domingo, 29 de maio de 2022

Grandes Histórias Marvel no Brasil: Os 70 anos da RGE.

Quando Adolfo Aizen deu início com as publicações de quadrinhos no Brasil, com a criação do “Grande Consórcio de Suplementos Nacionais” na década de 1930, o empresário Roberto Marinho percebendo que o projeto de Aizen era rentável, começaria a investir em quadrinhos no Brasil. E logo mandaria para as bancas o seu primeiro jornal em Histórias em Quadrinhos, chamado "O Globo Juvenil", lançado em junho de 1937. Inspirado no Suplemento Juvenil editado pelo Consórcio, Roberto Marinho iniciaria suas publicações, mesmo a contragosto de Aizen.  o Jornal carioca O Globo foi fundado em 1925 por Irineu Marinho, pai de Roberto. Com o falecimento de seu pai, alguns dias depois do lançamento do jornal, Euclydes de Matos, amigo de Irineu, assumiria o comando da empresa. Somente seis anos depois, em 1931, Roberto Marinho viria a herdar o jornal, após a morte de Euclydes. Dava-se início, assim, ao seu poderoso império.

Em 1952, Roberto Marinho resolveu criar uma empresa específica para editar os seus quadrinhos. O nome Editora Globo foi pensado, porém não poderia ser usado. Tudo porque já existia uma livraria e editora no Rio Grande do Sul, que possuía o registro com esse nome. Por isso, Marinho criaria em 1952 a RGE (Rio Gráfica e Editora). A nova editora retomaria o título"Gibi Mensal" a partir da edição n°154. Assim como "O Globo Juvenil Mensal", a partir do n°219. Um dos carros-chefes da RGE seria o gibi do personagem Fantasma, da King Features.Pela primeira vez com sua própria revista, o Fantasma seria uma das publicações mais vendidas da nova editora de Marinho.

Namor, um dos principais personagens da era O Globo retornaria pela RGE em algumas edições de "O Globo Juvenil Mensal", antes do término da revista, em março de 1959, com a edição nº 218. O jornal ainda publicaria mais dois títulos com histórias da Timely/Marvel. Eram as revistas Biriba (com 79 edições lançadas) e "Biriba Mensal", entre 1948 e 1952, com histórias do Namor, Tocha Humana, Centelha e Capitão América. "Biriba Mensal" foi iniciada pelo O Globo, publicada até a edição n° 33. A partir da edição n° 34, seria editada pela RGE,estendendo-se até a edição final de nº 61, em dezembro de 1954. Outra revista lançada por Marinho foi Shazam, do Capitão Marvel da Fawcett. Essa publicação contou com algumas histórias de Namora, outra atlante, prima de Namor, em sua revista própria, chamada Namora Comics. 

A turma da 2ª Guerra também apareceria novamente: Namor, Tocha Humana e Capitão América, em 39 alguns números. Ainda na revista Shazam, O Globo publicaria o Defensor Mascarado (Bill Dinamite), originalmente publicado na revista Two-Gun Kid. Criado por Stan Lee e Jack Kirby em 1948, Bill Dinamite tinha como principal característica carregar consigo um par de revólveres, focado nas histórias de faroeste do período Timely. No Brasil, o personagem seria publicado esporadicamente pela RGE nas revistas "Don Chicote", "Almanaque de Rocky Lane" e "Gibi Mensal". Sua estreia no Brasil foi na revista Shazam n° 10, de 1949. Após chegar à edição n°72, em dezembro de 1955, as revistas Shazam e Biriba se fundiram, tornando-se "Biriba-Shazam", continuando do número 73 e terminando na edição n°100. "Biriba-Shazam" contaria com mais algumas histórias do Namor no período pós-guerra.

Na edição n°167 de "O Globo Juvenil Mensal", a editora publicaria a última história do Capitão América feita nos Estados Unidos (com a fase pré-Marvel). A edição original Captain America n° 78 seria a última publicada pela editora americana, em setembro de 1954. Essa última edição da revista do Capitão América foi produzida por Stan Lee e John Romita.



