Para entender a complexa cronologia dos heróis da Marvel é necessário anos e anos de estrada. Agora, se você é brasileiro, essa complexidade aumenta um pouco mais. Com mais de 80 anos de publicações, sagas, reviravoltas, histórias desfeitas e universos paralelos, toda a jornada desses personagens viraram tese de estudo.
Além de toda a cronologia amarrada, alguns detalhes acabaram por confundir os leitores no Brasil. Hoje em dia, os leitores das publicações Marvel conhecem e compreendem todas essas amarras entre suas histórias e sagas. Mas para aqueles que acompanharam desde o final dos anos 1960, algumas (ou várias) dúvidas surgiram. A primeira delas era o porquê de várias editoras distintas estarem publicando os personagens da mesma editora.
Como já foi explicado em diversos outros artigos, uma agência negociava com as editoras americanas e distribuiam para as editoras brasileiras. A partir desse ponto, uma confusão nascia. Como consequência, praticamente todos os personagens não começaram do começo com as editoras no Brasil.
A partir daqui, você irá descobrir a confusão com as estreias de cada personagem e o porquê as editoras não começaram pelo começo com a primeira história de origem de cada um deles.
Namor, o Príncipe Submarino.
Edição de Estreia: Marvel Comics 1
No Brasil: Marvel Mystery 2, publicado em “Gibi 142” pelo O Globo em 1940.
A primeira revista publicada no Brasil, Gibi 142 com Namor, foi publicada em abril de 1940. Administrado pelo empresário Roberto Marinho, O Globo foi quem abriu a porteira no Brasil. A editora acabou invertendo a história da edição 1 com a edição 2 de Marvel Mystery Comics. A primeira história do personagem saiu cinco meses depois, em setembro, em Gibi 210. Nesse caso, os leitores não ficaram tão perdidos, pois logo a origem chegava para elucidar a turma.
Capitão América.
Edição de Estreia: Captain America Comics 1
No Brasil: Captain America Comics 16, publicado em “O Gury 73” pelo Diário da Noite em 1943.
A revista "O Guri" trouxe a primeira aventura do Capitão América no Brasil. A sua estreia foi na edição 73, em junho de 1943. História extraída do título original Captain America Comics 16. O jornal Diário da Noite não publicou a fase da dupla Simon/Kirby. Optou por começar pela fase posterior, com as histórias desenhadas por Al Avison, Syd Shores e Vince Alascia. Dois anos depois de sua estreia, muito provavelmente as histórias iniciais nem chegaram por aqui. Assim, o ponto de partida foi com o original 16. O mais engraçado é que a fase Kirby e Simon acabou sendo publicada “somente”, 50 anos depois pela Abril, no especial “Capitão América, as Primeiras Histórias” em 1992. Teve leitor que não viveu pra ler essa revista. Já na era Marvel pela Ebal, a editora não publicou as histórias dos Vingadores, apresentando o retorno triunfal de Steve Rogers. A história em que é encontrado congelado não foi publicada pela editora de Adolfo Aizen. Muitos leitores brasileiros, ou todos eles, não sabiam desse lapso temporal entre a Atlas e a Marvel. Então o Capitão América apenas seguia no Brasil como se nada tivesse acontecido.A Ebal não se atentou com essa história dos Vingadores. Ninguém na Marvel disse para a Ebal publicar a fatídica história. E como a editora não se interessou pela revista dos Vingadores, a história do retorno do Capitão América seria publicada somente na década seguinte pela Bloch.
Quarteto Fantástico.
Edição de Estreia: Fantastic Four 1
No Brasil: Fantastic Four 6, publicado em “Super-X 12” pela Ebal em 1968.
