quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Grandes Histórias Marvel no Brasil: A Saga do Clone



UMA DAS HISTÓRIAS MAIS COMENTADAS DO HOMEM-ARANHA NO BRASIL.

Em meados dos anos 1990, a Marvel passou por um período de crise criativa em suas publicações nos Estados Unidos. Depois da mudança no cargo de editor-chefe em 1987, com a saída de Jim Shooter, a Marvel, que tinha entrado nos eixos ao viver um dos seus melhores momentos criativos entre 1978 e 1987, teria a partir desse período uma fase menos empolgante, com diversas sagas longas, confusas e de baixa qualidade.  E como não podia deixar de ser, esse período foi publicado por aqui.   

Alguns artistas que despontavam no começo dos anos 1990, como Todd Mcfarlane, desenhista do Homem-Aranha, Jim Lee, que cuidava dos X-Men, Marc Silvestri, artista do Wolverine e Rob Liefeld, que desenhava os Novos Mutantes, tinham criado um alvoroço no mercado americano com as suas revistas. O foco era mais nos desenhos do que nas histórias. Poses impossíveis para o corpo humano, anatomias fora do padrão, personagens super musculosos e cores exageradas tornaram a Marvel o oposto do que foi em sua primeira fase criativa, com Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko. E na sua expansão, com John Byrne, Frank Miller, Jim Starlin, Chris Claremont e diversos outros nomes. Porém, suas revistas vendiam, e para a Marvel, o que importava naquele momento eram as vendas. Mesmo se a qualidade das histórias fosse ruim.

Todos esses novos artistas estavam no auge de suas carreiras e depois de exigirem mais espaço e carta branca para criar os seus próprios conceitos e, principalmente, ter mais liberdade, sem intervenções de editores, ficaram receosos em apresentar os seus próprios personagens para a Marvel, já que, se isso tivesse acontecido, a Marvel seria a proprietária de todos. Como foi o caso de Cable e Deadpool, criados por Rob Liefeld, que pertencem à Marvel, e não ao artista. Com isso, no início dos anos 1990, Todd Mcfarlane, Rob Liefeld, Jim Lee, Marc Silvestri, e mais os artistas Erik Larsen, Whilce Portacio e Jim Valentino abandonaram a Marvel e criaram uma nova editora. Cada um teria o seu próprio estúdio e cada um cuidaria de seus próprios personagens, sem ter que se preocupar com intervenções editoriais e prestação de contas. A Image Comics foi fundada em 1992 e tornou-se uma concorrente forte para a Marvel e para a DC nos Estados Unidos. Alguns dos personagens criados pela Image foram publicados no Brasil a partir de 1996. 

Naquele ano, a Abril trouxe Youngblood de Rob Liefeld e The Savage Dragon de Erik Larsen. Mas foi com “Spawn - o Soldado do Inferno”, de Todd Mcfarlane, que a editora daria o tiro certo-foi de longe a revista Image de maior sucesso no Brasil. A Editora Globo publicaria Stryke Force e Cyber Force, de Marc Silvestri, mais as revistas dos WildC.a.t.s e Gen 13, de Jim Lee. Todas essas revistas causaram um alvoroço e a princípio, fizeram sombra na Marvel. Com a chegada da Image, aproveitando a nova leva de quadrinhos no Brasil, a Editora Globo também publicaria a versão da revista americana “Wizard” em 1996.

O mercado das histórias em quadrinhos nos EUA passava por um período delicado no início dos anos 1990. As edições nº 01, com as novas revistas do Homem-Aranha de Todd Mcfarlane, os X-Men de Jim Lee e o novo grupo X-Factor de Rob Liefeld, venderam milhões de exemplares cada uma. O que a princípio tinha sido um sucesso, em longo prazo teria outra situação.  Os lojistas das Comics Stores americanas e diversos colecionadores, aproveitando os vários lançamentos, esperavam que as revistas se valorizassem anos depois. Então, começaram a comprar lotes e mais lotes, na esperança que pudessem revendê-los no futuro, por um preço bem maior. Mas isso não aconteceu. As revistas não se tornaram uma Action Comics ou uma Amazing Fantasy, e centenas de milhares de gibis morreram nas mãos daqueles que os possuíam. Todo esse processo gerou uma especulação no mercado, criando uma gigantesca bolha que acabou estourando. Isso teve como consequência a queda vertiginosa das vendas das revistas em quadrinhos nos anos seguintes.

