segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Grandes Histórias Marvel do Brasil: Primórdios dos Encadernados


Hoje em dia, os encadernados publicados no Brasil e no mundo são uma tendência. Muitos colecionadores adoram exibir suas coleções com as revistas de lombadas ilustradas e capa dura. No Brasil, a onda das capas duras teve início no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, quando algumas editoras foram surgindo por aqui. Entre elas, a Opera Graphica, inaugurada como um selo pelo proprietário da loja Comix Book Shop, de São Paulo, Carlos Mann, em parceria com o grande editor Franco de Rosa.  A Opera Graphica investiria em diversos álbuns de luxo de vários licenciadores. Uma das coleções da Opera, foi com Sandman de Neil Gaiman, com uma qualidade de encher os olhos. De lá pra cá, o mercado cresceu, e com a Marvel no Brasil a Editora Salvat, em parceria com a Panini, encheu as bancas com diversas coleções agradando todos os tipos de leitores. 


Coleções mais luxuosas é um caminho de mão dupla. Não é só porque ela é luxuosa, significa que as histórias são boas. Algumas das histórias, principalmente da Marvel, mesmo nesse formato, se não são boas, continuam não sendo. Em alguns casos, se a qualidade da revista maquia a qualidade das histórias, por outro a qualidade gráfica se compacta com a qualidade das histórias. Um desses casos é com a nova série “Omnibus” que a Panini está trazendo; tijolaços com quase 400 páginas com grandes momentos da Marvel. A Panini já publicou as primeiras histórias do Conan de Roy Thomas e Barry Smith; o Quarteto Fantástico de John Byrne e em breve Os Eternos de Jack Kirby. Pelo jeito, a série Omnibus será uma nova tendência no Brasil entre os leitores. De qualquer forma, sendo boas ou não, edição de capa dura vende, e muito bem.

Se hoje a qualidade das publicações são um show, no passado, algumas edições ganharam suas compilações de forma mais modestas. Claro, sem os glamoures e os cuidados de hoje em uma época muito, muito distante. Quando a Marvel chegou pelas mãos da Ebal, algumas outras e pequenas editoras tiraram uma lasquinha. 

Algumas compilações foram publicadas por aqui, mas diferentemente do que é feito hoje, as edições encadernadas dos anos 1970, eram publicadas por outro motivo: para aproveitar o encalhe. Editoras como Gorrion, Roval e Triste tiveram seus momentos no Brasil.

A Ebal já estava perdendo gás com os heróis Marvel. A expressão "Continua no próximo número" começava a incomodar os leitores. A APLA ofereceu outras revistas Marvel para a Ebal, que não se interessou. Quem se interessou foi a Editora Trieste, que já publicava Lili, a Garota Modelo e Kid Colt, ambas da Marvel. Após o final das atividades da Editora La Selva, Estevão La Selva, um dos filhos do fundador da Editora, Vito Antônio La Selva, fundou a editora Trieste em 1968, localizada na Rua Dr. João Alves de Lima, n° 72, bairro do Brás, em São Paulo. Em 1969, a Trieste começou a lançar outro personagem Marvel: Nick Fury, Agente da S.H.I.E.L.D. Criação de Stan Lee e Jack Kirby em 1963, Nick Fury foi um dos heróis americanos a combater os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Anos depois, se tornaria o superespião e agente de elite da S.H.I.E.L.D. 

A Editora Trieste publicou a fase magistral do grande desenhista Jim Steranko. Editada em 1969, Nick Fury, Agente da S.H.I.E.L.D. teve somente oito edições. Depois dessas edições, a Trieste compilou essas histórias em três almanaques de encalhes: Almanaque Nick Fury, Almanaque de Aventuras e Super Edição. Por serem editoras menores, muitas das revistas que voltavam para as editoras eram compiladas em edições com mais páginas. Tudo para reaproveitar o encalhe. Essas edições compiladas são uns dos itens mais raros já publicados no Brasil - é quase impossível encontrar esse material.

     


Um dos primeiros compilados no Brasil foi com Nick Fury pela Trieste.


