domingo, 29 de janeiro de 2012

616 entrevista Fernando Lopes

Lopes

Em Dezembro do ano passado, a editora Panini comemorou 10 anos de publicações Marvel aqui no Brasil, mas foi somente em Janeiro de 2002 que pudemos ver o resultado nas bancas. E este é o mesmo tempo em que passamos a conhecer o trabalho de Fernando Lopes, o editor pioneiro da linha Panini heróis aqui. Aproveitando o momento de comemoração, convidamos Lopes para uma entrevista, relembrando fases marcantes de seu trabalho ao longo deste tempo. Confira já a seguir:

Universo Marvel 616:Fernando, muito obrigado por aceitar nosso convite para essa entrevista. Espero que goste deste bate-papo!
Fernando Lopes: Eu é que agradeço a oportunidade.


UM616:Vamos começar pedindo pra você repetir uma história que você contou no primeiro Marvel Day, mas muita gente do site certamente vai gostar de saber. Conta pra gente como foi que você acabou como o primeiro editor da Marvel pela Panini no Brasil.
FL: Bom, eu tinha acabado de sair do meu emprego anterior e ainda planejava o que fazer quando o Jotapê (Martins), que na época era sócio da (Editora) Via Lettera, me chamou pra uma conversa, pra ver se eu tinha interesse em trabalhar com ele. Não rolou, mas ele lembrou que a Mythos precisava de um editor, ligou pro Helcio (de Carvalho, um dos sócios da Mythos) e conseguiu agendar uma entrevista pra mim. No dia marcado, lá fui eu, engomadinho no meu terno, e fiquei esperando. Quando tal chega o Helcio, cumprimenta rapidamente, entra e chama a secretária de lado: “Quem é o vendedor?” (risos) Fiz a entrevista, ele analisou alguns textos meus, viu que eu sabia articular as palavras em frases completas, não babava, parecia vagamente normal e acabei ficando com a vaga.

ToyFair

Fernando Lopes, em seus primórdios na sede da Mythos

UM616: Até então, você nunca teve experiência trabalhando nessa área de quadrinhos, apesar de sabermos que já era um grande apreciador. Foi muito diferente do que você já tinha trabalhado antes? Quais foram as principais dificuldades iniciais para se adaptar a essa linha tão peculiar e como fez para superá-las?
FL: Foi bem diferente, sim. Eu já havia trabalhado como editor de um pequeno jornal na minha cidade (Lopes é de São Vicente, litoral de São Paulo), mas nunca com revistas, principalmente em quadrinhos. Pra piorar, eu meio que peguei o bonde andando: já existia uma programação definida e pior, um prazo a cumprir. A ideia era não deixar os leitores sem revistas, ou seja, nós tínhamos que lançar nossa linha de quadrinhos em janeiro, um mês depois das últimas edições da (Editora) Abril. Foi uma correria doida. Por sorte, tive um grande apoio do Helcio, que foi o cara que deu início à linha de quadrinhos de super-heróis da Abril, e do pessoal que trabalhava comigo na época, a maioria já com experiência. Foi pauleira, a gente saía tarde pra caramba, mas, em 18 de janeiro de 2002, Homem-Aranha 1 e X-Men 1 chegaram às bancas.

UM616: Você começou num momento em que as revistas estavam em transição entre editoras. Podemos dizer que não foi um começo fácil, e lembro bem do representante da editora anterior afirmar que a Panini nunca conseguiria se estabelecer no ramo infanto-juvenil de super-heróis aqui no Brasil. Essa pressão no começo influenciou seu trabalho? Quanto tempo depois de lançar os primeiros títulos mensais nas bancas deu pra você ter alguma resposta e sentir que a coisa toda ia dar certo?
FL: Olha, tinha muita coisa pra dar errado. Até então, a Panini era conhecida apenas como editora de figurinhas, não tinha uma tradição na área de publicação de revistas. Vínhamos pra substituir a Abril, que é mais que uma editora, é uma verdadeira instituição. Os caras tinham mais de vinte anos de experiência naquilo, formaram várias gerações de leitores, praticamente definiram o mercado. O próprio mercado, aliás, tinha mudado radicalmente, encolhido, se elitizado. Os quadrinhos se sofisticaram em termos de acabamento gráfico, mas alijaram uma enorme parcela de leitores ocasionais, que simplesmente se recusavam a pagar dez reais (numa época em que dez reais era muito dinheiro) por um gibi. A Panini era uma incógnita e a desconfiança era grande, mas sempre botamos muita fé no nosso taco. Não por presunção, não, mas porque a gente fazia tudo com uma gana tão grande, uma vontade tão grande, um amor tão grande por aquilo, que não tinha como não dar certo. E os primeiros resultados de vendas confirmaram isso.


