser aproveitada a despeito do que foi seu primeiro ano. Para tal, a Netflix e a Marvel TV contrataram um novo produtor Raven Metzner e chamou um coordenador de lutas de peso,  Clayton Barber. Outra decisão tomada de cara foi reduzir o número de episódios, evitando assim qualquer excesso além da história que deveria ser contada. E era isso que sabíamos da série até seu lançamento na última sexta-feira, quando finalmente todos os novos episódios foram liberados e podíamos conferir se de fato - Punho de Ferro poderia ser salvo ou não?

De cara, podemos dizer que logo no primeiro final de semana, a série pareceu reconquistar um pouco a confiança dos críticos e muito mais dos fãs. A maioria das resenhas afirmou que a mudança no tom da série foi destacável, mesmo que não tenha agradado inteiramente alguns resenhadores. Ainda assim, o Rotten Tomatoes revelou pra segunda temporada 52% de aceitação em relação aos 19% anteriores (a segunda pior série avaliada depois de Inumanos). O público, no entanto, que tinha dado anteriormente 74% de avaliações favoráveis subiu agora pra 84% até o fechamento desse texto.

Outra preocupação imediata era cortar algumas pontas que incomodaram bastante na primeira temporada e que precisavam ser sumariamente descartadas para evitar qualquer risco de caras tortas. Com isso, todo o drama corporativo que vimos tomar o ano de 2017 em Punho de Ferro foi para debaixo do tapete. O novo cenário da história praticamente é o centro-sul de Manhattan, principalmente Chinatown. Danny sequer pisa nos seus escritórios da Rand e qualquer assunto da empresa basicamente é levado até ela via seu sócio, Ward Meachum (Tom Pelphrey). A história se torna basicamente um problema de gangues dividindo o espaço do bairro chinês agora que ficou um vácuo deixado pelo Tentáculo. É um clichê dentro das histórias de artes marciais que se passa nos EUA, mas parece que é um clichê que todo mundo gosta e quer ver repetir aqui.



Outro grande problema que foi alvo de críticas não só da primeira temporada como também de Defensores era o comportamento de Danny Rand, uma mistura de inocência-infantilidade-impetuosidade dada ao personagem que não convenceu o público, principalmente quem veio dos quadrinhos. Os primeiro sinais de mudança vieram antes da série, com a pequena participação em Luke Cage. Lá, vimos já um Danny mais maduro, porém extrovertido e brincalhão. No entanto, na segunda temporada de Punho de Ferro, Raven Metzner queria trabalhar um outro lado mais sóbrio do personagem. Algo entre a necessidade de honrar a tarefa que Matt Murdock incumbiu a ele como também uma crise existencial em que ele teria que se reencontrar agora que o "Inimigo jurado do Tentáculo" não mais tinha o vilões ninjas para justificar sua missão ali no mundo fora de K'un Lun.

Feito isso, cabia agora dar andamento ao grande plot da série, que já havia deixado uma ponta solta ao final da primeira temporada com a associação entre Davos (Sacha Dhawan), que ficou preso neste mundo após a destruição do portal de Kun Lun para nosso mundo, e Joy Meachum (Jessica Stroup), que ficou desnorteada após descobrir toda a farsa que existia entre seu pai abusivo Harold (David Wenham) e seu covarde irmão Ward. Os dois dividiam a mesma sensação de traição fraternal, e o principal plano dos dois girava em torno de conseguir retirar de Danny Rand o poder que o tornava único. Neste ponto, fica claro desde o começo a motivação de Davos para isso. Desde K'un Lun ele se sentia desfavorecido por não ter sido o escolhido para enfrentar o Dragão Shou-Lao e, ainda assim, anos depois, começava a enxergava em seu "irmão adotivo" alguém fraco, temeroso de usar o verdadeiro poder e indigno portanto de ser o Punho de Ferro.



No caso de Joy Meachum, as motivações ficam pouco claras. No começo, sabemos apenas que ela quer se desvincular completamente da sua parte da Empresa Rand, algo que é compreendido por Danny, mas não aceito por Ward. Mais tarde, descobrimos que ela quer vender sua parte da empresa em troca de algumas patentes que parecem de pouco lucro, mas que na verdade esconde em uma delas algo bastante rentável em termos de energias alternativas. Outro ponto desta negociação é conseguir dinheiro para um item de colecionador único e muito caro que Davos necessita para seu plano afim de obter o poder do Punho de Ferro. Outra ação da Joy é contratar alguém para vigiar Danny e na hora certa capturá-lo (mas deixemos pra falar disto mais adiante). Toda essa motivação da Joy até aí parece bem frouxo para justificar suas motivações reais contra Danny. Somente lá para o final que ela confessa que estava direcionando todo mal que estava causando para o amigo de infância porque não tinha coragem suficiente de atingir seu irmão, por mais que o odiasse por tudo que ele fez. Joy Meachum acaba sendo a personagem mais difícil de o espectador engolir em toda história, mas acaba tendo sua importância mais perto do fim.