As compilações da Trieste até eram de certa forma compilações oficiais, assim como os da editora GEP de São Paulo que trouxe os X-Men pela primeira vez ao Brasil. Os encalhes das edições mensais se transformaram em duas revistas com a mesma capa. Uma curiosidade que acredito que era para reduzir os custos. A Minami & Cunha, antiga editora de São Paulo, entre seu catálogo publicou duas edições compiladas: Almanaque Aventura, com histórias da fase Atlas e Modesty Blaze, com Conan de Roy Thomas.

Diferentemente da Trieste, Minami & Cunha e da GEP, o material editado pela Roval e Gorrion, editoras pequenas que atuaram no início dos anos 1970 eram feitas por outros motivos. Essas duas editoras são mais conhecidas pelas tramoias do que pelo material publicado.

Em relação às editoras, não era só nas publicações que todas tinham algo em comum.              Alguns pontos importantes, por trás de algumas dessas editoras são bem interessantes. Naquela época os trâmites corporativos eram com a Fernando Chinaglia Distribuidora, a maior empresa de distribuição de publicações do Brasil (anos mais tarde seria comprada pelo grupo Abril). Com uma prova da capa de uma revista, os editores iam até a Fernando Chinaglia e voltavam de lá com um cheque referente a 30% do valor total da tiragem. Isso SEM TER A REVISTA IMPRESSA. As revistas tinham seu borderô calculado para um Break-Even a partir da venda de 30% da tiragem, ou seja, praticamente ganhava-se a revista do distribuidor. Algumas editoras, ou os representantes delas, faziam acordos por debaixo dos panos com os funcionários da Chinaglia, entregando apenas metade do combinado. Era um esquema mafioso e lucrativo. Havia editores honestos, mas muitos desonestos. Os casos da Gorrion e da editora GEA do Rio de Janeiro ficaram famosos, mais pelas fraudes do que pelos gibis. Essas editoras, em específico, deram um golpe na Chinaglia e foram responsáveis pelo fim do esquema que rolava. O jornaleiro comprava as revistas, revendia com lucro e, claro, tinha o direito de devolver o que sobrava. O famoso encalhe. Esse valor era descontado no próximo reparte. Toda vez que lançavam uma nova revista, esse novo título ia para uma lista de prioridades. Por ser novidade, eles sacaram isso, e trataram de lançar o máximo de revistas possíveis. A Chinaglia acabou descobrindo todo o esquema, e então, do nada, de um dia para o outro, essas editoras fecharam as portas, os editores sumiram e levaram toda a grana. 


 


As capas são iguais, porém os conteúdos são diferentes. E acreditem, tem histórias do Conan aí. 


Os Almanaques de Encalhe Roval e Gorrion com capas totalmente adversas do conteúdo tem um lado curioso. Como essas editoras sumiram do mapa, e as bancas com os encalhes nas mãos fizeram com que os jornaleiros criassem um plano ousado: Como teriam que devolver os encalhes e receber o dinheiro que pagou adiantado e com os donos ausentes, forçaram os jornaleiros a pegarem os encalhes, retirando as capas originais das revistas e fazendo os almanaques por conta própria. Ou seja, alguns destes almanaques nem foram impressos pelas editoras propriamente. Eles faziam isto e enviavam para suas redes de bancas para compensar os prejuízos. Tanto o Almanaque de Aventuras da Roval, quanto o Almanaque Monumental da Gorrion (ambas em duas edições e com capas repetidas) apresentavam histórias já publicadas de Conan e Shanna. Shanna, a Rainha da Selva, também teve uma edição compilada com encalhes. Essas edições são raras, quem tem não vende e quem quer, tem de ter muita sorte para encontrá-las. De qualquer forma, mesmo com toda essa polêmica, essas edições citadas foram as primeiras compilações Marvel publicadas no Brasil. Em um tempo em que o profissionalismo passava longe!

 


Edição da Roval com histórias de Conan.

 

Almanaque de Aventuras da Roval. Edição 100 % picareta. 


Alexandre Morgado


Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro "Marvel Comics - A Trajetória da casa das ideias no Brasil", livro que narra a história da Marvel em nosso país, publicado em 2017 pela Editora Laços. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.


Obs: Algumas imagens foram adquiridas através do site Guia dos Quadrinhos!


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