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Cammy e Coveiro visitando a redação da Mythos na entrevista com os três editores da Panini

UM616: Foi com menos de um ano no mercado nacional que a Panini começou a expandir sua linha para além das seis revistas iniciais nas bancas, com novo formato de 52 páginas mensais, além das minisséries. Assim, os heróis que costumamos chamar de segundo e terceiro escalão foram ganhando revistas próprias. Os primeiros contemplados foram o Quarteto Fantástico, Hulk, Demolidor e, por um breve momento, até mesmo o Deadpool/Agente X. Como foi o processo desta etapa de expansão das revistas e qual critério foi usado para selecionar os personagens que chefiariam esses títulos?
FL: Uma das grandes preocupações da Panini sempre foi a de ampliar o mercado, fazer mais gente ler nossos quadrinhos, e isso implicava necessariamente em trazer de volta ao menos uma parte dos leitores afugentados na época das Premium. Pra conseguir isso, precisávamos de uma linha mais acessível, com revistas mais baratas. Foi quando surgiu a ideia da chamada Linha Econômica, num formato intermediário entre o antigo formatinho e o original americano, que permitia um preço mais baixo. Escolhemos alguns personagens que passavam por boas fases na época e que teriam apelo suficiente pra segurar um título próprio sem desfalcar as publicações em que estavam antes. Quarteto Fantástico estava na mão de Carlos Pacheco, e muita gente pedia a série do Capitão Marvel do Peter David; o Hulk já havia tido um título próprio de longa duração e o Demolidor foi o carro-chefe da finada Superaventuras Marvel por anos; o mesmo acontecia com o Justiceiro, que fez dobradinha com Elektra; e tinha o Mangaverso, que trazia uma proposta diferente e o apelo do mangá. Foi uma experiência muito válida, aprendemos bastante naquela época.


UM616: Ao longo desses anos, algumas mudanças de formato e cancelamentos de títulos se fizeram necessários. Poderíamos falar um pouco sobre eles? Quais foram as dificuldades em se estabelecer a linha pocket, a linha infantil Geração Marvel e as primeiras versões da revistas com formato de 52 páginas (que acabaram retornando agora com Deadpool e Grandes Heróis Marvel)?
FL: De modo geral, quando uma mudança é feita, qualquer que seja ela, o principal motivo é sempre o mesmo: garantir que a revista esteja novamente na banca no mês seguinte. Quando isso não acontece... bom, é sinal de que alguma coisa deu errado. Embora pareça meio óbvio falando assim, não é. Pelo menos, não pra todo mundo. Desde que a Panini entrou pro mercado de quadrinhos, há dez anos, a filosofia permaneceu sempre a mesma: oferecer ao leitor a maior diversidade possível de títulos, sempre com qualidade e preço justo. Dentro desse objetivo, foram adotadas as mais variadas estratégias, de acordo com o momento do mercado, da economia e da resposta dos leitores — que, no fim, são o grande termômetro do nosso trabalho. O resultado disso é o panorama que temos hoje: revistas com estruturas variadas e preços compatíveis com diversos perfis de leitores. Mas, pra chegarmos até aqui, aconteceu muita coisa...