A Timely havia colhido ótimos frutos, explorando ao máximo os seus personagens com as histórias da 2ª Guerra. Mas a guerra tinha acabado e a febre dos heróis também. Ao contrário dos personagens da DC, que faziam muito sucesso - principalmente por causa da série televisiva do Superman, estrelada por George Reeves em 1953. Com o declínio dos personagens da Timely, Martin Goodman tentou reviver a “trindade” Capitão América, Namor e Tocha Humana. Após algumas edições, as publicações seriam canceladas novamente. Goodman, então, redirecionou as publicações para outros gêneros, como Terror, Ficção Científica e Western. Dessa vez mudaria a alcunha da editora - o nome Timely ficaria para trás. As novas publicações vinham, então, com o selo Atlas. Muitas das histórias publicadas nas revistas Biriba e Biriba Shazam, do Capitão América, Tocha Humana e Namor, já correspondiam ao período Atlas.

O gênero western foi um dos tipos de quadrinhos com mais sucesso no Brasil. A RGE publicou um dos primeiros personagens da Atlas, chamado Black Rider. Batizado no Brasil como Cavaleiro Negro, o personagem foi criado pelo artista Syd Shores, em 1948, com história publicada do título original “The Legend of The Black Rider” na revista All Western Winners nº 2. Cavaleiro Negro era Mathew Masters, mais um fora da lei daquele período pós-guerra que usava de dupla identidade para intimidar seus inimigos. Cavaleiro Negro Já tinha feito a sua estreia no Brasil na revista Gibi Mensal. Depois, migraria para as revistas Biriba Mensal e Shazam. Somente em 1954 ganhou revista própria, pela RGE.

Além das histórias do Cavaleiro Negro, foram publicadas as aventuras de Tex Dawson, da revista original The Western Kid, com desenhos de John Romita, outro personagem de destaque do gênero. A publicação teve 245 edições, entre 1952 e 1973. Com o cancelamento da revista nos Estados Unidos, a RGE publicou algumas histórias de um personagem espanhol chamado Gringo, e adaptou como se fossem do Cavaleiro Negro, onde boas partes dos desenhos foram refeitos. Como a revista vendia bem, a editora deu um jeito de continuar com as suas histórias. Outro personagem da Atlas, chamado Texas Kid (Daring Mystery Comics), também foi publicado no Brasil pelo O Globo, no suplemento O Globo Juvenil n° 21.


Kid Colt é um dos personagens do gênero mais famosos desse período de bang-bang, foi criado por Stan Lee, com desenhos de Pete Tumlison. O personagem já tinha feito a sua estreia noBrasil pela RGE, na revista "Novo Gibi". A RGE ainda publicaria em 1968 o "Almanaque do Far West" em três edições com histórias de Kid Colt e em 1975 com outro "Almanaque do Far West" - 2° série, em apenas uma edição, com histórias de Kid Colt, Ringo Kid, Wyatt Earp, todos com argumentos de Stan Lee.

Com o fim das histórias dos super-heróis nos Estado Unidos, a RGE acabaria mirando para outros personagens. Entre o final dos anos 1950 e meados dos 1960, as histórias de mistérios e suspenses da Marvel/Atlas foram editadas pelas editoras como, La Selva e Novo Mundo. A RGE retomaria o Universo Marvel em 1979, aí com a era Marvel. Após a Ebal, por intermédio de Adolfo Aizen ter trazido a era em 1967, os personagens de Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko, passariam por muitas editoras no Brasil: Ebal, GEP, GEA, Paladino e mais algumas entre 1967 e 1975. Antes da RGE, a Bloch assumiria a Marvel em um contrato de exclusividade, depois de quatros anos em publicações que dividem opiniões, a RGE seria a nova casa da Marvel no Brasil, ou melhor, parte dele.

Das muitas editoras que foram surgindo entre os anos 1950, 1960 e 1970, poucas duraram com as suas publicações como a RGE. Com a chegada do Universo Marvel em 1967 pela Ebal, faria com que a RGE ficasse ligada nas novidades. O Universo Marvel chamaria a atenção da editora. Com o fim da fase Marvel pela Editora Bloch, a RGE traçou uma estratégia para ampliar sua participação no mercado. Antes das revistas Marvel, a RGE adquire toda a linha de personagens da Hanna-Barbera, fazendo da RGE uma das maiores editoras do Brasil. Quem daria início às publicações Marvel pela RGE seria o editor Mário Amiden, que já estava trabalhando na função desde 1973 na editora. Mario Amiden conta abaixo um pouco de como começou a sua carreira de editor e do seu período com as publicações Marvel:

 “Eu trabalhava em um jornal no Rio de Janeiro, chamado O Jornal e também tinha feito curso de cinema e roteiro no MAM (Museu de Arte Moderna). Cheguei à RGE através de um professor da PUC, que conhecia o então editor da época. Rapidamente, fui contratado como assistente, depois subeditor, editor e diretor. Eu editei por volta de 70 títulos, incluindo os da Marvel. Mas seis meses depois, saí e fui trabalhar em rádio. Com o fim da fase Bloch, a RGE assumiu parte dos personagens. ”

Com relação à dúvida sobre se havia sido a Editora Bloch que abriu mão dos personagens ou a própria Marvel que cancelou o contrato, o editor Mário Amiden afirma: “Foram as duas coisas, mas houve pressão nossa também. Na época, o editor da Bloch era o Artur Távola, que era amigo do meu pai. Fui pessoalmente até a Bloch pegar todo o material da Marvel. O material estava todo estocado no 4º andar do prédio da Bloch. Os materiais novos vieram primeiro pela APLA. E, finalmente, direto da Marvel em Nova York. A Bloch não tinha interesse e nem tradição em editar quadrinhos”, completa Mário. A primeira revista Marvel publicada pela RGE foi a adaptação de O Homem do Fundo do Mar, em duas edições. História baseada na série de TV com o título original Man From Atlantis. A revista contou com roteiros de Bill Mantlo e desenhos de Tom Sutton e Frank Robbins. Com o fim da Bloch, a RGE não perderia tempo. 



Aproveitando a onda das séries televisivas estreladas pelo Homem Aranha e pelo Incrível Hulk, exibidas pela TV Globo, a RGE lançou, em fevereiro de 1979, novas revistas para cada um dos personagens. O novo gibi do Homem Aranha, com o mesmo formato implantado pela Bloch (13,5 X 20,5), vinha com algumas histórias já publicadas pela Ebal e pela Bloch. Porém, com uma diferença: as cores não eram exageras. A nítida diferença entre a RGE e a Editora Bloch logo seria percebida pelos leitores. “No primeiro ano de publicação, a média de vendas das revistas era de 80.000, especialmente a revista do Homem Aranha”, afirma Mário Amiden. A partir da edição nº 26 do Homem-Aranha, enfim começavam a ser publicadas as primeiras histórias inéditas desde a era Ebal. As histórias do Homem-Aranha dessa fase eram escritas por Gerry Conway, roteirista que tinha matado Gwen Stacy. As sequências de suas histórias tiveram uma fase memorável com o personagem com os desenhos de Ross Andru com a saga batizada pela RGE de "A Gênese do Clone". A explicação para esse mistério foi dada na edição nº 32. A partir da edição nº 33, Gerry Conway dá lugar para Len Wein nos roteiros. Na edição nº 46 é apresentado um novo Duende Verde. 




Na edição nº 49, é mostrada uma história dando uma recapitulada da vida do Homem-Aranha, contando os principais fatos do personagem, desde o começo até aquele momento. A aventura é narrada pelo próprio Homem-Aranha, após visitar o túmulo de seu Tio Ben, e é uma das mais singelas do personagem. No final, Peter deixa, no túmulo, o seu primeiro microscópio, que tinha ganhado de seu tio. Junto com o Homem Aranha, chegava às bancas a revista do Incrível Hulk, também em fevereiro de 1979. A RGE publicou as histórias do personagem praticamente de onde a Bloch tinha parado. Foram publicadas as últimas aventuras da fase do desenhista Herb Trimpe. Uma dessas histórias, em especial, foi publicada na edição nº 22, quando foi mostrada a primeira aparição nos quadrinhos do mutante canadense Wolverine. Um personagem que logo faria parte da nova equipe dos X-Men. Quem assumiria os desenhos, a partir da edição nº 29, seria Sal Buscema, o irmão mais novo de John Buscema. Sal permaneceria pelos próximos anos à frente dos desenhos nas histórias do gigante esmeralda, tendo feito umas das melhores fases do personagem. A partir da edição n° 40, começavam as histórias da Mulher Hulk, uma personagem que já tinha estreado no Almanaque Premiere.