As revistas da Image, mesmo com todo o alvoroço criado, deixavam muito a desejar em relação ao nível de suas histórias. Não era difícil associar cada personagem da Image com os da Marvel. Nessa fase, tanto a Marvel quanto a DC estavam passando por uma forte crise criativa com os seus personagens. Na DC, o Superman estava morto! O personagem, que há tempos não estava agradando, teria uma grande sequência de histórias mostrando o primeiro super-herói sendo assassinado por uma criatura de seu planeta natal Krypton, chamada “Apocalipse”. Tudo isso para o personagem voltar a ser notícia novamente. Batman foi outro que sofrera em suas histórias. Após uma longa saga chamada “A Queda do Morcego”, Bruce Wayne ficaria fora de combate, depois de ter a sua espinha quebrada pelo vilão Bane. Posteriormente, seria substituído por outro personagem.


Na Marvel, a consequência da debandada dos principais artistas para outra editora fez com que, mês a mês, as histórias caíssem ainda mais de produção. Nesse período, quem mais sofreu com histórias fracas e mal produzidas foram os personagens que mais vendiam: O Homem-Aranha e os X-Men. No Brasil, a revista Teia do Aranha passaria a ter histórias inéditas, a partir da edição nº 75, que teria as histórias do personagem em sincronia com a revista O Homem-Aranha. A partir da edição nº 89 de A Teia do Aranha, tinha início uma das histórias mais confusas do personagem, com a polêmica fase conhecida como “A Saga do Clone”.   


O começo de toda a Saga do Clone. Homem-Aranha n° 29 da RGE.


A saga, que usava como base as histórias antigas do Homem-Aranha publicadas pela RGE, trazia de volta o clone do personagem, que aparentemente tinha morrido no final da história “A Gênese do Clone”, publicada em o Homem-Aranha nº 32, da RGE. O clone estava vivo, e de volta à vida de Peter Parker. Depois de descobrir que a “imortal” tia May estava doente, o clone, que tinha adotado o nome de Ben Reilly, daria as caras para prestar talvezuma última homenagem à sua tia querida. Em meio à sua volta, Ben Reilly e Peter Parker se encontram. E assim, o universo Marvel ganharia um novo Homem-Aranha. A Abril publicaria uma minissérie, em três edições, chamada “Homem-Aranha – Anos Perdidos”, contando o que tinha acontecido com Ben Reilly, durante o tempo em que ficou longe da família Parker. Ben Reilly adotaria o nome de “Aranha Escarlate”, passando a ser um novo combatente aracnídeo do Universo Marvel. Com isso, outro clone surgiria durante a saga. Esse clone deformado, chamado Kaine, era um clone que não tinha dado certo, e que começou a perambular pela cidade.           



A volta do Clone.


 O que poderia ter sido uma história simples, acabou se tornando uma saga confusa e cansativa. Principalmente por decisões dos editores americanos, interferindo e esticando a história em vários meses. Nesse meio tempo, Mary Jane descobre que está grávida – e a simpática tia May, enfim, acaba morrendo. O Professor Miles Warren, o Chacal, que também tinha morrido nas histórias dos anos 1970, estava de volta.  Aquele Chacal, que morrera nas histórias antigas da RGE, era um... clone. E pimba! Temos o vilão de volta, vivinho da silva. O Chacal estava tramando o seu grande plano, por trás das cortinas, esperando a hora certa de se vingar do Homem-Aranha novamente. Durante a saga, um terceiro Peter Parker surgia. Seria mais um clone ou era o verdadeiro, que teria ficado aprisionado por todo esse tempo?

O grande X da questão era o problema que a própria Marvel teria criado com o personagem. Conforme a queda das vendas da revista vinha acontecendo com mais frequência, o fato de apresentar um personagem casado e futuro pai de família não mais combinava com o que os leitores queriam. E o que a Marvel faria para organizar a vida do Homem-Aranha, fazendo com que as suas histórias voltassem ao seu passado glorioso? Depois de detectar uma anomalia na criança que Mary Jane estava esperando, descobriram que essa anomalia seria pelo fato do pai ser um clone. Com isso, foi sugerido que tanto Ben Reilly quanto Peter Parker fizessem um teste, para identificar o problema real. Porém, uma surpresa aconteceu: foi descoberto que Ben Reilly era o VERDADEIRO Peter Parker. E que o Homem-Aranha que estava aí todo esse tempo era o clone, criado pelo Chacal, nos anos 1970…

Depois da descoberta, Ben Reilly assumiria o uniforme do Homem-Aranha, e Peter Parker acaba desistindo de ser o escalador de paredes, dando lugar para Reilly.  A Marvel decidiu substituir Peter Parker. A princípio, essa decisão seria permanente, tanto que Peter Parker ganharia uma minissérie em quatro partes, publicadas durante a fase do clone chamada “Homem-Aranha - A Aventura Final”, mostrando a despedida de Peter, que teria a sua aposentadoria ao lado de Mary Jane.     


