domingo, 8 de maio de 2022

Grandes Histórias Marvel no Brasil: A Trajetória do Doutor Estranho

Depois do grande sucesso do personagem nos cinemas em 2016, o Doutor Estranho, passou de coadjuvante para um dos principais personagens do Universo Marvel. Mas antes do sucesso cinematográfico, nosso personagem passou por vários caminhos desde sua criação. Nos Estados Unidos o Mago da Marvel teve diversas séries. E no Brasil, suas histórias apresentam alguns buracos entre uma história e outra. Vamos contar um pouco do personagem e sua trajetória no Brasil.

O nosso querido Mago Supremo foi criado por Stan Lee e Steve Ditko em 1963 para a edição de Strange Tales n° 110.  O personagem é Stephen Strange, um neurocirurgião bem-sucedido, que após um acidente de carro, fica impossibilitado de fazer qualquer tipo de cirurgia, pois sofrera um grande trauma nos nervos de suas mãos. Procurando a cura, viaja até o Tibete. Lá, conhece um homem chamado Ancião. Após os ensinamentos do Ancião, e de o ter ajudado contra um antigo discípulo chamado Barão Mordo, Stephen se aprofunda no mundo das artes místicas, tornando-se o mago supremo da Marvel.

Sua primeira aparição no Brasil foi na edição n° 16 do Quarteto Fantástico da Ebal em abril de 1971 como convidado. Da sua série própria, temos um dos primeiros equívocos de publicação: As primeiras histórias de Stan Lee e Steve Ditko não foram publicadas quando a Marvel chegou ao Brasil. Como a Ebal a princípio só queria os personagens dos desenhos animados, o nosso querido Doutor não foi publicado pela editora carioca, e sim por uma editora concorrente, a Minami & Cunha. 




Em 1963, com 18 anos de idade, Minami Keizi acabara de chegar a São Paulo. Keizi, que nasceu na cidade de Lins, interior do Estado, já desenhava desde a infância e tinha como sonho publicar os seus próprios personagens. Percorreu algumas editoras para realizar o seu antigo sonho. Entre elas estava a Editora Pan Juvenil, publicando alguns dos seus primeiros trabalhos. Keizi era apaixonado pelo estilo Mangá, tanto que é considerado o primeiro artista a trazer esse estilo para o Brasil. Após alguns trabalhos na Pan Juvenil, como Tupãzinho e o Guri Atômico, a editora não andava bem nos negócios e foi obrigada a fechar as portas. Com as atividades encerradas pela Editora Pan Juvenil, Keizi foi convidado pelos antigos donos Salvador Bentivegna e Jinki Yamamoto a abrir uma nova editora, a Edrel (Editora de Revistas e Livros). A Edrel teve muito êxito em suas publicações, colhendo diversos frutos com as suas revistas e revelando alguns artistas, como Cláudio Seto, Paulo Fukue e Fernando Ikoma.  

A Edrel publicou inúmeros tipos de quadrinhos. De piadas a contos eróticos, passando por quadrinhos infantis e de samurais. A editora também se aventurou no mundo dos super-heróis. Tanto que usou alguns gibis da Marvel como referência para a criação de títulos. É o caso de Karatê Men, que teve apenas duas edições, Super Heros (que lembrava o Capitão América), com nove edições e Pabeyma, com quatro revistas. Eram então os super-heróis da Edrel. Após a editora mudar o rumo de seus segmentos nas publicações, editando outros tipos de revistas, Minami Keizi resolveu criar a sua própria editora. Minami Keizi, junto com Carlos da Cunha, que era escritor e publicitário, fundaram a M&C (Minami& Cunha), uma editora localizada em São Paulo, na Rua Oliveira Lima, n° 184, no Cambuci. Keizi repetiu algumas fórmulas que havia criado na Edrel, publicando os mais variados estilos de quadrinhos.     

Após comprar alguns títulos de Miguel Penteado, da Editora GEP, como Lobisomem, de Gedeone Malagola e A Múmia, Keizi adquiriu alguns personagens que sobraram da Marvel que a Ebal não tinha interesse em publicar. Entre eles estavam as histórias do Dr. Estranho, porém com uma diferença: o personagem foi batizado de Dr. Mistério. O nome Dr. Mistério foi criado pela própria distribuidora APLA. De acordo com Carlos Cunha, o material já vinha traduzido da própria agência, e foi a APLA que batizou como Dr. Mistério ao invés de Dr. Estranho.