Outro que ganharia algumas edições pela RGE seria Kid Colt, o personagem fora da lei do período Atlas, com três edições, e mais dois almanaques publicados. Quem também ganharia uma nova revista, em abril de 1979, era o Quarteto Fantástico, dessa vez batizado de Os Quatro Fantásticos. Para aproveitar a onda dos novos desenhos animados criados pelos estúdios de Hanna-Barbera, que estavam sendo exibidos na TV com o nome de Os Quatro Fantásticos, a editora optou por deixar o Quatro em vez de Quarteto. A RGE publicou somente histórias inéditas, com as últimas aventuras desenhadas por Jack Kirby. Desde O Homem-Aranha n° 69 da Ebal, de dezembro de 1974, que não era publicada uma história inédita da primeira família Marvel. A revista teve apenas 14 edições, publicadas entre abril de 1979 e outubro de 1980. A RGE escolheu, não por acaso, as revistas Homem-Aranha, Incrível Hulk e a dos Quatro Fantásticos para iniciar as novas publicações Marvel. As revistas eram impulsionadas, mais uma vez, pela televisão. Dessa vez, pelas séries de TV do Homem-Aranha, estrelado por Nicholas Hammond, e do Hulk, estrelado por Bill Bixby e Lou Ferrigno. E também pelos novos desenhos do Homem-Aranha, produzidos pelo mesmo estúdio que fez os primeiros desenhos Marvel, a Grantray-Lawrence. 

A cronologia criada pela Marvel não foi executada da mesma forma no Brasil. E a bagunça criada pela Bloch respingou na RGE, que seguiu mais ou menos o mesmo caminho da sua antecessora. A RGE também teve dificuldades em estabelecer o sincronismo com as histórias, impossibilitando as publicações de encontros entre alguns personagens. Mário Amiden deixaria a editora após seis meses dos lançamentos das revistas Marvel. Quem assumiria as publicações, em seu lugar, seria o editor Felipe Ferreira, que já estava na RGE há alguns anos.

“Naquela época, as revistas eram tratadas isoladamente, cada uma em sua sequência. Não havia preocupação de ajustar as cronologias dos personagens entre si. A ideia do ‘Universo Marvel’ ainda era incipiente”, comenta o editor Felipe Ferreira, que já prestava os seus serviços como arte-finalista para a RGE desde o início da década de 1970. “Eu ainda estava cursando a Faculdade de Belas Artes (EBA-UFRJ). Fui galgando aos poucos a carreira. Tornei-me subeditor. Depois, editor de quadrinhos e, mais tarde, diretor da divisão Infantojuvenil da Editora Globo”.

Mesmo com toda a experiência dentro da editora, Felipe não conhecia os personagens que viria a editar. “Quando subeditor, a RGE negociou a publicação dos personagens Marvel. Publicamos o que havia sido decidido na negociação. Eu não tinha nenhum conhecimento prévio dos personagens Marvel, a não ser pelas animações da televisão. Eu não lia as edições da Ebal e da Bloch”, revela. A próxima revista lançada pela RGE foi Super Heróis Marvel, com as histórias solo do personagem Coisa, membro do Quarteto Fantástico. Aventuras publicadas em Marvel Two-inOne, onde o personagem se encontra com outros heróis. Foram publicadas também na revista as histórias de Marvel Team-Up, igualmente com vários personagens Marvel. Não por acaso a revista contava com os personagens que estavam na TV: Homem Aranha, Hulk e O Coisa. O gibi teve 30 edições, publicadas entre 1979 e 1981. 

Outra publicação que teria muito destaque entre os fãs seria o Almanaque Marvel, com as suas 100 páginas. Lançada em abril de 1979, o Almanaque apresentou vários personagens, dentre eles o Demolidor, que estava de volta. Mas a RGE decidiu republicar (mais uma vez) as histórias do personagem desde o começo, e pela primeira vez com a sua cor amarela original. Nova, o personagem espacial que já tinha feito a sua estreia em Super Heróis Marvel nº 01, teria a sequência de suas histórias no Almanaque Marvel. O personagem Nova é Richard Rider, que após ser atingido por um raio vindo de um alienígena que pertencia à corporação Nova, adquire superpoderes. A Corporação é formada pelo exército espacial Nova, protetor do planeta Xandar. Nova foi o personagem que representou a Marvel na RGE. Por ter uma certa linha baseada no cotidiano de Peter Parker nas histórias do Homem-Aranha, Nova passaria a fazer sucesso com os leitores brasileiros.