Já Ward Meachum, que na primeira temporada praticamente roubou a cena na minha opinião com um atuação de primeira como um antagonista problemático que no fim se revelou apenas mais uma vítima da história, volta aqui como alguém procurando se reencontrar agora que não tem mais a sombra opressora do pai e nem mais o carinho de sua irmã. Sua participação foi nitidamente diminuída na série, trabalhando mais seu papel como ex-dependente que ainda não consegue controlar seu temperamento e que com isso acaba fazendo de novo mais mal a ele e a pessoa que se aproxima dele, sua "madrinha" do Narcóticos Anônimos e amante, Bethany (Natalie Smith). Ainda que tenha sido curto o tempo de tela, a parte do Ward ainda se manteve bastante consistente com o personagem e Tom Pelphrey continuou com uma participação brilhante quando entrava em cena.


Ainda na balança de personagens que pisam entre antagonistas e protagonistas está a chegada de mais uma personagem direta dos quadrinhos na forma de Mary Walker (Alice Eve), mais conhecida pelos leitores como a mercenária com transtorno mental Mary Tifoide. A série deve ter funcionado muito bem para quem não conhecia a personagem, já que o misterioso comportamento da nova "vizinha de bairro" de Danny teve uma boa dosagem de mistério até ser revelado o plot principal dela sobre ser uma assassina com dupla (ou melhor, tripla) personalidade. A sua presença causava tensão tanto para os lados dos mocinhos como também pros vilões da série. Walker acaba sendo o coringa inesperado da trama, tem uma atuação brilhante de Eve, que realmente te deixa bem desconfortável a cada momento que ela fala. No fim, acabou que sua entrada neste universo da TV se saiu muito melhor que a da Elektra (Elodie Yung) e mal posso esperar pra ver ela fazendo serviços pro Rei do Crime e tretando com o Demolidor.



Graças a decisão da Netflix em encurtar o número de episódios, acaba que a trama principal não demora pra se desenvolver e fazer com que logo nos primeiros episódios Davos roube o coração de Shou-Lao e o poder do Punho de Ferro para si. Apesar da marca em suas costas ser diferente remetendo claramente a Serpente de Aço e seu poder ter uma coloração de energia avermelhada, Davos ainda não usa a alcunha dos quadrinhos, mas sim se auto-intitula o 'novo Punho de Ferro'. E uma vez de posse de não apenas um, mas de dois 'Punhos de Ferro', Davos começa uma campanha na cidade para trazer paz e segurança pela extrema força, algo que segundo ele, Danny nunca teve coragem de usar plenamente. Sacha Dhawan se torna um vilão bem motivado, com uma atuação ótima e equilibrada, onde revela rompantes de traumas do passado com flashbacks com seu pai e mãe em K'un Lun que só enriquecem o personagem. Mesmo contra o "irmão", Davos ainda tem certo carinho por Danny e prefere aleijá-lo a matá-lo por definitivo. Porém, a cada novo retorno de Danny ou personagens (inclusive ex-aliados) se colocando contra ele, seu ódio cresce, apimentado pelo acúmulo de uma vida inteira de pressões e frustações. Em dado momento, Davos sai do controle e já passa da linha quando começa a matar inocentes que decidem apenas "ficar de fora" das disputas do bairro e encarando-os como "cúmplices".

O Punho de Ferro passa a ser então encarado nada diferente de uma arma, que muito mais poderosa, tende igualmente a corromper mais e tornar a necessidade de seu uso mais e mais frequente pelo portador. E isso não ocorre só com Davos. Na história, Danny confessa que começou a se sentir corrompido aos poucos pelo poder em suas mãos e na ociosidade em que se encontrava após o fim do Tentáculo, viu na missão dada a Matt Murdock quase que um escape ou desculpa para ele usar e usar cada vez mais o Punho de Ferro. Agora que estava sem esse poder, e vendo que o desejava intensamente, Danny Rand se questionava se ele de fato era merecedor da "Arma Imortal". É quando então a história se prepara para a maior virada de trama e ousadia feita por uma série da Netflix até hoje - encontrar um novo portador para o Punho de Ferro e distanciar-se bem dos quadrinhos. Mas só um pouco.