 A edição de A Teia do Aranha nº 100 apresentava a estreia de Ben Reilly como o novo Homem-Aranha. Essa história da saga do clone irritou boa parte dos leitores. E a pressão foi grande, pois a troca de personagem jogava mais de 20 anos de história no lixo. A Marvel, para resolver a trama e trazer Peter de volta, criaria um desfecho que polemizou ainda mais as histórias do Homem-Aranha. Os exames feitos entre Ben Reilly e Peter Parker foram trocados propositalmente. O responsável pelo teste era Seward Trainer, amigo de Reilly, que estava sendo manipulado por um antigo inimigo que estava de volta, após uma vida longe das histórias do Homem-Aranha desde os anos 1970.       
                                                                                                                                             
Norman Osborn, o Duende Verde original, estava de volta e bem vivo. O personagem, que aparentemente tinha morrido na clássica história da morte de Gwen Stacy, era o grande arquiteto por toda a bagunça na vida de Peter! Mary Jane, após sofrer complicações (depois de uma mulher, a mando de Norman, ter colocado algo em sua comida), é levada ao hospital. Chegando à sala de cirurgia, a criança nasce. E aqui, outra polêmica surge. O que é mostrado é a mesma mulher que envenenou Mary Jane saindo do Hospital, aparentemente com a criança, entregando uma “encomenda” logo depois no cais para Norman Osborn. 

A Marvel evita tocar nesse assunto, mas não fica claro se a criança morreu, se ainda está viva, ou se, de fato, foi entregue a Norman. O grande desfecho, publicado em A Teia do Aranha nº 110, apresentava todos os detalhes da volta do Duende Verde. O soro do Duende, que estava em seu sangue, foi o que de fato salvou Norman Osborn da morte. E depois de fugir do necrotério, partiria para a Europa, onde planejaria seu longo plano para “apenas” se vingar do Homem-Aranha. Ben Reilly morreu no fim da saga, após um confronto com o Duende. Peter Parker, agora sabendo que NÃO era o clone, voltaria a ter a sua vida ao lado de Mary Jane, e mais uma vez, seria o amigão da vizinhança. Entenderam por que a saga é confusa?


O grande problema não foi a história em si, mas a forma com que foi executada. A saga estava programada para durar apenas quatro meses, mas acabou se estendendo por dois anos. O que era apenas para ser mais uma história em meio a tantas outras, virou uma grande bagunça. Principalmente pelas intervenções editoriais, passando pelas mãos de diversos roteiristas e desenhistas, com inúmeras intromissões dos editores americanos. As vendas das revistas do Homem-Aranha nos EUA caíram pela metade durante a Saga do Clone. No Brasil, a saga chamou tanto a atenção (pela controvérsia) que ganhou até matérias em jornais, como no jornal O Estado de São Paulo, que publicou material sobre o tema em 10 de janeiro de 1997.

A saga foi publicada no Brasil em A Teia do Aranha nº 89, indo até a edição nº 110, e em o Homem-Aranhado nº 165 até o nº 186. As revistas eram intercaladas, tendo uma história em cada uma das publicações. Durante a saga, dois especiais em formatinhos foram publicados com ligação da saga: Venom Especial e Aranha Escarlate Especial.

“Acredito que a repercussão lá fora foi maior do que aqui”, analisa o editor Marco Moretti, um dos responsáveis pelas revistas do Homem-Aranha.“Mas as vendas foram menores do que o esperado. Embora bem no início da saga tenha ocorrido um leve crescimento, penso que por causa da expectativa, ele não se manteve. Acho que o problema da Saga do Clone foi a extensão. Se tivesse demorado menos, tenho a impressão que teria ficado melhor”.


Em janeiro de 2010, a Panini publicou na edição n° 04 de A Teia do Aranha a história extraída de “Spider-Man: The Clone Saga”, uma versão definitiva, escrita por Tom Defalco, um dos editores da Marvel da época. Na história, Defalco reconta a história do jeito que havia sido planejada desde o início.


Independente de qualquer coisa, a Saga do Clone rende controvérsia até hoje.  E você, caro leitor, o que acha sobre a saga? Deixe seu comentário...

Alexandre Morgado

Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro "Marvel Comics - A Trajetória da casa das ideias no Brasil", livro que narra a história da Marvel em nosso país, publicado em 2017 pela Editora Laços. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics

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