Outra estreia na revista foi com a personagem Mulher-Aranha, que não tem nada a ver com o Homem-Aranha. Ela é Jessica Drew, que participou de uma experiência com o cientista Alto Evolucionário e adquiriu poderes especiais. No começo, a Mulher-Aranha é recrutada pela organização Hidra e após se libertar da organização, passa a combater o crime. Suas primeiras histórias foram escritas por Marv Wolfman e desenhadas por Carmine Infantino. No Almanaque Marvel nº 06, uma curiosidade interessante: foi publicada uma história do Dr. Estranho e do Homem-Aranha juntos. Editada originalmente em Dr. Strange n° 179, com desenhos de Steve Ditko, essa história foi a única vez que os dois personagens foram desenhados na mesma ocasião pelo seu criador. 

Mas quem retornaria às publicações para se consolidar de vez no Brasil eram os X-Men. Desde o fim da Editora GEP, no começo dos anos 1970, que a equipe não aparecia nas publicações Marvel. As primeiras histórias que foram publicadas pela RGE eram das últimas da primeira fase da equipe formada por Ciclope, Anjo, Homem de Gelo, Fera, Garota Marvel, Destrutor e Polaris. Nos Estados Unidos, a equipe mutante não era uma das mais queridas entre os leitores americanos. Neal Adams, quando chegou à Marvel, após indicação de Jim Steranko, conseguiu uma reunião com Stan Lee. Nessa reunião, Stan pediu para Adams escolher o título que quisesse. O escolhido foi o dos X-Men, que ainda estavam buscando seu espaço na editora. Com Roy Thomas nos roteiros, as novas histórias dos X-Men trouxeram uma nova identidade para os mutantes. Mesmo ficando apenas um ano à frente da revista, a fase desenhada por Neal Adams foi o começo da revitalização das histórias dos mutantes na Marvel. Essa fase dos X-Men, infelizmente até aquele momento, não seria publicada pela RGE (somente uma história, na edição nº 02). As histórias desenhadas por Neal Adams só viriam a ser publicadas na íntegra no Brasil pela Panini, em 2008. A RGE começaria a publicar a fase seguinte com a reformulação da equipe. A partir da edição nº 67 americana, a revista se tornaria bimestral, com a Marvel republicando as primeiras histórias da fase de Jack Kirby. Somente alguns meses depois a revista seria reformulada, com novos personagens. E foi a partir da edição n° 04 do Almanaque Marvel de setembro de 1979, que essas novas histórias seriam publicadas. 

Para conquistar o mercado internacional com novas publicações no mercado estrangeiro, a Marvel decidiu reformular a revista dos X-Men, com novos personagens de várias nacionalidades diferentes. Roy Thomas, com a ajuda do desenhista Dave Cockrum, começou a criar novos personagens para a nova revista. Cockrum, que havia trabalhado na DC Comics na revista da Legião dos Super-Heróis, reaproveitou o design de alguns personagens que havia desenvolvido nesse período, e que estavam em seu arquivo particular, para estrelar na nova publicação. Os personagens criados foram: Tempestade (chamada Centelha, pela RGE), a deusa dos ventos e chuvas, que vinha do continente africano; Noturno, o mutante teletransportador, nascido na Alemanha; Colossus, o homem de aço vindo da antiga União Soviética; e o apache americano Pássaro Trovejante. Junto com os novos personagens, foi introduzido o mutante canadense Wolverine, que já tinha feito a sua estreia na revista americana do Hulk (o personagem foi criado por Herb Trimpe, Len Wein e esboçado por John Romita. No Brasil, a história foi publicada no ano seguinte, em 1980 na edição nº 22 do O Incrível Hulk). Além de Solaris, o mutante japonês, e o irlandês Banshee, que já tinham vivido algumas histórias ao lado dos X-Men. As novas aventuras foram produzidas por Len Wein e Chris Claremont, nos roteiros, e com Dave Cockrum, nos desenhos.

