domingo, 23 de abril de 2023

Grandes Histórias da Marvel no Brasil: As 10 maiores alterações da Editora Abril

Todo o caminho e as mudanças que a Editora Abril fez, foram comentadas e explicadas neste post aqui! Porém, mesmo compreendendo os verdadeiros motivos, não deixa de ser engraçado e curioso alguns pontos desses 22 anos do Universo Marvel na Abril. Muitas mudanças e alterações foram feitas, tudo isso, para deixar a cronologia mais coesa possível. Por isso, para apresentar um pouco dessa época, selecionamos neste artigo, dez momentos em que a Abril alterou o curso das histórias com a Marvel no Brasil. 

1 - A QUEDA DE MURDOCK

Publicada em SAM 62 a 68 entre 1987 e 1988,  “A Queda de Murdock” uma das histórias mais importantes do Demolidor, passou pelo crivo da Abril. Pelo tom mais adulto, a editora precisou fazer algumas alterações na arte original para que a história pudesse ser publicada. Nesse período, a Abril teve alguns “problemas” com trama sobre drogas. O tema drogas e drogados era uma coisa proibida. E um dos diretores chamou o editor Leandro Luigi Del Manto, para informá-lo que a página onde Karen Page está segurando a seringa seria vetada. Isso era resquício da censura. Antes de receber uma multa, ou gastos com advogados havia a voz da moderação. Era o senhor chamado Silvio Fukumoto, que segundo dizem, era um senhor muito simpático. Porém sua função era analisar possíveis problemas. Para não cortar a página inteira, Leandro sugeriu trocar a seringa pela navalha. Depois de muita conversa, foi acordado trocar a seringa por uma arma branca e o desenho foi alterado por uma navalha. Segundo Leandro, a única maneira para liberar a história para que viesse a ser publicada. Tinha essa coisa muito rígida lá dentro, e aos poucos isso foi mudando. 


2 - O CONFLITO DE UMA RAÇA

A edição de estreia de Graphic Novel de janeiro de 1988, vinha com a história dos X-Men chamada "God Loves, Man Kills" (Deus ama, Homem mata), mas no Brasil a aventura foi traduzida como “Conflito de uma Raça”. O título original não pôde ser traduzido ao pé da letra. Aqui, outro caso de censura interna da Abril. Nesse caso foi com o diretor de redação chamado Cláudio Marra que interveio. Ele, além de diretor, era pastor e achava que não era de bom tom usar em um título de uma revista popular as palavras ‘Deus’ e ‘mata’.  O título não foi proibido, foi apenas uma opção do diretor de redação. A dramática história, brilhantemente contada por Chris Claremont e Brent Anderson, mostra toda a intolerância dos humanos em relação aos mutantes.



3 -  QUE PRESIDENTE É ESSE?

A história publicada em O Incrível Hulk n°4,  originalmente em "The Incredible Hulk n° 238 de 1979" foi publicada pela Abril em 1983. Pois bem, o curioso era que na história original, o presidente americano da época, Jimmy Carter participa da história. Ele, atônito, assiste a devastação feita pelo Hulk. Quando a história, enfim, chegou ao Brasil em 1983, o presidente americano naquele momento era Ronald Reagan, e o que a Abril fez? Alterou o presidente, claro. Por aqui não se falava sobre esse lance do atraso. Poucos sabiam e quase ninguém comentava sobre o "delay" que era grande. Claro que a estrutura da história não foi alterada, mas o rosto do presidente americano foi sem dó.


4 - O EFEITO GUERRAS SECRETAS

A saga Guerras Secretas é o ponto máximo de mudanças e alterações, como já foi dito em várias oportunidades. Porém o efeito disso teve consequências na edição de O Incrível Hulk n° 52 de outubro de 1987. O Hulk era o único personagem em sincronia com Guerras Secretas. Essa história, que se passa após os eventos da saga, foi uma das edições mais modificadas pela Abril. Além de mudarem o uniforme do Homem-Aranha que já era negro, para o tradicional, a mudança mais significativa foi com o Starfox, personagem que acabará de entrar para os Vingadores. Como a história não havia sido publicada ainda, o personagem foi substituído pelo mutante Fera. Starfox, tem poderes de persuasão, e na história ele tenta acalmar o Hulk, com o Fera entrando em seu lugar, a página em questão acabou perdendo todo o sentido, em função do personagem. Já a nova Capitã Marvel, foi substituída pela Feiticeira Escarlate.