Acredito que a mudança do nome foi para não confundir o leitor na hora da compra, afinal, a palavra “Mistério” e mais chamativa do que “Estranho”. Naqueles anos de iniciação, alguns cuidados eram tomados pelas editoras. De qualquer forma, essa foi a primeira revista própria do personagem no Brasil. A má notícia é que foram apenas duas edições em 1972. Uma segunda revista chamada Enigma de 1973, também da M&C publicou a continuação da edição número dois. As histórias publicadas, correspondem a sua terceira série do original, (publicadas em Marvel Premiere n° 04, 05 e 06) de Roy Thomas e Barry Windsor-Smith.

Entre 1973 até 1979, o nosso querido Doutor Estranho fez aparições em histórias de outros personagens como convidado. Como atuante de equipe, apareceu na revista inédita editada pela Bloch, em “Os Defensores” em 1976. Depois da Bloch, o personagem voltaria pela RGE, como convidado no “Almanaque Marvel n° 01 ao lado do Homem-Aranha em uma história publicada em Marvel Team-Up. Com suas histórias próprias somente no Almanaque Marvel n° 02 de junho de 1979 com sua segunda série “Doctor Strange: Master of the Mystic Arts”. Vale ressaltar que essa série é anterior as histórias editadas pela M&C em Marvel Premiere. Só aí, já dá pra perceber as confusões que as editoras brasileiras faziam. No ano seguinte, na edição Almanaque Marvel n° 06 de fevereiro de 1980, foi publicada a história “O bastão de Watoomb” ( Doctor Strange n° 179 de 1969), a única história que Steve Ditko desenhou com seus dois principais personagens, Doutor Estranho e o Homem-Aranha. A história foi escrita por Stan Lee. 

Depois de muita confusão editorial, entre 1967 até 1979 a Abril assumia parte do Universo Marvel. A Abril, foi a primeira editora a tentar colocar a complexa cronologia Marvel em ordem por aqui. Na Abril, Stephen Strange retornava em histórias próprias em Superaventuras Marvel n° 02 de agosto de 1982. As histórias eram as mesmas publicadas pela M&C, dessa vez em cores. Em SAM n° 06, enfim uma história inédita de Marvel Premiere com as primeiras histórias produzidas por de Steve Englehart e Frank Brunner. Pela Abril, o personagem migrava entre SAM e Heróis da TV com suas histórias entre 1982 e 1988. Tanto as histórias da Marvel Premiere quanto de Doctor Strange eram as publicadas nas revista da Abril.  

Em SAM n° 13 de junho de 1983, a Abril iniciava uma nova fase do místico personagem. Algumas de suas histórias da série de 1974, foram publicadas, porém apenas as primeiras delas com a fase de Steve Englehart e depois com algumas histórias escritas por Marv Wolfman e Roger Stern.

O Mago da Marvel nunca teve uma sequência pela Abril. O personagem, assim como diversos outros, saia em um mês, ficava fora do mix das revistas por mais três ou quatro meses, voltava em um, ficava fora em mais três e assim por diante. Algumas histórias eram puladas, se a cronologia orquestrada pela Abril teve um saldo positivo, em alguns casos, acabou interferindo negativamente em alguns dos personagens secundários. Pra quem era fã de fato do personagem, era um pouco complicado seguir o que era publicado por aqui.

Entre os anos 1960 e 1996, o personagem teve seis séries nos Estados Unidos: (Strange Tales, Doctor Strange, Marvel Premiere, Doctor Strange Vol 2, Strange Tales Vol 2 e Doctor Strange – Sorcerer Supreme), nenhuma delas foram totalmente publicadas por aqui. A maioria dessas histórias não foram publicadas no Brasil e acredito que nunca serão. 

Com o cancelamento de Heróis da TV, Doutor Estranho foi parar na nova revista dos X-Men. A fase de Roger Stern e Paul Smith foram publicadas em algumas edições ( 01,06, 07, 09, 11,12,18,19,20). A edição n° 20, foi a última história publicada pela Abril vinda de sua série particular.