Um dos pontos positivos da RGE foi relativo à seção de cartas, que foram publicadas nas revistas do Homem-Aranha e do Hulk, e eram respondidas pelos próprios personagens. Homem-Aranha, Hulk, Demolidor e até vilões como Morbius e o Rei do Crime (chamado pela RGE de o Careca) eram alguns dos que respondiam às perguntas dos leitores. Tinha também a resposta do “Editor Misterioso”. Tudo isso para criar um clima de mistério e também para atiçar a imaginação dos leitores sobre a sua identidade.

ABRINDO ESPAÇO PARA A CONCORRÊNCIA.

Por um erro estratégico, a RGE abriria espaço para a concorrente, a editora Abril. A partir de junho de 1979, a empresa da família Civita inaugurou sua trajetória com a Marvel, publicando, naquele mês, a primeira edição da revista Capitão América. Na sequência, vieram Heróis da TV e a revista Terror de Drácula, com as histórias de The Tomb of Dracula, da dupla Marv Wolfman e Gene Colan. O formatinho, como foi chamado no Brasil, já era realidade no mercado nacional. A Editora Abril foi a responsável por criar essa opção em 1950, com a linha Disney e adotado posteriormente por diversas editoras. A Bloch manteria o formato com os personagens Marvel – seguida pela RGE. A Abril não iria inventar um novo formato, ou voltar para o formato americano que foi publicado pela Ebal, pois o mesmo já tinha se estabelecido no mercado nacional e era mais viável economicamente para as editoras. O formatinho seria o formato publicado no Brasil nos próximos anos pela Abril com a Marvel (e também a DC Comics e outros materiais da sua linha para jovens leitores).

Na RGE, a editora ainda detinha os direitos do Incrível Hulk e do Homem Aranha - e para aproveitar ao máximo esses personagens, a RGE lançaria os almanaques para cada um deles. Almanaque do Hulk e Almanaque do Homem Aranha foram gibis bem robustos, com 100 páginas cada um. No Almanaque do Hulk, foram publicadas as histórias da sua revista Incredible Hulk Annual, além de algumas histórias de Marvel Two-in-One e Marvel Team-Up. Um fato curioso é que a RGE também publicou algumas das suas histórias que foram editadas nas tiras dos jornais americanos. Com o fim do Almanaque Marvel, e aproveitando o sucesso das novas histórias dos X-Men, desenhadas por John Byrne, as novas histórias dos mutantes foram publicadas no Almanaque do Hulk, nas edições 07, 08 e 09. Na edição n°09, foi apresentado, pela primeira vez, o grupo canadense Tropa Alfa. Um novo grupo que, em breve, seria mais marcante nas histórias dos X-Men. No Almanaque do Homem Aranha, além das histórias publicadas em Marvel Team-Up, a RGE também editou algumas das famosas tiras de jornais escritas por Stan Lee e desenhadas por John Romita. Essas tiras foram criadas em 1977 e publicadas nos jornais norte-americanos. Almanaque do Hulk teve 09 edições publicadas e o gibi do Homem Aranha teve 12 edições, entre 1980 e 1982. O Homem Aranha ainda ganharia mais um almanaque. Dessa vez, com o nome de Superalmanaque do Homem Aranha, com 132 páginas que mostravam as histórias entre o Aranha e diversos personagens da Marvel. Passaram pelas revistas artistas como Gerry Conway, Ross Andru, Jim Mooney, Gil Kane, Sal Buscema e John Byrne.


Outro almanaque publicado pela RGE em 1982 seria o Premiere Marvel, o almanaque mais "cult" publicado pela editora. Almanaque Premiere Marvel apresentava, até então, somente personagens inéditos. A primeira edição vinha com as primeiras histórias da Mulher Hulk. Na edição nº 01 do Almanaque Marvel, além da estreia da Mulher Hulk, foi apresentado um dos personagens mais obscuros da editora. Tratava-se da história do Deus da Mata (Woodgod), uma criação do roteirista Bill Mantlo, apresentando histórias científicas, envolvendo clonagem humana com animais, sendo criada uma nova linha de seres. Além dos novos personagens, foram publicadas, pela primeira vez na RGE, as histórias da série "O que aconteceria se...?", (“What If” no original) pela RGE chamada de “E se...?”, onde algumas histórias são apresentadas de uma forma diferente do original, com outras possibilidades de aventuras já contadas. Na primeira edição, a história publicada foi: “E se o Homem Aranha se juntasse aos Quatro Fantásticos? ” Dos novos personagens, Rom, o Cavaleiro do Espaço, foi o que mais apelo teve entre os leitores. A edição nº 02 do Almanaque Premiere apresentava a sua primeira aparição no Brasil.