O papel de nova portadora acaba caindo sobre os ombros de nenhuma outra senão a Colleen Wing (Jessica Henwick). A personagem tinha aposentado a espada de seu avô desde os eventos dos Defensores em que matou Bakuto e por pouco não perdeu a amiga Misty Knight (Simone Missick). Assumiu um compromisso de manter o seu bairro algo melhor sem ser pelo uso da espada, mas sim por um centro de ajuda, e com isso fica claro que Wing é talvez a pessoa mais certa para portar o poder do Punho de Ferro e usá-lo com parcimônia. Tudo o que a série precisava era apenas de um background convicente que se encaixasse bem e convencesse os fãs. Foi quando de forma muito inteligente  Raven Metzner buscou nos quadrinhos a resposta para essa adaptação. Quem leu as histórias do Punho de Ferro assinadas por Ed Brubaker e Matt Fraction deve ter pulado da cadeira com as referências a   Wu Ao-Shi e os Punhos de Ferros ancestrais. Falaremos disso em outras matérias destacando esses e outros easter eggs da série, que foi muito rica neste quesito.

Vale ressaltar também que ao dar a Colleen Wing esse novo papel, a série conseguiu resolver de forma fenomenal outra grande crítica que sofreu de forma injusta no ano passado. O seriado passou a ter na forma de Wing a protagonista e portadora do Punho de Ferro para uma parcela da mídia que tanto reclamou no passado de "embranquecimento" de papel (que, vale ressaltar, não se justifica porque originalmente não cabia). Essa mudança, no entanto, é super bem-vinda já que a personagem foi eleita pela grande maioria como a favorita da série. Por sinal, o seriado se sai muito bem também em instigar a todo momento a parceria d'As Filhas do Dragão, que se revela bem promissora e fica um gostinho de você querer ver mais e mais dela numa eventual terceira temporada. Jessica e Simone conseguem ser bem naturais nessa dupla, que parece funcionar tão bem quanto Luke e Danny como vimos na série do Cage. E perto do final, fica aquela impressão que as duas vão mesmo transitar entre os dois seriados.




O único ponto que me incomodou um tanto nisso tudo é que acabamos tendo a função do Danny Rand na série bem ofuscada no final, que sai dos holofotes com mais cara de que a Marvel parece reconhecer que o personagem falhou miseravelmente em ter o apelo que precisava do público. E isso acaba acontecendo justamente numa temporada em que a olhos vistos as cenas de luta com Finn Jones tiveram uma avanço grande e que mostra que sim, o personagem tem potencial pra ser querido  na TV tanto quanto já foi nos quadrinhos. Um alento é que perto do final, um  Danny aparentemente sem poderes e um Ward sem destino vão seguir uma espécie de jornada existencial particular. E a 'cena pós-crédito' apesar de um pouco confusa e esquisita, deu margem para algo grande ainda acontecer com o personagem no futuro, além de mais uma vez pincelar mais na mitologia dos Punhos de Ferro.

O episódio final traz punhos luminescentes se chocando graças a um momento único em que o "coração do dragão" se encontra dividido entre usuário e isso era tudo que a gente queria ver desde o começo na série. Mas ao contrário do que geralmente acontece nas histórias do UCM na Marvel, o vilão não é descartado no final com um morte definitiva. Davos é um personagem bom demais para simplesmente desaparecer por completo (como chegou a acontecer nos quadrinhos). A atuação de Sacha Dhawan, ora em momentos de sofrimento, ora em momentos de extremismos, foi talvez um dos pontos mais fortes da série. O ator é bom, e também é um excelente artista marcial que mostrou tudo do que é capaz nesta temporada. A única coisa que o desfavorece é seu tamanho. Acaba tirando um pouco o ar temível que ele poderia ter quando um Finn Jones acaba sendo um gigante perto dele.



E a segunda temporada não termina imediatamente após a luta, parece se preocupar bastante em deixar cada um dos personagens em suas devidas caixinhas confiante de que teremos uma terceira vindo aí. Colleen Wing  e Misty Knight dão uma bela deixa de que elas juntas são melhores que sozinhas. Como nova Punho de Ferro, Wing começa a por ordem de volta no bairro, meio que deixando de lado seu trauma dos Defensores e abraçando sua ancestralidade de herdeira do Punho de Ferro. Joy parece querer pontuar sua vida na série, mas a insana Mary Walker gostou de ter sua "amizade" e ficará perto dela por um tempo. E jogando meses a frente, Ward e Danny juntos estão bem perto de resolver o mistério de quem tinha aquele corpo mumificado de um antigo Punho de Ferro e é aí que um nome dos quadrinhos vem a tona.

A resenha principal para por aqui. Como salientei mais no texto, as explicações mais detalhadas sobre Punhos de Ferro ancestrais e como Danny apareceu do nada desenvolvendo uma nova função para o uso do Chi, vai ficar pra o próximo texto. Até lá!

Coveiro

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