5 - CAPITÃO AMÉRICA E A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Em Capitão América n° 79 de dezembro de 1985, em uma história escrita por Roger Stern e desenhada por Frank Miller, o Capitão América se vê envolvido em casos de um grupo terrorista que está causando incêndios pela cidade. Esse grupo, formado por trabalhadores, estão extorquindo a cidade por dinheiro. Se não for pago uma quantia de 6 milhões de dólares, os incêndios irão continuar. Esse grupo, em discurso, estão cansados de pagar altas taxas de impostos e não terem retorno. Culpado o país por valorizar os mais ricos e não os menos favorecidos, decidem praticar esses atos terroristas. No final, o  Capitão acaba descobrindo os responsáveis, conseguindo cessar os incêndios. Porém, no último atentado, o Capitão em um último ato, antes do local terminar em cinzas, consegue salvar a bandeira americana. No discurso, o Capitão diz que “a bandeira pertence a todos, mesmo com todas as dificuldades, a América não dá as coisa de graça, apenas a esperança”. Porém, na edição da Abril, as cenas onde a bandeira é mostrada, foram substituídas pelo livro da "Declaração dos Direitos Humanos".  Os editores achavam que a mudança faria mais sentido. Pois o simbolismo da bandeira americana tem mais significado nos Estados Unidos, já o livro da Declaração dos Direitos Humanos,  teria mais sentido no contexto universal, e assim foi feito. 




6 - A HISTÓRIA MAIS POLÊMICA DO INCRÍVEL HULK

Em Hulk 16 (outubro de 1984), foi publicada uma história que saiu  originalmente em The Hulk 23 (1980). A HQ mostrava Bruce Banner sofrendo uma tentativa de estupro por uma dupla de homossexuais enquanto tomava banho num vestiário. Na versão nacional, a cena foi alterada para uma tentativa de assalto. 

A revista The Hulk era uma publicação no formato magazine direcionada para o que os americanos julgavam ser um público mais maduro. Então, na cabeça deles, poderia e deveria tratar de temas menos indicados para leitores mais jovens. Trazia, às vezes, assuntos vetados nas revistas de linha. Jotapê não achava suas histórias mais maduras apenas por tratarem de temas supostamente adultos. Então, não viu problema em publicá-las nas mesmas revistas brasileiras em que eram editadas as demais da Marvel.



 

A história “A very personal Hell”  foi escrita por Jim Shooter, desenhada pelo John Buscema e arte finalizada pelo Alfredo Alcala. Este último entrou na jogada  para dar um visual mais adulto no estilo, “A espada selvagem de Conan”. Em suma, a história era ok... a não ser por um único detalhe: a tentativa de estupro. Os editores não viram problema algum em mostrar uma tentativa de estupro  apesar de saber que a direção da Abril jamais aprovaria. No entanto, para se ter ideia do que estava se passando naquele banheiro público, só lendo a história. Como  o Silvio Fukumoto apenas corria os olhos pelas edições, não tinha receio de publicar qualquer cena que ele considerasse forte. Sem imagens evidentes, essas situações passavam batidas por ele. Por exemplo, foi o que aconteceu com Ricardito se drogando em Superamigos. O Silvio não se deu conta. 

Homossexuais naqueles tempos não apareciam em gibis de super-heróis. A homossexualidade era ignorada. Nas revistas, só havia heterossexuais. Jotapê ficou fulo de ver que, na primeira vez em que apareciam dois homossexuais, eles estavam sendo retratados de forma extremamente negativa. Mais do que criminosos, eram criminosos sexuais, o que  servia para reforçar preconceitos. 



Depoimento de Jotapê:

"Hoje em dia, temos personagens homossexuais de todos os matizes e em quantidade razoável. São engenheiros, faxineiros, médicos, balconistas, pessoas inteligentes, burros, preconceituosos, de boa índole, de má fé, etc. Então, tudo bem aparecer um deles que não seja boa pessoa. Mas, em 1984, os primeiros homossexuais a aparecerem em nossos gibis serem retratados como criminosos sexuais era algo que eu não podia aceitar. Prestes a me formar, eu já havia decidido me especializar em psiquiatria e, quatro anos antes, a Associação Psiquiátrica Americana havia retirado a homossexualidade da sua classificação de transtornos mentais. Não seria no meu plantão que uma cena negativa dessas iria pra gráfica. Mas não mesmo". Assim, uma pequena faca foi introduzida ao personagem. Alterando a tentativa de estupro gay por um crime comum.