Na edição nº03, temos a estreia de Moon Knight, batizado pela RGE de Lunar, o Cavaleiro de Prata. Anos depois, pela Editora Abril, o personagem viria a ser chamado corretamente de O Cavaleiro da Lua. Quem também faria a sua estreia no Brasil, desenhando as histórias do Cavaleiro, seria o desenhista Bill Sienkiewicz - que logo ganharia fama entre os leitores brasileiros. Além disso, teve a estreia da personagem Tigresa, que em breve seria membro efetivo dos Vingadores. Completa a edição mais uma história da linha "E Se...?", coma aventura “E se Rick Jones tivesse se transformado no Hulk?” Na edição nº 04, é apresentada uma história de terror da Marvel, com a personagem Satanna, a filha do demônio. A edição nº 05 vem com a história do Deus do Olimpo Hércules, em sua primeira história solo - personagem que já tinha sido apresentado nas histórias do Poderoso Thor, de Jack Kirby. Na edição nº 06, além de Rom e do Cavaleiro da Lua, foi publicada mais uma história de ficção-científica, chamada de “Caçador 3000”. Completa a edição “E se o clone do Homem Aranha tivesse sobrevivido? ” As últimas páginas da edição nº 06 vinham com o anúncio para a próxima edição, onde seria apresentada a história de "O Estranho Mundo" (“Weirdworld” de Doug Moench e Mike Ploog, no estilo espada e feitiçaria que acabaria sendo publicado somente pela Abril em o Incrível Hulk nº 11) Falcão e até Paladino! Mas infelizmente, essa edição nunca chegou às bancas. Almanaque Marvel Premiere teve apenas seis edições publicadas. Mesmo tendo poucas edições, Almanaque Marvel Premiere se destaca pela ousadia positiva que a RGE teve, em apresentar novos personagens.

Com o Universo Marvel dividido entre a RGE e a Abril, começava ali uma verdadeira queda de braço entre as editoras. A Abril estava destinada a colocar os personagens em sincronia, e por isso investiria na cronologia Marvel. Essa necessidade de arrumar o Universo Marvel ficou em segundo plano na RGE, fato esse que ajudou, e muito, no sucesso da Abril. Após a Abril descobrir que alguns personagens, como Demolidor, Conan, Luke Cage, Dr. Estranho e Vingadores não seriam usados pela RGE, a editora dos Civita consultou a APLA para adquirir os personagens que não estavam sendo publicados naquele momento. Depois de algumas negociações, enfim a Abril já preparava um plano para aumentar a sua linha de publicações. 

Em junho de 1981, a RGE cancelaria a revista Kripta, que chegaria ao fim depois de 60 edições publicando o que tinha de melhor da editora Warren Publishing. A editora chamou o cancelamento de “transformação”, mas a essência do que foi a revista Kripta tinha ficado para trás. A última edição de Kripta vinha acompanhada com uma prévia do próximo lançamento. Com apenas 20 páginas, e em um formato de 20,5 x 27 cm, surgia a revista 3ª Geração n° zero. “O que nos foi informado, na época, era que o material original da Kripta (Creepy e Eerie) não seria mais publicado. Continuamos a publicar a Kripta até o esgotamento do material. Por razões econômicas, a revista diminuiu de tamanho, e não houve argumento editorial que convencesse o diretor de Produto de que essa era uma péssima solução. Decidimos buscar outros materiais, em outras publicações estrangeiras, mas o que encontramos era muito diferente do espírito da Kripta. Decidimos, então, publicar a 3ª Geração, uma espécie de evolução da Kripta”, comenta Felipe Ferreira, que também foi editor desta revista.