O Quarteto Fantástico, sem dúvida, foi o que mais sofreu no Brasil. A Ebal muito desatenta com o que acontecia, não entendia que as histórias tinham uma sequência, principalmente com a primeira família da Marvel. Por isso, as histórias foram publicadas fora de ordem e em várias revistas. Além de Super-X, as histórias do Quarteto Fantástico saíram na revista do Demolidor e também no Homem-Aranha. A desordem foi tanta que até hoje, a fase Stan Lee e Jack Kirby está incompleta por aqui. A primeira história de origem foi publicada em janeiro de 1969 em Super-X 17 e apenas a primeira parte. Que dureza.
O Incrível Hulk.
Edição de Estreia: The Incredible Hulk 1
No Brasil: Tales to Astonish 70, publicado em Super-X 0 pela Ebal em 1967.
Hulk cinza? Claro que não! No Brasil nem sombra das primeiras histórias. A Ebal pulou cerca de 17 edições com a estreia do Incrível Hulk. O problema foi o mesmo do Quarteto Fantástico: falta de foco de compreender os personagens e perceber que existia um ponto de partida. The Incredible Hulk 1, foi publicada pela primeira vez em Capitão América 100 da Abril em 1987.
Homem-Aranha.
Edição de Estreia: Amazing Fantasy 15
No Brasil: The Amazing Spider-Man 28, publicado em Álbum Gigante:O
A Ebal teve a façanha de começar com uma das últimas histórias desenhadas por Steve Ditko com a estreia do cabeça de teia. A primeira história de origem, por ter sido publicada em Amazing Fantasy e não em Amazing Spider-Man, acabou atrapalhando a logística da editora de Adolfo Aizen. Essa primeira história, da aranha radioativa picando o tímido Peter Parker só foi publicada em O Homem-Aranha 44 pela RGE em 1982, 14 anos depois de sua estreia. Pobre, Peter!
O Poderoso Thor.
Edição de Estreia: Journey Into Mystery 83
No Brasil: Journey Into Mystery 112, publicado em Álbum Gigante: O Poderoso Thor 0, pela Ebal em 1967.
Apesar da Ebal pular 29 histórias em relação a sua estreia com sua origem, a primeira aparição acabou saindo da edição seguinte, apresentando o médico Don Blake em plena Noruega onde encontra um estranho cajado. Se aqui a Ebal percebeu que havia um começo, por que faltou com os demais personagens?
Homem de Ferro.
Edição de Estreia: Tales of Suspense 39.
No Brasil:Tales of Suspense 67, publicado em Capitão Z 0, pela Ebal em 1967.
O Homem de Ferro também teve um começo confuso. A Ebal pulou cerca de 28 edições do personagem desde sua criação com sua história de origem. Nenhuma história da fase da armadura amarela, por exemplo, foi publicada. Tales of Suspense 39 com sua primeira aparição demorou 20 anos, sendo publicado pela Editora Abril em Heróis da TV 100 em 1987. Somente em 2021, que as demais histórias chegavam na íntegra dentro da Coleção Clássica Marvel pela Panini. Que confusão.
Os Vingadores.
Edição de Estreia: The Avengers 1
No Brasil: The Avengers 1, publicado em Os Vingadores 1 pela Bloch em 1975
Mesmo totalmente desconectada com a cronologia, a Bloch publicou as histórias dos Vingadores. E mais uma vez, o Capitão América seria a principal vítima. Enquanto suas histórias solos mostravam as aventuras nos anos 1970, essas histórias com seu retorno eram dos anos 1960. De qualquer forma, as primeiras histórias dos heróis mais poderosos do mundo chegavam ao Brasil. Antes tarde do que nunca.
X-Men
Edição de Estreia: X-Men 1
No Brasil: X-Men 7, publicado em Edições GEP X-Men 1 pela GEP em 1969.