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Fernando em sua palestra no primeiro Marvel Day, em 2010

UM616: Com o tempo, começaram a surgir os lançamentos de encadernados com reedições de antigas histórias, muitas delas até então nunca publicadas na integra e em formato americano original aqui no Brasil. A busca por esse tipo de material que antes era bem restrito por aqui, nitidamente tem crescido bastante. A que se deve o crescimento deste produto? Você diria que mudou o perfil do consumidor brasileiro nesses anos que vem trabalhando com quadrinhos?
FL: Na minha opinião, esse nicho sempre existiu, só não era suficientemente explorado. Acho que a procura por esse tipo de material vem aumentando porque uma parcela dos leitores envelheceu, mas ainda tem uma ligação afetiva não apenas com os personagens, mas com fases específicas. Como você mesmo disse, muitas dessas fases e séries nunca foram publicadas na íntegra no Brasil, e mesmo assim deixaram pra trás uma grande legião de fãs. E não é uma tendência apenas só aqui, mas também nos Estados Unidos. Prova disso é o grande volume de reedições, em todo o tipo de formato, dos grandes clássicos do passado.

UM616: Você é Fã do Demolidor e confesso apreciador das obras de John Byrne e Frank Miller. Aqui entre nós, os gostos pessoais ajudam ou atrapalham como editor? Se fosse citar um exemplo, qual foi o material que mais deu satisfação pessoal neste trabalho até hoje? E qual foi a revista que lamentou mais ao ser obrigado a cancelar?
FL: Uma vez fui muito mal-interpretado ao responder justamente a essa pergunta, então vou tentar não dar margem pra tirarem do contexto desta vez... Afinal, como diz um sábio que eu conheço, contexto é tudo. (risos) Na minha opinião, o gosto pessoal do editor não deve necessariamente pautar seu trabalho, ainda que invariavelmente sirva como parâmetro. Eu estaria sendo hipócrita se dissesse que gostei de tudo que editei, e é bom que seja assim, porque significa que pudemos contemplar o gosto de uma parcela de leitores muito maior do que se isso tivesse acontecido. Veja, seria muita prepotência minha achar que o que eu gosto é necessariamente melhor ou pior do que o que qualquer outra pessoa gosta. E tem outra coisa muito importante que eu costumo dizer toda vez que me perguntam isso, e que sempre balizou meu trabalho: eu não faço gibis PRA MIM, faço gibis para o público. Nesse sentido, o meu gosto pessoal não tem qualquer relevância. Tem séries que eu adorei editar, mas que estavam longe de ser uma unanimidade. Nova Onda, do Warren Ellis, e X-Force/X-Statix, do Peter Milligan, pra ficar em dois exemplos. Tinha gente que amava (eu incluso), e tinha gente que odiava mortalmente. Fiquei feliz de ter conseguido publicar ambas. Por outro lado, sempre lamentei muito não ter conseguido terminar de publicar o Capitão Marvel do Peter David. Adorava a série.

UM616: Em 2007, comemorando os 40 anos de Marvel aqui no Brasil, foi lançado o Marvel 40 ANOS, no qual é de sua autoria um excelente trabalho de pesquisa resgatando as quatro décadas de história da publicações da Casa das Idéias por aqui. Fala um pouco pra gente de como surgiu a idéia desse projeto, como foi para executá-lo, alguma curiosidade que achou durante a pesquisa...
FL: A edição surgiu graças à sugestão de um leitor, o Nikki Nixon, que deu um toque sobre a data num fórum. A partir daí, surgiu a ideia de fazer o livro, um apanhado das várias fases da Marvel ao longo dos anos por meio de uma série de histórias selecionadas. Isso, em si, já foi um perereco, porque, se você entrevistar cem leitores, vai obter cem listas diferentes de “melhores histórias”. Selecionamos as que constam da edição, mas nem todas são uma unanimidade nem mesmo aqui, na Redação (algumas, aliás, JAMAIS constariam do livro se dependesse só de mim...). Também chamamos o Gonçalo Júnior, que é um grande pesquisador, pra escrever um texto sobre a longa trajetória da Marvel em terras brasileiras — que eu acabei coescrevendo. A ideia do fac-simile que acompanhava a edição foi do Helcio, e agradou bastante. Foi um esforço conjunto, colaborativo, e desembocou num resultado bacana, embora tenha dado um trabalhão. Foi uma experiência interessante.