7 - A HISTÓRIA MUTILADA DO MOTOQUEIRO FANTASMA

A Abril pegou 14 edições de “Ghost Rider, Spirits of Vengeance” e “Midnight Sons Unlimited, e condensou em apenas 8 páginas, um prólogo para dar uma resumida de praticamente dois anos do personagem. Publicada em Marvel 97 n° 2, A Abril montou essa introdução, para situar o personagem.



8 - A IDENTIDADE DO NÔMADE IGNORADA PELA ABRIL

Em Capitão América n° 40 de setembro de 1982, foi publicada a história em que Steve Rogers abandona o manto do Capitão (Captain America n ° 179). Ao final da história, Steve Rogers decide usar um novo codinome: Nômade. Durante algumas edições, Steve passa a atuar como Nômade em um novo uniforme. Depois de um breve período, ele retorna ao seu velho escudo. Mas na edição da Abril, o final foi alterado. Steve Rogers não decide ser o Nômade, o texto totalmente mudado faz com que Steve Rogers volte a ser o Capitão imediatamente. Com isso, a Abril, pulou exatas 59 edições, criando um buraco, deixando de publicar por exemplo, a "Bomba da Loucura" de Jack Kirby. Como essas histórias haviam saído pela Bloch, o estrago não foi tão grande assim. 


9 - A IMAGEM DE LENIN APAGADA DO MACACÃO DO COLOSSUS

"Superaventuras Marvel 14" chegou às bancas em agosto de 1983, no meio do governo do General João Figueiredo, em plena ditadura militar e durante a Guerra Fria. Embora a censura já estivesse cedendo, alguns temas continuavam em voga. A ditadura militar ainda procurava "comunas" debaixo da cama. Na história dos X-Men, Colossus tinha sido hipnotizado pelo Arcade para atacar seus colegas de equipe. O vilão, que adorava uma piada, decidiu fazer crer que era um "Proletário", o herói da classe trabalhadora da União Soviética, que ainda existia na época. O diretor responsável da Abril não achou graça e não deixou a brincadeira passar. Não adiantou dizer que a história não fazia apologia ao comunismo, Lenin ou a própria União Soviética. Na Abril, ainda era forte o receio de uma intervenção do departamento de censura, com grande prejuízo para editora. Bastava aparecer CCCP, foice, martelo e Lenin, principalmente num título infantil para o assunto ser preventivamente vetado. E foi. Os profissionais da redação não se esforçaram para reverter a decisão da diretoria responsável. Não valia a pena. E a história funcionava sem o desenho no macacão do personagem. E assim foi. Hoje pela Panini, o desenho no macacão sai com a imagem do famoso líder comunista. 


10 - A REDAÇÃO MARVEL ABRIL NAS HQS

Em outubro de 1988 chegava às bancas a última edição de Heróis da TV. A última revista, de número 112, com os X-Men na capa, anunciava o fim de sua publicação. Essa edição em especial também teve uma mudança nas páginas em relação à edição original. A história publicada em The Uncanny X-Men Annual nº 07, apresentava uma história cômica entre os mutantes e o Homem-Impossível, personagem criado por Stan Lee e Jack Kirby, nas primeiras histórias do Quarteto Fantástico. Na revista original, o Homem-Impossível promove uma espécie de “gincana” entre os X-Men, levando os mutantes ao escritório da Marvel nos Estados Unidos, que era localizado na Park Avenue 387. A versão da Abril substituiu o escritório pela redação brasileira na Rua Bela Cintra 299, em São Paulo. Todos os funcionários da Marvel foram substituídos pelos da Abril. Funcionários como Cláudio Marra, diretor de arte e Lucrécia, editora de texto, apareciam na história. O editor-chefe, Sérgio Figueiredo substituiu o editor original, Jim Shooter, e por aí vai. No fim da história, o editor Leandro Luigi Del Manto, surge implodindo a revista, em um dos seus últimos trabalhos feitos na Abril, antes de se mudar para a Editora Globo.

Veja a versão original com os editores Mark Gruenwald, Elliot Brown e Mike Carlin e a recepcionista dos escritórios da Marvel Darlene Cole, além de uma rápida aparição de Jim Shoote e Michael Hobson





Veja a versão da Abril com alguns editores da época como Leandro Luigi Del Manto,  Claudio Marra, Sergio Figueiredo (o Figa) e mais:






Alexandre Morgado

Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro Marvel Comics - A Trajetória da Casa das Ideias do Brasil, livro que narra a história da Marvel em nosso país, relançado em 2021. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.


comments powered by Disqus