Na Abril as coisa estavam a todo vapor, depois de Capitão América e Heróis da TV, Hélcio e Jotapê planejavam outros personagens. Porém, um problema surgiria: como a RGE publicava a outra parte do Universo Marvel, a dupla da Abril acreditava que a editora de Roberto Marinho possuía os direitos dos demais personagens. Principalmente daqueles que não estavam sendo publicados no momento, como Warlock, Vingadores, Demolidor, Pantera Negra e Luke Cage. Para descobrir se a RGE possuía os direitos, a redação da Editora Abril, mais precisamente Jotapê, teve uma ideia inusitada: “Nós achávamos que esses personagens estavam no contrato da RGE e usamos uma artimanha para descobrir se isso era fato: escrevemos uma carta para a redação deles, fingindo sermos um leitor que perguntava se aquela leva de heróis seria publicada por eles.

 A resposta entregou o ouro: ‘Esses personagens não fazem parte do nosso contrato’. No dia seguinte, escrevemos para a Marvel, pedindo a inclusão de todos eles em nosso contrato, e assim foi. Imagine que era justamente a fase do Demolidor desenhada pelo Frank Miller! ”, relembra Hélcio, sobre a sua artimanha. A carta foi escrita e enviada pelo próprio Jotapê, em nome de seu irmão, Gustavo Lian Branco Martins. O texto da carta, totalmente arquitetado pelo Jotapê, questionava sobre os direitos do personagem Warlock e dos Vingadores. A resposta foi respondida pelo próprio “personagem”, dizendo que os direitos não pertenciam a nenhuma editora brasileira, e que teria que esperar para que fosse publicada. A carta foi publicada na revista Super-Heróis Marvel nº26. Após esse fato, a Abril começaria a publicar novos personagens e planejava mais uma nova revista mensal.



Se o ano de 1982 estava sendo ótimo para a Editora Abril, para a RGE nem tanto. A editora entraria em declínio nas vendas com os gibis do Hulk e do Homem-Aranha. No começo de suas publicações, ambas as revistas vendiam cerca de 80.000 exemplares, tendo chegado aos 100 mil. Mas naquele momento conseguiam vender apenas oito mil edições. A última edição da RGE a chegar às bancas foi o Homem Aranha n°49, em janeiro de 1983. “Como a RGE também estava publicando personagens Marvel, e pouco se lixando com cronologia, assim como as editoras anteriores, nosso trabalho foi muito dificultado. Mas o tempo tratou de mostrar ao leitor quem realmente se importava com ele. Passamos a publicar personagens que a RGE nem sabia que não tinham (como Demolidor e Conan). Criamos novos títulos, que foram muito bem recebidos. 

Começamos vendendo a metade do que eles vendiam e passamos a vender quase 1/3 a mais, mesmo com todo o reforço que eles recebiam dos seriados na TV Globo. A Marvel estava atenta a isso e, por fim, conseguimos trazer e unificar todo o material Marvel na Abril. Aí foi uma grande festa! ”, relembra orgulhoso o editor Hélcio de Carvalho. A Abril, que começou nas vendas entre 30 e 34 mil exemplares no seu primeiro ano de publicação, logo aumentaria esses números para quase 70 mil revistas vendidas. Os gibis da Marvel começavam a fazer um grande volume de faturamento na editora de Victor Civita. Com a ascensão da Abril e a queda da RGE, a Marvel migraria mais uma vez de editora. O editor Felipe Ferreira assistiu de perto a transição da Marvel para a Abril, e analisa a situação daquele período de mudanças. “Minha avaliação é que a RGE não teve capacidade de entender a dimensão do Universo Marvel e, por isso, resolveu investir na produção de quadrinhos nacionais (abrindo mão dos personagens Marvel) ”. As últimas edições com a Marvel pela RGE foram com o segundo encontro entre o Superman e o Homem-Aranha e a coleção dos Transformes. A RGE durou até 1987, no ano seguinte a editora seria chamada oficialmente de “Editora Globo”, reestruturando todo o departamento da editora.

O escritor Gonçalo Jr, está lançando um livro pela Editora Noir sobre os 70 anos da RGE, vale a pena dar uma pesquisada no site da editora. Fica aqui o registro e nossa homenagem a uma das maiores editoras desse pais e uma das principais com o Universo Marvel.

Alexandre Morgado

Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro Marvel Comics - A Trajetória da Casa das Ideias do Brasil, livro que narra a história da Marvel em nosso país, relançado em 2021. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.

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