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Lopes, em 2011, na sua palestra sobre filmes de superheróis na Fest Comix

UM616: Apesar do tempo escasso, você sente falta de lançar mais trabalhos assim de pesquisa ou mesmo mais autoral? Tem algum plano engavetado por aí esperando o momento certo pra sair?
FL: Pessoalmente, como jornalista, eu gostaria bastante. Acho que tem muita coisa legal a ser explorada, muitas histórias boas pra contar. Mas é meio complicado quando se é parte do processo... Quem sabe quando eu não for mais editor? (risos)


UM616: Não há como contestar que em 10 anos a Panini teve um crescimento a olhos vistos. E não foi só na quantidade de títulos a oferecer. O editorial Marvel se expandiu, antes como único editor, agora você chefia uma equipe. Como é agora trabalhar em grupo e o que mudou quando virou Editor Senior?
FL: Fiquei mais velho e mais careca. (risos) Olha, chamar mais gente pra trabalhar conosco foi uma necessidade. O número de títulos cresceu a ponto de eu não conseguir dar conta de tudo sozinho. Tivemos a sorte de encontrar caras muito legais na hora de aumentar a equipe. Tanto o Paulo (França) quanto o Rogerio (Saladino) são pessoas empenhadas, profissionais, que curtem aquilo que fazem, e isso é fundamental. Os dois assumiram a responsabilidade pelos títulos mensais (que eu editava sozinho!!!) e eu fiquei mais com encadernados e edições especiais, além de questões mais burocráticas (que são a parte sacal do trampo). Quanto ao cargo de “editor sênior”, é só um jeito simpático de dizer que eu estou ficando veeeeeelho... (risos)


UM616: No começo da Panini (e do Lopes) no Brasil, não havia este contato tão próximo que existe hoje com os leitores, seja em eventos ou nas redes sociais. Você gosta dessa mudança, deste contato maior? Já chegou a reavaliar alguma decisão editorial por conta desse feedback?
FL: Logo que comecei, fiz muita questão de tentar aumentar o contato com os leitores. Trouxemos de volta as sessões de correspondência, eu participava bastante de fóruns e tal. É um retorno importante, e sempre ajuda a tomar decisões. Ando meio afastado desse meio em virtude da correria, mas ainda costumo dar uma olhada de vez em quando.


UM616: Qual é a sensação de olhar para trás, quando assumiu as revistas Marvel após a "Era Premium" e ver que pelo menos três daquelas revistas permanecem até hoje, além de encontrar cerca de o triplo de revistas entre mensais e especiais nas bancas, ciente que tudo começou com seu trabalho?
FL: Tenho orgulho do trabalho que desenvolvemos ao longo desses dez anos, e da minha participação na construção dessa realidade. Disseram abertamente que a Panini não duraria seis meses no mercado, e ela está aí faz dez anos. Nesse meio-tempo, muita gente entrou e saiu, e a Panini continuou lá, firme. Sem falsa modéstia, sei que contribuí pra esse resultado. Mas eu sou só uma peça do processo, e tenho plena consciência disso. Se não fosse pelo trabalho, pelo esforço, pelo empenho, pela dedicação de todos os que se juntaram a nós ao longo do caminho e estiveram com a gente ao longo desses dez anos, NADA disso seria possível. Fico feliz que seja assim. Costumo dizer que não nasci editor de quadrinhos, e duvido que o seja pra sempre. E, quando o meu tempo passar, como tudo passa, vou sair com a consciência tranquila de ter feito o melhor que podia. Dado o contexto, é claro. (risos)


UM616: Obrigado mais uma vez, Fernando, pela entrevista e parabéns por essa década de excelentes conquistas na Panini. Saiba que nós do Universo Marvel 616, e certamente é reflexo de muitos leitores, aprendemos a respeitar e admirar seu trabalho.
FL: Eu é que agradeço. É o maior prêmio que eu poderia esperar.

Agradecemos a disponibilidade do Lopes em nos atender tão prontamente e mais uma vez ressaltamos a admiração pelo seu trabalho, que começou numa fase complicada no ramo dos quadrinhos no Brasil, conseguiu dar a volta por cima e só tem prosperado até hoje. Que esse sucesso persista mais e mais.

*As perguntas aqui colocadas foram discutidas e organizadas pelos editores Cammy, Coveiro, Eddie e pelos redatores Kinhu, Rafael Felga, Fernando Saker e Eduardo Spicacci.

Equipe Editorial 616

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