Quando a Ebal começou a publicar o universo Marvel, nem todos os personagens do primeiro escalão foram aproveitados. Para a Ebal, naquele momento, só interessava trabalhar com os personagens que apareciam nos desenhos animados (Hulk, Namor, Capitão América, Homem de Ferro e Thor). Como a Ebal não tinha um acordo de exclusividade com as publicações Marvel, já que algumas das histórias eram compradas direto das agências que negociavam as publicações com as editoras brasileiras, alguns personagens foram oferecidos a outras editoras pela agência. É o caso dos X-Men,publicados pela Editora GEP, do experiente editor Miguel Penteado. Assim como a Ebal, a GEP, não começou do início com as histórias dos mutantes no Brasil. Será que ninguém percebia que existia uma edição 1? Pior que na capa da edição da GEP, está escrito “A Volta do Bolão!”, como ele voltou se não havia sido publicado?
Doutor Estranho
Edição de Estreia:Strange Tales 110.
No Brasil: Fantastic Four 27,publicado em Quarteto Fantástico 16 pela Ebal em 1971.
A primeira aparição do Doutor Estranho no Brasil foi na edição 16 do Quarteto Fantástico da Ebal em abril de 1971 como convidado. Da sua série própria, temos um dos equívocos de publicação: As primeiras histórias de Stan Lee e Steve Ditko não foram publicadas quando a Marvel chegou ao Brasil. Como a Ebal a princípio só queria os personagens dos desenhos animados, o nosso querido Doutor não foi publicado pela editora carioca, e sim por uma editora concorrente, a Minami & Cunha como “Doutor Mistério”, com histórias dos anos 1970. As primeiras histórias de Stan Lee e Steve Ditko saíram no Brasil apenas em 2013 pela Salvat na “Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel - Clássicos n° 3”, com um atraso (que se levarmos em conta o início da Ebal), com quase 50 anos!
Surfista Prateado
Edição de Estreia: Fantastic Four 48
No Brasil: Tales to Astonish 92, publicado em Super-X 16 pela Ebal em 1968.
Essa aqui é sentar pra não cair no chão: no Brasil, o Surfista Prateado apareceu pela primeira vez como convidado em uma história do Hulk, em que foi chamado de “O Homem de Prata”. A Ebal não quis todos os personagens. Os que não interessavam foram parar em outras editoras. O engraçado era que a Ebal acabou adquirindo as histórias do Quarteto Fantástico. E como o Surfista Prateado foi criado em uma história do Quarteto, seria mais natural que a Ebal tivesse adquirido também as aventuras solos do Surfista. Isso acabou não acontecendo. Assim, o Surfista Prateado foi parar na Editora GEP, que ganhou uma revista em 1969. Os editores, tanto Adolfo Aizen da Ebal quanto Miguel Penteado da GEP, não entendiam o porquê dos personagens estarem um nas histórias do outro. A edição da GEP marca a fase do personagem pelas mãos de Stan Lee e John Buscema. O leitor mais atento vai perceber a mudança na ordem de sua aparição no Brasil. Suas histórias solos, publicadas pela GEP (em 1969), correspondem exatamente aos eventos após a chegada de Galactus à Terra (publicadas em 1974). Ser leitor da Marvel no Brasil nessa época não era fácil.
Mas será que ninguém foi publicado no Brasil com sua primeira edição?
Sim, dos personagens principais o único com essa façanha foi o Demolidor com sua primeira história publicada em sua revista pela Ebal em Demolidor 1 de 1969. Porém, na capa, o personagem foi pintado inteiramente de vermelho. Seu primeiro uniforme amarelo e vermelho não teve a sorte de ser apresentado no começo.
Ser leitor no Brasil não era fácil. Hoje com os compilados, nossas vidas ficam mais fáceis de acompanhar desde o início a era Marvel como foi concebida de verdade.
Alexandre Morgado.
Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro Marvel Comics - A Trajetória da Casa das Ideias do Brasil, livro que narra a história da Marvel em nosso país, relançado em 2021. Em 2023, participou do livro “Olhares Sobre os X-Men”, ao lado de outros autores, sobre a mitologia dos mutantes. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics
*Algumas imagens foram pesquisadas e retiradas do site brasileiro Guia dos Quadrinhos!