Fora da linha mensal, o Mago Supremo teve duas edições de luxo pela Abril. A primeira na coleção Graphics Novels n° 17 de novembro de 1989 na história “Shamballa” de J.M. Dematteis e Dan Green. Shamballa apresenta o retorno do Doutor Estranho ao santuário de seu mestre, sete anos após a morte do mesmo, e recebe de presente uma caixa que fora deixada para ele. Nela pode estar guardado o segredo para o fim do mundo, ou do próprio Estranho, que fará uma viagem de descobrimento de si próprio. A outra em janeiro de 1991 na série Graphic Marvel n° 05 em “Triunfo e Tormento” de Roger Stern e Mike Mignola, em uma emocionante história ao lado do Doutor Destino, que acabam se aliando com o propósito de resgatar a mãe de Victor Von Doom das regiões abissais do Reino de Mefisto.                                                                               

Após essas duas edições especiais, o Doutor Estranho dava as caras apenas como convidado, em histórias de outros personagens ou em megas sagas, como Desafio Infinito, Guerra Infinita, Marvel Vs DC etc. 

Seis anos depois de Triunfo e Tormento é que o personagem teria enfim, uma edição com seu nome estampado em uma capa novamente. A Metal Pesado, a mais nova editora daquela época que acabara de adquirir muita coisa da Vertigo, acabou publicando algumas coisas da Marvel. A editora era comandada pelo empresário Leão Azulay, que deu uma sacudida no mercado de HQs no final dos anos 1990. A única edição publicada pela Metal Pesado foi “ O que é que está te perturbando, Stephen?” de Marc Andreyko e P. Craig Russell. Na época, algumas coisas a Abril deixava passar, e era ai que editoras menores se aproveitavam para tirar uma casquinha, tanto da Marvel quanto da DC. Por intermédio da Mythos, a Metal Pesado acabaria publicando esse e mais alguns materiais da Marvel. 


Antes da Panini assumir de vez no Brasil, pela Abril o personagem foi publicado pela última vez nas histórias do Demolidor na sétima parte da saga “Diabo da Guarda”, em Marvel 2000 n° 06 de junho de 2000. 

Alguém pode questionar o motivo da Panini nunca ter trazido suas histórias. O problema é que a própria Marvel não investiu no personagem. Depois da sua última revista ser descontinuada em 1996, somente em 1999 foi publicada uma minissérie na linha Marvel Knights em quatro edições ( inédita no Brasil). Quando a Panini assumiu em 2002 o personagens apareceu em muitas outras publicações, como nas revistas dos Vingadores, dos X-Men e em diversas outras. Nesse período o momento mais marcante foi nas histórias do Homem-Aranha, onde o mago teve influência direta nas sagas “Um dia a Mais” e  “Um momento no Tempo”, publicadas na revista do Homem-Aranha em 2008 e 2012 respectivamente. Em 2016 a Panini publicou o especial “Doutor Estranho: O Juramento” ( The Oath) de Brian K. Vaughan.



Agora, uma pausa para nos levantarmos das cadeiras para aplaudirmos de pé: a editora Salvat, que a partir de 2013 iniciou uma série de edições com muito material clássico da Marvel, trouxe entre eles a edição publicada na “Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel - Clássicos n° 3”, as primeiras histórias de Stan Lee e Steve Ditko, publicado pela primeira vez no Brasil, em um atraso (que se levarmos em conta o início da Ebal), com quase 50 anos... isso mesmo...50 ANOS DE ATRASO...ufa!A Salvat também publicou dentro da coleção da “capa vermelha”, a fase de Roger Stern e Paul Smith, pela primeira vez em formato americano por aqui.



Depois do filme nos cinemas é que chegava em 2015 uma nova revista mensal, com a fase iniciada pelo escritor por Jason Aaron. A revista “Dr. Estranho” teve 16 edições publicadas pela Panini entre 2016 e 2018, de longe o título mais longevo do personagem no Brasil. Atualmente a Panini vem compilando as novas histórias escritas pelo veterano Mark Waid em edições de capa cartão. Em março desse ano a Panini trouxe a edição “Dr. Estranho: Antologia” um gibizão com 320 páginas com suas melhores histórias. E agora é a hora de assistirmos ao novo filme: “Dr. Estranho: no Multiverso da Loucura”, filme que promete estremecer as estruturas do MCU. Ansioso desde já.



Nota de agradecimento ao site Guia dos Quadrinhos por ajudar na pesquisa e dispor de imagens de capas para ilustrar esse artigo.

Alexandre Morgado

Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro Marvel Comics - A Trajetória da Casa das Ideias do Brasil, livro que narra a história da Marvel em nosso país, relançado em 2021. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.

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